Educação Especial: Teorias e Práticas - Educação Inclusiva (2024)

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UNIVESP

Jessica alcantara 27/11/2024

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EDUCAÇÃO ESPECIAL: teorias e práticas 2 Apoio: Apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) - CAPES/PROEX nº do Processo: 23038.006212/2019-97 3 Fátima Denari (Organizadora) EDUCAÇÃO ESPECIAL: teorias e práticas 4 Copyright © Autoras e autores Todos os direitos garantidos. Qualquer parte desta obra pode ser reproduzida, transmitida ou arquivada desde que levados em conta os direitos das autoras e dos autores. Fátima Denari [Org.] Educação Especial: teorias e práticas. São Carlos: Pedro & João Editores, 2022. 296p. 16 x 23 cm. ISBN: 978-85-7993-981-5 [Digital] 1. Educação Especial. 2. Teoria. 3. Prática. 4. Processos educativos. I. Título. CDD – 371 Capa: Petricor Design Ficha Catalográfica: Hélio Márcio Pajeú – CRB - 8-8828 Diagramação: Diany Akiko Lee Editores: Pedro Amaro de Moura Brito & João Rodrigo de Moura Brito Conselho Científico da Pedro & João Editores: Augusto Ponzio (Bari/Itália); João Wanderley Geraldi (Unicamp/ Brasil); Hélio Márcio Pajeú (UFPE/Brasil); Maria Isabel de Moura (UFSCar/Brasil); Maria da Piedade Resende da Costa (UFSCar/Brasil); Valdemir Miotello (UFSCar/Brasil); Ana Cláudia Bortolozzi (UNESP/Bauru/Brasil); Mariangela Lima de Almeida (UFES/Brasil); José Kuiava (UNIOESTE/Brasil); Marisol Barenco de Mello (UFF/Brasil); Camila Caracelli Scherma (UFFS/Brasil); Luis Fernando Soares Zuin (USP/Brasil). Pedro & João Editores www.pedroejoaoeditores.com.br 13568-878 – São Carlos – SP 2022 5 Prefácio Temos diante de nós uma coletânea de fecundos trabalhos, em torno da temática inclusão da pessoa com deficiência, resultantes de estudos, pesquisas e relatos de experiências vividas. A inclusão acontece a partir do micro para o macro espaço e, como numa colmeia em construção, vai constituindo em comum-unidade, uma comunidade, onde as pessoas a serem incluídas são protagonistas, têm voz, são ouvidas, respeitadas em seus direitos, desejos, vontades e necessidades. Você, Leitor, que se interessa por essa temática, ao se enveredar pelos artigos deste e-book, terá oportunidade de desvelar em seu percurso a relevância de acolher primeiro o ser humano e, na medida em que for avançando na leitura, vai constatar a complexidade e, ao mesmo tempo, a responsabilidade que temos, enquanto pessoas humanas, com esses cidadãos, ainda tão desrespeitados em seus direitos básicos e inalienáveis, como uma educação de qualidade, independente de suas características específicas. Terá a oportunidade de percorrer diferentes espaços, como sala de recursos multifuncional para o ensino de libras e língua portuguesa, museus e conhecer e refletir sobre as diversas dimensões da acessibilidade para pessoas com deficiência, processos de avaliação de aprendizagem. Vai conhecer o Atendimento Pedagógico Domiciliar e a sua relevância para crianças e adolescentes, que se encontram em meio a um tratamento de saúde, por tempo prolongado em regime domiciliar ou hospitalar. Compreender que pessoas surdas são sujeitos que possuem uma singularidade linguística e, com isso, interpretam e interagem com o mundo, por meio da visualidade, necessitando ser atendidos em suas especificidades e singularidades. 6 Conhecer, ainda, uma experiência vivida de inclusão: “A Língua Brasileira de Sinais (Libras) e o Braille: uma proposta de inclusão nas escolas da região de Cornélio Procópio”. Terá a oportunidade de refletir, sobre a condição social da mulher com deficiência, que vai muito além da questão de gênero e verificar como a sociedade percebe o “cuidado com a pessoa com deficiência”; constatando a necessidade de “incluir a transversalidade no que diz respeito ao gênero na elaboração de políticas sociais”. E por meio da sétima arte, o cinema, vai refletir sobre a questão dos estereótipos, “corpo deficiente” e “corpo ideal” para a sociedade e concluir, que: “embora diferentes, particulares e singulares, são belos e funcionais da sua maneira, na sua essência”. Vai perceber e refletir, ao acompanhar a análise do discurso da série Crisálida, disponível na NETFLIX, o olhar social existente, para com a pessoa surda, “os conflitos por ela vivenciados e o quanto isso influência na sua constituição enquanto sujeito”. Terá a oportunidade de conhecer uma nova proposta de fazer inclusão, por meio de parceria entre professores de Atendimento Educacional Especializado (AEE) e de Educação Física Escolar (EF). Fará reflexões sobre o processo de identificação dos alunos com superdotação/altas habilidades, dentro do contexto escolar e a relação da prática docente perante a presença desses alunos, em especial dos mitos a eles relacionados, que influenciam de forma negativa a prática docente. Poderá, ainda, desvendar a necessidade e importância da “Inclusão formação de profissionais para atuarem com crianças dentro do Espectro Autista”. Que tal conhecer, comparar e, sobretudo, refletir, sobre “... as matrizes curriculares dos cursos de licenciatura em Educação Especial, na modalidade presencial e a distância, como primeira e segunda licenciaturas...”; conhecer Além de considerar essa obra como mais uma fonte de pesquisa para os interessados na área, destaco o cuidado e o rigor 7 científico adotado pelos autores ao descreverem as metodologias adotadas para o desenvolvimento dos estudos, intervenção na realidade e relatos de experiências vividas, sob a orientação de quem sempre fez e vivencia, desde os primórdios de sua formação inicial e atuação, como professora e pesquisadora, a indissociabilidade entre ensino-pesquisa-intervenção em situações reais da comunidade, Profa. Dra. Fátima Elisabeth Denari. Ao final, espero que você possa responder as seguintes questões: “e eu com isso?”; “qual a minha missão, enquanto profissional, cidadão...”; “como posso contribuir para a mudança dessa realidade na minha comunidade, na instituição em que atuo?” Uma boa leitura formativa, Profa. Dra. Edileine Vieira Machado da Silva CESMAC – Maceió/Alagoas. 8 9 Sumário Acessibilidade e função educativa dos museus 13 Pollyana Ladeia Costa Atendimento Pedagógico Domiciliar: Desafios e Possibilidades Pedagogical Home Care: Challenges and Possibilities 29 Karina Leite Rentz Educação Especial em perspectiva: desafios da inclusão Amanda Maria de Araujo Nogueira 51 Avaliação escolar adequada para estudantes surdos: caminhos possíveis para promover um ambiente inclusivo 59 Matheus Batista Barboza Coimbra Débora Gonçalves Ribeiro Dias Diferença surda e estigma: como diferenciar no contexto educacional? 77 Tatiane Cristina Bonfim A questão do cuidado sob o olhar de mulheres com deficiência: podcast narrando utopias 97 Isabella Mota Colombo Diálogo e parceria entre os professores do AEE e de EF: propostas para auxiliar na inclusão escolar dos estudantes público-alvo da Educação Especial. 121 Aline Basso Braz Michelle Roberta Pavão 10 Inclusão e formação de profissionais para atuarem com crianças dentro do espectro autista 141 Rafael Vilas Boas Garcia Ana Paula Aporta Ana Cristina Israel Guimarães Diana Batista Xaud Araujo Inquietações e anseios sobre corpos ‘deficientes’ 165 Ana Paula Santos de Oliveira Rita de Cássia de Almeida Pavão Samara Cristina Ferreira da Costa Certificação em análise do comportamento: análises e implicações 185 Giovanna Jangarelli Santini Luiza de Freitas Borges D’Orazio Reflexões sobre o processo de inclusão escolar do aluno comou superdotação (BRASIL, 2016). A genitora de Ana informou que no final de 2021 a professora da Sala de Recursos Multifuncionais – SRM – Isoldina, deu início a um trabalho com Ana e a apresentou à responsável pelo atendimento Ana. Foi relatado também que nos anos anteriores a PAAI Camila iniciou uma estratégia de comunicação alternativa mediante o uso de imagens, que, segundo a genitora, foi de difícil compreensão para a estudante, tornando esta metodologia inviável. Nessa primeira visita foi observado que Ana apresenta atenção na comanda, permanece concentrada no decorrer da atividade embora, no final de 1 hora de atividade, a mesma tenha demonstrado sinais de cansaço em virtude de seus esforços físicos em prol da devolutiva aos questionamentos realizados. A estudante também mostrou acompanhar as falas na música escutada, indicando para a PAAI as cores mencionadas. Com relação a atuação da fonoaudióloga relatou-se que a mesma possui foco na disfagia, trazendo por vezes dicas pertinentes a comunicação. Este aspecto indica a importância em se estabelecer uma comunicação e a ampliação do repertório linguístico, este deve ser iniciado através de uma rotina diária por meio de imagens. A construção do pensamento se dá através da forma de comunicação, primordial para que a estudante futuramente expresse suas ideias com precisão, através de um recurso de tecnologia assistiva. Nessa primeira visita foi utilizado um recurso lúdico que trazia a temática da vida diária (higiene), disponibilizando recursos concretos como escova de dente, pente, creme dental, toalha, sabonete líquido e uma pia com espelho, eles apresentavam cores vibrantes, luzes e sons da água junto da comanda da ação de higiene em formato musical. Durante a intervenção Ana interagiu respondendo as perguntas de comparação levantando as 45 sobrancelhas e esboçando sorriso, quando ficava em dúvida sobre alguma questão como as cores ou letras apresentadas realizava um breve levantar das sobrancelhas, mas quando estava convicta da resposta havia intensificação deste levantar. Na segunda visita efetivada no dia 18 de março de 2022 o recurso da higiene foi reproduzido, também optou-se por trabalhar escritas com Ana, através de exemplos de palavras para a identificação de quais continham a escrita correta, importante ressaltar que o formato de respostas se manteve como na primeira visita, através do levantamento das sobrancelhas. Em seguida buscou-se correlacionar imagens com palavras, onde a mesma identificou a escrita relacionada à figura, o atendimento foi finalizado após a leitura de um livro infantil, ao término da ação o material sobre a higiene foi disponibilizado para a genitora, com a orientação de que esta siga apresentando para Ana. Na semana seguindo, no dia 25 de março de 2022 foram retomadas as comandas pertinentes às cores e as palavras do campo semântico, posteriormente abordou-se a formação do arco-íris através de recurso audiovisual e de um prisma. Já no atendimento realizado no dia 07 de abril de 2022 abordou-se os movimentos do planeta e os conceitos da temática “dia e noite”, dentro deste tema utilizou-se o recurso de palavras para sua correlação com figuras, no entanto, o atendimento nesta ocasião precisou ser interrompido algumas vezes para procedimentos médicos. No dia 13 de maio de 2022 o atendimento retomou a abordagem de relacionar figuras à escrita, lançando-se um pequeno desafio, fazer com que Ana tentasse relacioná-las sozinha indicando sua resposta através de seu levantamento de sobrancelhas, utilizado como comunicação alternativa, que segue sendo a forma de resposta principal da estudante, essa visita foi encerrada após a leitura do livro “Pedro o menino navegador”, utilizando objetos concretos referente a personagens e elementos que compunham a história, com o intuito de exploração das dimensões, junto a estudante. 46 Baseando-se em datas comemorativas, o atendimento do dia 10 de junho buscou apresentar para Ana o conceito de união, pautando-se na lenda de São Valentim, fazendo uso de fotos de casamento dos pais, foi possível ajudar Ana a parear expressões com palavras correspondentes, na sequência um cartão foi mostrado para a mesma, que escolheu, com grande ênfase, mostrando desejo em criar um cartão também. Na última visita levantada para o recorte deste estudo, realizada no dia 24 de junho de 2022, realizou-se a leitura de um livro interativo com áudio para Ana, após a leitura foi realizado o pareamento de palavras com figuras ao que Ana esboçou respostas não somente com as sobrancelhas, mas também emitiu sons para a complementação de suas respostas expressadas facialmente, após esse momento buscou-se montar um quebra cabeça que a mesma concluiu com grande êxito. Quando questionada sobre o destinatário do cartão criado por Ana na visita anterior, sua genitora informou que o mesmo foi entregue ao fisioterapeuta domiciliar da mesma, respondendo que daria outro para Ana, lhe trazendo grande satisfação. A análise do material levantado através das visitas idealizadas mostra que o processo de inclusão de Ana envolve os diferentes espaços (casa, hospital, escola, comunidade) e diferentes profissionais tanto da educação como da saúde, o trabalho conjunto destas equipes certamente mostrou fundamental para o bom desenvolvimento de Ana, que iniciou sua jornada na primeira visita dando simples respostas a conteúdos simplificados ligados a questões básicas como higiene e cores, finalizando, dentro do recorte escolhido, formulando expressões, emitindo sons que corroborassem com suas escolhas e produzindo materiais que a levaram a construir uma relação de amizade com seu fisioterapeuta. A evolução de Ana é notável, mesmo dentro de um curto período de tempo, mas só é possível graças a insistência da equipe pedagógica em seguir fazendo uso de imagens para a ampliação do repertório de comunicação de Ana, dos esforços da equipe de saúde, da dedicação de seus 47 familiares e, principalmente de Ana, que mesmo em meio a suas dificuldades dedicou-se durante todo período, dentro e fora do atendimento. Aqui cabe destaque a importância de profissionais devidamente qualificados para a realização deste atendimento, tanto os profissionais de saúde que tiveram funções educacionais ao instruir as condições de Ana, quanto dos educadores, que trouxeram propostas inovadoras, divertidas e efetivas para a estudante, o uso de recursos lúdicos e o protagonismo de Ana certamente foram fundamentais para seu desenvolvimento, sendo importante nesse sentido que os profissionais da educação pratiquem a educação continuada. Considerações finais Diante das informações apresentadas pôde-se compreender que o Atendimento Pedagógico Domiciliar, na qualidade de modalidade educacional, é garantido por lei, embora este direito seja pouco praticado, tornando necessária a promoção de mais políticas públicas voltadas ao mesmo. Logo percebe-se que este atendimento pode resignificar os espaços em que o estudante se encontra e o tempo, ao oportunizar o acompanhamento e o preparo do mesmo para seu futuro retorno ao ambiente escolar, quando possível, reduzindo desta forma as dificuldades que este estudante pode ter ao voltar para a escola por meio da flexibilização do currículo e da fundamentação de ações de acolhimento e apoio a estes estudantes. Através da análise dos relatórios estudados entendeu-se que os profissionais da educação são de suma importância não somente para o contexto educacional destes estudantes, mas também para seu processo de inclusão social, constituindo um grande desafio para esta modalidade de atendimento o despreparo de parte dos profissionais bem como a ausência da educação continuada. O atendimento em questão apresentando como foco para a eliminaçãoda barreira comunicacional a 48 implementação de uma comunicação alternativa, conseguiu introduzir questões pertinentes à higiene, expressões, ciências, datas comemorativas e ainda, através de uma atividade de artes, proporcionou uma interação social da estudante com seu fisioterapeuta através de uma comunicação por troca de cartões. Nota-se que o desenvolvimento de Ana pauta-se em seu protagonismo, sendo este fundamental para suas ações e sua colaboração no processo de ensino aprendizagem. Referências BRASIL. Decreto-Lei nº 5.452 de 01 de maio de 1943. Aprova a consolidação das leis do trabalho. Brasília. Disponível em: Acesso em 15 de julho de 2022. _______. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: Acesso em: 15 de julho de 2022. _______. Lei nº 9.394 de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. Disponível em: Acesso em 15 de julho de 2022. _______. Parecer CNE/CBE de nº 17 de 03 de julho de 2001. Dispõe das diretrizes nacionais da educação. Ministério da Educação. Disponível em: Acesso em: 15 de julho de 2022. _______. Classe hospitalar e atendimento pedagógico domiciliar: estratégias e orientações. Secretaria de Educação Especial. Brasília: MEC; SEESP, 2002. Disponível em: Acesso em 15 de julho de 2022. _______. Saberes e práticas da inclusão: dificuldades acentuadas de aprendizagem - deficiência múltipla. Edição nº 04. Elaboração Profª Ana Maria de Godói – Associação de Assistência à Criança Deficiente – AACD. Brasília: MEC, Secretaria de Educação Especial, 2006. 49 _______. Política Nacional de Educação Especial Inclusiva. Ministério da Educação, jan. de 2008. Disponível em: Acesso em 14 de julho de 2022. BRODIN, J. & RIVERA T. La familia del deficiente mental. Inf. nº 25. Estocolmo (Suécia): Escuela Superior de Maestros e I.E.S, 1999. KASSAR, Mônica de C. M. Deficiência múltipla e educação no Brasil. Campinas: Editores Associados, 1999. São Paulo. Itaquera inaugura CEFAI e passa a atender pessoas com necessidades educacionais especiais. Itaquera, 2006. Disponível em: Acesso em 17 de julho de 2022. 50 51 Educação Especial em perspectiva: desafios da inclusão Amanda Maria de Araujo Nogueira Introdução Este ensaio tem o objetivo de destacar alguns dos principais desafios encontrados no cenário educacional brasileiro, especificamente, aqueles relacionados ao atendimento dos alunos da Educação Especial. Nessa perspectiva, as demandas, dificuldades e comportamentos excludentes que caracterizam sua presença no ambiente educacional, seja ele escolar ou universitário, serão pontuados com vistas a oportunizar uma reflexão sobre o discurso acerca da inclusão. O homem tem estado, constantemente, em busca de um espaço de pertencimento. Ao longo de sua vida, observa, procura e se adapta objetivando a aceitação do grupo que acredita ser adequado a si. Todos passamos por esse processo, cedo ou tarde. A escola é um dos espaços principais para que o indivíduo experiencie dinâmicas sociais que oportunizarão um preparo para a vida (ARCHANGELO et al, 2021). Tal afirmativa teria maior validade se, de fato, a proposta de uma “Educação para Todos” tivesse se efetivado no país, principalmente ao levarmos em conta os compromissos assumidos com a promulgação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (BRASIL, 1996). A realidade, no entanto, se apresenta um tanto aquém das expectativas, sobretudo daqueles que se encontram, de alguma forma, fora dos padrões estabelecidos como adequados por uma série de convenções sociais. Nessa perspectiva, as minorias que compreendem os indivíduos com deficiências, transtornos globais de desenvolvimento e altas habilidades ou superdotação, 52 continuam tendo que lutar pela atenção adequada às suas demandas, sejam elas de caráter estrutural, educacional, cidadão, ou de saúde, etc. Ao voltarmos nossa atenção para o impacto que a diversidade e a diferença têm sobre as relações sociais, principalmente aquelas que ocorrem nos espaços de ensino, poderemos perceber o quanto ainda é necessário avançar para que o cumprimento de direitos constitucionais mínimos seja atendido. Educação para todos? A Constituição Federal traz em seu artigo 205, a garantia do acesso e esforços para a permanência de todos os cidadãos brasileiros no processo educacional, com vistas a oferecer-lhe meios para o seu pleno desenvolvimento, preparo para a vida adulta, o trabalho e o exercício da cidadania (BRASIL, 1988). Para que essa preocupação surgisse, um longo percurso se estabeleceu na história da educação brasileira. Em seus primórdios, o processo de ensino-aprendizagem tinha funções muito específicas e destinadas a públicos distintos: os indígenas, como parte do processo de catequização e, aos filhos da elite local, com a função de formar suas próximas gerações de líderes. Vale destacar que, diante de uma economia essencialmente agrária e uma população predominantemente rural, de maioria negra africana escravizada, a educação não foi uma das grandes preocupações das autoridades locais por muito tempo. Essa visão, somente começou a buscar uma transformação de fato, com o advento da república, quando um novo modelo escolar começou a ser pensado e sua ampliação foi planejada, juntamente com novos objetivos educacionais (COSTA; MANFIO, 2019). Ainda assim, mais de 30 anos após a promulgação da Constituição, o país segue com uma educação que não permite acolher de fato, todas as demandas que lhe são apresentadas. Sejam elas, de ordem estrutural, de formação humana para o trabalho pedagógico, de respeito e atenção às características 53 físicas, culturais e emocionais de seus alunos; em muito ainda se faz necessário avançar. Ao longo dos últimos anos, principalmente após a homologação da Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva (BRASIL, 2008), com exceção da Educação de Jovens e Adultos (EJA), ocorreu um aumento significativo do número de matrículas dos alunos da Educação Especial na rede regular de ensino, com 90% desses presentes nas salas das escolas comuns (INEP, 2022). No entanto, mesmo esses dados positivos, não excluem a necessidade de se voltar atenção às posturas e discursos que se propagam pelos espaços educacionais. Teriam esses espaços, caminhado com vistas a promover a inclusão? A escola sempre foi um espaço plural. Ali se encontram sujeitos que vem de realidades familiares, econômicas e sociais completamente distintas. Os mesmos aprendem e tem interesses diversos; possuem habilidades e dificuldades únicas, que precisam ser conhecidas, compreendidas e respeitadas pela instituição. Esclarecimento e inclusão Os estabelecimentos de ensino são historicamente compreendidos como espaços de propagação de conhecimento e informação, mas a eles também são necessários ensinamentos. Aqueles que ali estão com a função de conduzir e favorecer o processo de ensino-aprendizagem dos indivíduos em formação, também demandam novas e constantes orientações, sobretudo acerca da diversidade esperada para o ambiente escolar. É comum, encontrarmos em grande parte das escolas do país, profissionais que não possuem qualquer contato com iniciativas de formação inicial ou continuada que abordem as particularidades da Educação Especial. Do mesmo modo, é significativa a manutençãode comportamentos e concepções equivocadas sobre a temática, por exemplo, a visão simplista de que a inclusão acontece 54 especificamente para garantir o acesso dos alunos com deficiências ao ambiente escolar, como se os demais grupos não existissem ou não exigissem uma atenção especial. Encontram-se ainda, nos espaços educacionais, comportamentos reforçadores de estereótipos criados pelo senso comum sobre a diversidade sexual, além da mínima representatividade da diversidade étnico-racial no contexto educacional, entre outras concepções limitadas (SOUZA; PEREZ, 2021). Além desses desafios em termos de conhecimento sobre o indivíduo, a escola que se encontra distante das estratégias para a promoção da inclusão, negligencia as etapas de desenvolvimento e o respeito a cada uma das fases da vida do sujeito. A inclusão enfrenta ainda, a definição restritiva de seu papel como promotora das dinâmicas de socialização do estudante da Educação Especial. Trata-se de uma redução drástica da proposta e uma desconsideração do papel maior da instituição de ensino que visa à formação e o aperfeiçoamento das habilidades cognitivas do sujeito (BUENO; CAMPOS, 2020). A garantia do atendimento desses estudantes no ensino regular esbarra ainda nas defasagens da formação docente. Seja resultado da inexistência de um currículo para as licenciaturas, que contemple uma formação profunda acerca das dinâmicas que demandam do atendimento educacional aos estudantes da Educação Especial, ou pela desconsideração dos órgãos competentes na proposta de cursos de formação com habilidades específicas, ocorre que o docente não chega preparado para atuar com esse alunado (BUENO; CAMPOS, 2020). Os próprios docentes encontram-se cientes dessa incapacidade, resultado de um sistema de governo que, apesar de dispor de regulamentações que garantam o atendimento aos estudantes com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades ou superdotação, não proporciona formação humana preparada para promover sua inclusão. 55 Paradigmas incapacitantes Não é novidade encontrar relatos em que estudantes com deficiências queixam-se de receberem da escola, atividades desenvolvidas para crianças, com temas infantis e fora do contexto da vida adulta ou adolescente. Como se espera que um espaço que não reconhece seu próprio público, pudesse oferecer-lhe o atendimento adequado às suas necessidades. O estranhamento em relação à condição não é suficiente para sustentar a ineficiência e até mesmo a postura preconceituosa que os estudantes da Educação Especial enfrentam ao longo de sua vida acadêmica. A dificuldade de superação das barreiras e meios para efetivação da comunicação e, portanto, do aprendizado contribui para aumentar a lista de obstáculos a serem superados por esses estudantes. Ainda que em 2016, a lei de cotas garantisse o acesso ao ensino superior, os meios para a continuidade e acompanhamento dos cursos não foi pensada em sua totalidade (GUIMARÃES et al. 2021). Os números do Censo da Educação Superior apresentaram entre os anos de 2019 e 2020, últimos dados disponibilizados pelo INEP, um aumento de mais de nove mil matrículas de estudantes que se declararam como público da Educação Especial, menos de 1% do total de estudantes matriculados em universidades do país. Esse panorama, ainda que pouco expressivo, levanta a seguinte questão. Se esses 59.000 indivíduos (INEP, 2021), não estiverem recebendo acompanhamento adequado de suas demandas dentro dos espaços educacionais de ensino superior, qual será o impacto de um possível abandono em suas vidas? Ou ainda, quantos profissionais, com formações comprometidas, estarão no mercado de trabalho? Vale reforçar que o despreparo para a atenção a esses estudantes, ocorre em todos os segmentos de ensino, da creche ao Ensino Superior. Na prática docente, a principal dificuldade apontada é, justamente, a adaptação dos conteúdos curriculares às 56 habilidades ou especificidades dos alunos da Educação Especial. Tal ação demanda uma conjunção de esforços de toda a equipe escolar, incluindo gestão, corpo docente e demais funcionários. Ainda assim, a principal articulação esperada e de impacto mais significativo no processo de ensino-aprendizagem desses alunos seria entre o professor da Educação Especial e o docente regente de sala regular. Muitas vezes, devido ao desconhecimento das características dos alunos da Educação Especial aliada à presença de uma sala de recursos na unidade escolar, é transferida a responsabilidade de adequação e atendimento para o professor da mesma. Somam-se a essa postura, justificativas de desconhecimento da condição do estudante, ou ainda, sua capacidade de acompanhar a turma sem nenhum tipo de ajuste na condução das aulas ou atividades (BUENO; CAMPOS, 2020). Um exemplo não tão comum do despreparo docente para o atendimento da Educação especial está na educação dos alunos com altas habilidades ou superdotação. Diante de uma série de mitos que se perpetuam e popularizam sobre a condição (MANI, 2019), é comum que se verifique a inexistência de ações de atenção às suas dificuldades ou enriquecimento às suas áreas de interesse (ANTIPOFF; CAMPOS, 2010). Considerações Finais Pensar a educação significa garantir que em todos os aspectos, aqueles que dela precisem, tenham atendidas as suas demandas e necessidades específicas. Enquanto direito constitucional, a educação deve ser capaz de favorecer o desenvolvimento da condição cidadã do indivíduo. Para isso, deve ela, inicialmente, respeitá-lo como tal. Uma educação para todos deve ter início no processo formativo daqueles que serão responsáveis pelo ensino dos demais. A inclusão deveria ter início na formação docente, não 57 apenas através da ação da escola, que garante a matrícula e a permanência do aluno da Educação Especial. Não seria necessário discutir as fraquezas do processo de inclusão se ocorresse uma reflexão e tomada de consciência pela população. Reconhecer a existência da diversidade e da diferença entre os seres humanos favoreceria a definição de estratégias de ensino ou atendimento a todos aqueles que precisassem de algum tipo de assistência distinta. Não como cumprimento de lei, mas como forma de atenção, empatia e respeito ao outro. Enquanto não alcançamos tal nível de consciência de grupo, serão necessárias iniciativas de pesquisa, divulgação de informações e promoção de cursos de formação continuada que oportunizem conhecimento acerca da Educação Especial, tanto para docentes quanto para o público em geral. Dessa forma, a sociedade poderá acolher todos os seus cidadãos e, o fazer docente terá um impacto positivo no seu retorno a comunidade. Referências ANTIPOFF, C. A.; FLEITH, D. S. Superdotados e seus mitos. Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional, SP. Volume 14, Número 2, Julho/Dezembro de 2010: 301-309. ARCHANGELO, A. et al. Sentimento de Pertencimento e Desenvolvimento da Moralidade na Escola. Psicologia: Teoria e Pesquisa [online]. 2021, v. 37 BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal: Centro Gráfico, 1988. BRASIL. Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep). Censo da Educação Superior 2020: notas estatísticas. Brasília, DF: Inep, 2022. 58 BUENO, M. B.; CAMPOS, J. A. P. P. Inclusão escolar na educação de jovens e adultos: concepções e práticas pedagógicas. Educação: Teoria e Prática, v. 30, n. 63, p. 1-16, 28 ago. 2020. BUENO, O. M.; OLIVEIRA, R. de C. da S. de. Atendimento Educacional Especializado para estudantes com deficiência intelectual na Educação de Jovens e Adultos: vozes da pesquisa científica na área (2008-2020). Revista EducaçãoEspecial, [S. l.], v. 35, p. e2/1–26, 2022. DIAS, E. F. M.; GONÇALVES, J. P.; FONSECA, M. V. A. T. Diversidade e deficiência: discursos da comunidade escolar sobre o processo de inclusão em escolas de ensino comum. Olhar de Professor, [S. l.], v. 23, p. 1–13, 2020. GUIMARÃES, M. C. A., BORGES, A. A. P.; PETTEN. A. M. V. N. Trajetórias de Alunos com Deficiência e as Políticas de Educação Inclusiva: da Educação Básica ao Ensino Superior. Revista Brasileira de Educação Especial [online]. 2021, v. 27 MANFIO, C. A. C.; COSTA, V. B. Políticas de educação no Brasil: desafios à regulamentação das leis e ao amplo acesso à educação pública. Revista Cocar, Pará, v. 13, n. 25, p. 373 a 398 – Jan./Abr. 2019. SOUZA, S. C. M.; PEREZ, C. L. V. Diversidade e diferença: representações sociais no espaço educacional. Revista Ibero-Americana de Estudos em Educação, Araraquara, v. 16, n. 4, p. 2720–2740, 2021. 59 Avaliação escolar adequada para estudantes surdos: caminhos possíveis para promover um ambiente inclusivo Matheus Batista Barboza Coimbra1 Débora Gonçalves Ribeiro Dias2 Considerações iniciais A avaliação é um potente instrumento que o professor pode utilizar em benefício do processo de ensino e aprendizagem. No entanto, esse instrumento nem sempre é usado de uma maneira adequada, ainda mais quando tratamos de avaliar estudantes surdos. Muitos docentes não se sentem qualificados para trabalhar com alunos que apresentam necessidades educacionais específicas, conforme constatado por Costa, Rocha e Lima (2020). Desse modo, é importante a discussão sobre temas relacionados à educação inclusiva, visando contribuir com o referencial teórico para a formação inicial e continuada de professores. A avaliação adequada para estudantes surdos é um direito garantido pela legislação brasileira. Dessa forma, o professor deve buscar a formação necessária para que seja possível atender a essa demanda de trabalho. Essa formação, seja inicial ou continuada, é necessária, pois “os instrumentos de avaliação precisam ser diferenciados para atender aos alunos surdos e esta percepção destaca a necessidade de proporcionar adaptações desde o momento destinado às atividades de ensino do conteúdo até à etapa da avaliação” (CORRÊA; PIRES; VIEIRA, 2019, p. 134). 1 Mestrando em Letras pela Universidade Federal de Rondônia (UNIR). Professor de Libras no Instituto Federal do Sul de Minas Gerais (IFSULDEMINAS) - Campus Poços de Caldas. 2 Doutoranda em Educação Especial - PPGEE pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar). Professora de Libras na Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR) - Campus Cornélio Procópio. 60 Neste artigo, temos como objetivo discutir a avaliação escolar para estudantes surdos, levando em conta as possibilidades e os desafios envolvidos nesse processo. Para isso, propomos uma pesquisa de revisão bibliográfica, que, de acordo com Gil (2002, p. 44), “é desenvolvida com base em material já elaborado, constituído principalmente de livros e artigos científicos.” Assim, tomamos esse referencial bibliográfico para fomentar a discussão sobre avaliação para estudantes surdos, tecendo, também, nossas contribuições para a promoção de um ambiente escolar inclusivo. Discussões teóricas A educação dos surdos possui suas especificidades, principalmente porque os estudantes surdos aprendem de uma maneira diferente do estudante ouvinte. O aluno surdo recebe as informações por meio do canal visual, e esse fato deve ser considerado no planejamento de uma aula em que teremos a presença de estudantes surdos. Além disso, esse estudante tem acesso a poucas informações em Libras, o que pode prejudicar o seu desenvolvimento escolar. Sobre isso, Lacerda, Santos e Caetano (2013, p. 185) afirmam: Em geral, [os alunos surdos] tiveram poucos interlocutores em sua língua e, consequentemente, poucas oportunidades de trocas e de debates, além de não terem, acesso completo aos conteúdos de filmes, programas de televisão e outras mídias que privilegiam a oralidade (e nem sempre contam com legenda), ou possuem textos complexos de difícil acesso a alunos surdos com dificuldades no letramento em língua portuguesa. Deste modo, é frequente que estes alunos cheguem ao espaço escolar com conhecimentos de mundo reduzidos quando comparados com os apresentados pelos alunos que ouvem, já que estes podem construir conceitos a partir das informações trazidas pela mídia, por exemplo. A partir disso, percebemos que os alunos surdos não tiveram as mesmas oportunidades de acesso ao conhecimento que os alunos ouvintes. Por isso, uma aula planejada somente para estudantes ouvintes não será acessível para um estudante surdo. 61 Uma informação que pode parecer óbvia para o estudante ouvinte pode não ser para o estudante surdo, pois este nunca teve acesso a esse conteúdo em sua língua, ou seja, em língua de sinais. Entretanto, não queremos dizer que o estudante surdo é limitado em suas capacidades de aprender, pois isso não é verdade. Esse estudante pode desenvolver-se de maneira plena e efetiva, desde que adotemos estratégias de ensino adequadas. O que queremos dizer é que o professor não deve simplesmente repetir as mesmas estratégias de ensino e de avaliação que funcionam com estudantes ouvintes com estudantes surdos, pois estes estudantes possuem necessidades específicas que devem ser contempladas e respeitadas ao se planejar uma aula. Nesse sentido, ao elaborar uma aula ou um instrumento avaliativo, o professor precisa trazer elementos da Pedagogia Visual, tendo em vista que é por meio do canal visual que os estudantes surdos recebem as informações. Mas de que forma a Pedagogia Visual pode contribuir para a educação de surdos? Respondendo a essa questão, a pesquisadora surda Campello (2007, p. 130) nos diz que a Pedagogia Visual proporciona a: exploração de vários nuances, ricas e inexploradas, da imagem, signo, significado e semiótica visual na prática educacional cotidiana, procurando oferecer subsídios para melhorar e ampliar o leque de “olhares” aos sujeitos surdos e sua capacidade de captar e compreender o “saber” e a “abstração” do pensamento imagético dos surdos. Dessa maneira, a utilização de recursos visuais é uma excelente estratégia de ensino para estudantes surdos. O professor pode fazer o uso de recursos imagéticos durante a exposição de um determinado conteúdo e, também, nos momentos de avaliação. Com isso, o aluno surdo terá melhores condições de compreender os conteúdos apresentados em sala de aula. Nesse ponto, segundo Lacerda, Santos e Caetano (2013, p. 187), “uma imagem pode evocar a compreensão de vários elementos de um determinado tempo histórico e, nesse sentido, evocar significados sem a presença de qualquer texto escrito”. 62 Além disso, quando falamos de avaliação, é muito comum que os professores tenham um conceito distorcido sobre esse instrumento. Muitos docentes a encaram como uma forma de punição, sendo algo corriqueiro escutar em uma sala de aula: "Vocês vão ver na hora da prova!" No entanto, esse não deve ser o objetivo quando propomos um instrumento avaliativo. Afinal, qual é a função da avaliação? Abordando essa questão, André (2013, p. 19) afirma que "a avaliação formativa é, pois, aquela que ajuda o aluno a aprender e o mestre a ensinar". Nessa perspectiva teórica, a avaliação funciona como um instrumento que ajuda o professor na sua prática em sala de aula. Esse instrumento orienta o trabalho pedagógico, possibilitando ao professor identificar as potencialidades e fragilidades dos estudantes. A partir desses resultados, o docente pode adequar suas estratégias de ensino e, assim, promover a aprendizagem. Ainda, segundo Libâneo (2007, p. 73), “o domínio dos meios e instrumentos de avaliaçãodiagnóstica, isto é, colher dados relevantes sobre o rendimento dos alunos, verificar dificuldades, para tomar decisões sobre o andamento do trabalho docente, reformulando-o quando os resultados não forem satisfatórios”. Dessa forma, a avaliação servirá como um instrumento para verificar as dificuldades dos estudantes e, a partir disso, o professor poderá reformular a sua prática em sala de aula. Nesse viés, a avaliação não é o fim de um processo, mas sim um instrumento que vai orientar esse processo (CALDEIRA, 2000). E, quando se trata de estudantes surdos, a avaliação deve observar critérios específicos. Sobre a relevância desses critérios, Sá (2009, p. 9) destaca: Na questão da avaliação, o importante é que sejam enfatizadas as potencialidades do educando, e, para que o aluno e a comunidade surda sejam intermediados num processo avaliativo e pedagógico eficientes, faz-se necessário que os educadores tenham uma visão adequada do fazer, do saber, do conviver e do ser surdo. É necessário escapar do imperativo dominante segundo o qual os surdos têm que falar e ser como os 63 outros(ouvintes), mas recorrer a modelos sócio-antropológicos nos quais a comunidade de iguais e a língua de sinais exerçam papel fundamental. No trecho acima, a autora defende a ideia de que os estudantes surdos não devem ser avaliados da mesma forma que os estudantes ouvintes, seguindo a crença equivocada de que os surdos precisam ser como os ouvintes, ou seja, imitar a um padrão hegemônico de normatividade. Os estudantes surdos possuem suas diferenças e essas devem ser respeitadas quando propomos um instrumento avaliativo. Desse modo, a avaliação dará ênfase nas potencialidades do aluno surdo. Tratando desse assunto, Hoffmann (2011, p. 35) nos traz uma reflexão que contribui para a discussão: O que significa aprender em relação ao aluno surdo, o que significa aprender em relação ao aluno ouvinte? São essas as questões que irão mobilizar os professores a avaliá-los e não se o aluno surdo ‘aprendeu ou não como o ouvinte’, da mesma forma que não se pretende comparar um aluno ouvinte a outro aluno ouvinte. A partir disso, a avaliação do estudante surdo não deve ter como parâmetro o estudante ouvinte, tendo em vista que as suas necessidades educacionais são diferentes. Assim, a avaliação não é uma forma de comparação com os outros alunos, mas sim uma estratégia que permite o professor verificar o desenvolvimento na aprendizagem daquele estudante específico. Vejamos um quadrinho que pode nos ajudar a compreender melhor esse ponto: 64 Imagem 1. Quadrinho sobre avaliação Fonte: Site Vivescer . Disponível em: https://vivescer.org.br/adaptar-processos-avaliativos-durante-aulas-remotas-ajuda-a-engajar-estudantes/. Acesso: 18 maio de 2022. O quadrinho acima ilustra bem a importância de uma avaliação adequada, a qual leve em conta as potencialidades de cada indivíduo. Podemos observar que, nesta avaliação proposta pelo professor, somente um indivíduo (o macaco) se destacará e os demais não conseguirão cumprir a avaliação. Será que esses outros indivíduos não possuem habilidades e capacidades? Sabemos que sim, mas a forma como foi realizada a avaliação não favoreceu o uso de suas potencialidades e, desse modo, fracassaram. De maneira análoga, quando propomos um instrumento avaliativo para os estudantes surdos devemos considerar as suas potencialidades, como, por exemplo, a habilidade de interpretar os recursos visuais. No entanto, uma avaliação que valoriza somente a parte da escrita em Língua Portuguesa ou a leitura de textos longos e complexos tem grande chance de levar esse estudante ao fracasso. Isso acontece devido ao fato de muitos estudantes surdos possuírem dificuldades com a leitura e escrita em Língua Portuguesa, tendo em vista que essa é uma segunda 65 língua para eles (QUADROS, 2006). Logo, o professor deve ter bem em mente essas especificidades ao elaborar um instrumento avaliativo para esses estudantes. Desse modo, uma avaliação adequada para estudantes surdo fará a diferença em seu processo formativo, fazendo com que esse estudante se sinta valorizado. Discutindo esse ponto, Silva e Kamashiro (2015, p. 712) afirmam: A avaliação visual diz claramente ao aluno que ele é parte importante do processo e que o produto foi feito e pensado para ele. Ser avaliado em um procedimento claro e compreensível, que permita ao aluno expressar seu entendimento, apesar de sua limitação com a língua escrita, pode ser um potente promotor da motivação, favorecendo todo o processo de ensino e aprendizagem. Adicionalmente, é importante destacar que ter acesso a instrumentos avaliativos adequados é um direito dos estudantes surdos. Sobre isso, o Decreto 5.626/2005 garante que as escolas devem “adotar mecanismos de avaliação coerentes com aprendizado de segunda língua, na correção das provas escritas, valorizando o aspecto semântico e reconhecendo a singularidade lingüística manifestada no aspecto formal da Língua Portuguesa” (BRASIL, 2005). Assim, ter acesso a uma avaliação adequada não depende da “boa vontade” do professor, pois é algo exigido na legislação brasileira e que, portanto, faz parte da função docente. Outra legislação que trata sobre isso é o Decreto que assegura em seu artigo 27 que “as instituições de ensino superior deverão oferecer adaptações de provas e os apoios necessários, previamente solicitados pelo aluno portador de deficiência, inclusive tempo adicional para realização das provas, conforme as características da deficiência” (BRASIL, 1999, art. 27). Assim, o estudante surdo tem direito a um tempo adicional para fazer a avaliação, caso seja necessário. Em suma, a elaboração de um instrumento avaliativo adequado para o estudante surdo é fundamental para a promoção de um ambiente escolar inclusivo. Fazer isso, também, favorece o 66 processo de ensino e aprendizagem, pois esse estudante será avaliado de uma forma justa e que considere as suas potencialidades. Ademais, o professor estará atendendo a um direito desse estudante de ser avaliado de uma maneira que respeite as suas diferenças. Da teoria à prática É de grande relevância compreender os conceitos teóricos sobre como propor um instrumento avaliativo adequado para estudantes surdos. Mas alguns professores que trabalham com alunos surdos podem questionar: Como posso fazer isso na prática? Neste tópico, daremos algumas sugestões práticas de instrumentos avaliativos que podem ser utilizados com estudantes surdos. Sabemos que a realidade de cada estudante surdo é única e, portanto, uma avaliação que é adequada para um pode não ser para outro. Por isso, é importante destacar que os professores não utilizem essas sugestões como uma receita pronta, ou seja, como uma única possibilidade, mas que façam as adaptações necessárias, considerando as especificidades do estudante. Como já vimos, é comum que o estudante surdo tenha dificuldade com a escrita em Língua Portuguesa. Desse modo, uma questão dissertativa, por exemplo, pode não ser adequada para ele, pois o aluno surdo pode ter aprendido o conteúdo e não saber como escrever o que aprendeu em Língua Portuguesa. Assim, caso o professor considere apenas uma resposta escrita em Língua Portuguesa terá a impressão de que o aluno surdo não aprendeu nada, o que não é verdade. Tendo isso em mente, o professor pode elaborar uma pergunta e permitir que a resposta seja dada por meio de desenhos, conforme o exemplo a seguir: 67 Imagem 2. Questão respondida por meio de desenhos Fonte: Ramos e Lacerda (2016, p. 829). Na sua resposta, por meio de desenhos, o estudante surdo demonstrou que conseguiu entender o conteúdo. Assim, o professor propôs um instrumento avaliativo adequado para esse estudante. Além disso,a avaliação cumpriu o seu papel como um instrumento que permite ao professor verificar a aprendizagem dos seus alunos. Recordamos uma experiência que consideramos positiva, de um dos autores deste artigo, sobre a utilização de desenhos como uma estratégia de resposta para questões dissertativas. Um estudante surdo no Ensino Médio, durante uma avaliação de Biologia, deparou-se com a seguinte questão: “O que é fotossíntese?” Em diálogo com a professora da disciplina, foi permitido que esse estudante formulasse a sua resposta por meio de desenhos, tendo em vista que não conseguia fazer isso em Língua Portuguesa. O resultado foi que o aluno conseguiu descrever em seu desenho, com muitos detalhes, o processo da fotossíntese. Dessa forma, a professora verificou que esse aluno havia compreendido muito bem o conteúdo. No entanto, caso fosse exigido uma resposta escrita em Língua Portuguesa, esse estudante surdo fracassaria, não por não ter aprendido o conteúdo, mas devido a uma falha na forma como a avaliação foi realizada. Retomando o quadrinho, seria o mesmo que exigir que um peixe subisse em uma árvore. Dito de outra forma, não seria um instrumento avaliativo adequado e justo para 68 o estudante surdo. Nesse sentido, concordamos com Luckesi (2000, p. 7) quando afirma que “muitas vezes, nossos educandos são competentes em suas habilidades, mas nossos instrumentos de coleta de dados são inadequados e, por isso, os julgamos, incorretamente, como incompetentes”. Isso não quer dizer que devemos dispensar totalmente a escrita em Língua Portuguesa como uma forma de avaliação. Em muitas situações, como em uma aula de Língua Portuguesa, o professor deseja verificar como está o desenvolvimento da escrita do aluno surdo. Assim, o docente vai propor um instrumento avaliativo que considere as especificidades desse aluno, avaliando a Língua Portuguesa como uma segunda língua (QUADROS, 2006). No exemplo abaixo, vemos uma sugestão de como fazer isso: Imagem 3. Atividade avaliativa de Língua Portuguesa Fonte: Ramos e Lacerda (2016, p. 829) Neste instrumento avaliativo, percebemos o uso de recursos visuais para apoiar a escrita em Língua Portuguesa, fato que proporciona uma melhor compreensão do estudante surdo. Antes 69 de propor a avaliação, é importante, também, que o professor tenha trabalhado a história em Libras para que, depois, o estudante consiga fazer a relação entre as duas línguas na construção do texto escrito. Posteriormente, no momento de correção da avaliação, o professor deve avaliar a escrita em Língua Portuguesa como uma segunda língua, conforme proposto por Silva (2017, p. 146): Em relação às implicações para a prática pedagógica, podemos então dizer que a correção de textos de aprendizes surdos deve partir do conhecimento, por parte do professor, das fases de aquisição do PL2 [português como segunda língua] pelo surdo, sendo que o professor não deve corrigir certos tipos de construção que ainda não foram adquiridas. No entanto, esse mesmo professor, a partir desse conhecimento, pode e deve construir atividades que levem o aluno a pensar sobre a estrutura linguística do português e seus significados, de forma condizente com as etapas de aquisição de PL2 pelos surdos, fazendo uma conexão entre uso da língua e reflexão sobre ela. Uma outra forma de avaliação muito utilizada por professores são questões com alternativas. O aluno vai se deparar com questões desse tipo em sua vida, como no Enem ou ao prestar um concurso público. Desse modo, é útil que o estudante surdo já esteja habituado com questões assim em sua trajetória escolar, preparando-o para outras avaliações. Ao elaborar uma avaliação de questões com alternativas, o professor deve adequar esse instrumento para que fique acessível ao estudante surdo. Pensamos em pelo menos duas formas de fazer isso. A primeira maneira delas é fazer a tradução das questões para Libras com o apoio do intérprete educacional. Em parceria com esse profissional, o professor pode propor uma avaliação gravada em Libras pelo intérprete. Fazer isso pode dar uma maior autonomia para o estudante surdo, pois poderá rever as questões com calma, utilizando um tablet ou notebook. Nesse ponto, segundo Silva e Kamashiro (2015, p. 712) “entre outras vantagens, ela [a avaliação em Libras] favorece a autonomia, a percepção de competência e a percepção de pertencimento.” 70 Essa estratégia é bem parecida com a forma em que a prova do Enem é disponibilizada para os estudantes surdos. No Enem, o candidato surdo que solicitou a prova gravada em Libras recebe um notebook com as questões em vídeo, todas traduzidas para Libras, e, assim, tem autonomia para gerir as perguntas. Inclusive, temos um banco de dados disponível (a partir de 2017) com essas questões do Enem que já foram traduzidas para Libras, disponibilizadas pelo INEP, possibilitando que o professor selecione e reutilize esse material em suas avaliações, de acordo com o conteúdo que foi trabalhado em aula. Essa pode ser uma estratégia a ser adotada pelo professor, principalmente para os que atuam no Ensino Médio. Nessa perspectiva, falando sobre a relevância da prova do Enem em Libras, Junqueira e Lacerda (2019, p. 14) declaram: A lei define a Libras como língua de direito, meio de comunicação e expressão da comunidade surda e dispõe que estudantes surdos devem receber sua formação educacional em Libras como língua primeira e aprender a língua portuguesa como L2 na modalidade escrita, desde o Ensino Fundamental. É indispensável, portanto, que provas e exames considerem as especificidades desse percurso formativo. A disponibilização de videoprovas em Libras e de provas em Português como L2 contempla a especificidade linguística da comunidade surda e a natureza sui generis [singular] de seu processo de escolarização e de aquisição de habilidades e competências. Todavia, sabemos que gravar a avaliação em Libras pode ser um desafio, pois depende da disponibilidade do intérprete de Libras e do acesso à tecnologia para realizar esse trabalho. Além disso, é algo que demanda tempo, o que exige do professor que a avaliação seja elaborada com antecedência e entregue ao intérprete. Mesmo assim, consideramos uma boa estratégia que poderá ser utilizada como um instrumento avaliativo para estudantes surdos. Ainda sobre esse ponto, trazemos para a discussão a pesquisa realizada por Silva e Kamashiro (2015), a qual propôs a elaboração de um instrumento avaliativo em formato de vídeos gravados em 71 Libras. Foram gravadas questões avaliativas da disciplina de Física em Libras, conforme a imagem a seguir: Imagem 4. Prova de Física em Libras Fonte: Silva e Kamashiro (2015, p. 701). Os resultados dessa pesquisa apontaram um avanço significativo nas avaliações dos estudantes surdos participantes. No primeiro bimestre, todos os estudantes surdos ficaram com nota zero em seu boletim, pois fizeram as mesmas avaliações que os demais estudantes ouvintes. A partir do segundo bimestre, com a aplicação da prova em Libras, esses alunos conseguiram avançar bastante quando comparamos com o resultado do bimestre anterior. Desse modo, os pesquisadores concluíram que os resultados foram positivos, pois “a prova promoveu a independência quando ofereceu a tranquilidade de ir e vir, além dos elementos visuais, deixando os alunos mais seguros” (SILVA; KANASHIRO, 2015, p. 710). Uma segunda forma de adequar questões com alternativas para estudantes surdos é por formular questões com textos curtos em Língua Portuguesa e valorizar o uso de recursos visuais. Por exemplo, pense na situação de um professor de Ciências que trabalhou o conteúdo de doenças transmitidas por mosquitos, como a dengue. Na avaliação, ele elabora a seguinte questão para os estudantes ouvintes:72 Quadro 1. - Questão de Ciências Desesperada com o aumento de casos de dengue em sua cidade, uma moradora resolveu observar os focos da doença em sua casa a fim de detectar a presença de alguns mosquitos da espécie Aedes aegypti. Para que a moradora consiga identificar o mosquito, que característica deve ser observada? a) O número de patas. b) A divisão do corpo. c) A presença de antenas. d) A coloração do corpo. Fonte: Site Brasil Escola. Disponível em: https://exercicios.brasilescola.uol.com.br/exercicios-biologia/exercicios-sobre-aedes-aegypti.htm#questao-1 . Acesso: 19 maio de 2022. No entanto, esse professor deseja adequar esse instrumento avaliativo para o estudante surdo e, para isso, pensa em reduzir o enunciado da questão e fazer uso de recursos visuais. Partindo disso, ele faz a adequação dessa avaliação, conforme a imagem a seguir: Imagem 5. Questão de Ciências adaptada Fonte: Próprios autores (Imagens retiradas do Google Imagens). Observe que o conteúdo da questão é o mesmo e que foi realizada apenas uma adaptação do instrumento para que se torne acessível ao estudante surdo. Desse modo, esse estudante terá uma maior autonomia em responder a questão, diminuindo a 73 dependência do intérprete de Libras. O aluno, por ele mesmo, talvez com uma interferência mínima do intérprete para traduzir o enunciado da questão, conseguirá demonstrar o que aprendeu durante a aula. Assim, o estudante surdo se sente motivado por verificar que conseguiu aprender os conteúdos e por ter um bom resultado na avaliação proposta, fato que reforça “a sensação de que o surdo faz parte do grupo e do lugar” (SILVA; KANASHIRO, 2015, p. 711). No quadro a seguir, propomos algumas sugestões práticas que podem ser aplicadas na elaboração de um instrumento avaliativo para estudantes surdos: Quadro 2. Sugestões para a elaboração de instrumentos avaliativos para estudantes surdos ● Usar textos curtos. ● Usar enunciados curtos. ● Usar e abusar de recursos visuais. ● Tradução da avaliação em Libras. ● Avaliação com menos questões. ● Entregar a avaliação com antecedência para o intérprete e pedir a sua ajuda. ● Permitir respostas em forma de desenhos. ● Pensar na possibilidade de uma avaliação “oral”/sinalizada com a ajuda do intérprete. Fonte: Próprios autores. Nesse quadro, sintetizamos as sugestões propostas neste artigo. Além disso, propomos outras estratégias, como a redução de questões da avaliação, tendo em vista que, caso não seja realizada a gravação em Libras, o intérprete terá que, no momento da avaliação, fazer a interpretação da avaliação para a Libras. Isso demanda um certo tempo de leitura e, uma avaliação muito extensa, não poderia ser realizada no tempo disponível. Para isso, o professor pode selecionar as questões por eliminar perguntas repetitivas que avaliam o mesmo conteúdo. Uma outra possibilidade é realizar a avaliação de forma “oral” com a ajuda do intérprete de Libras, caso o professor não 74 tenha domínio da Libras. Colocamos a palavra oral entre aspas por ser, na verdade, uma prova sinalizada. Todavia, o termo “prova oral” já remete a um sistema de avaliação conhecido por muitos professores, no qual ele faz a pergunta e o aluno expressa a sua resposta oralmente e, no caso do estudante surdo, sinalizando, sem necessitar de registro na forma escrita da Língua Portuguesa. Por fim, sinalizamos que as sugestões dadas aqui não são as únicas possibilidades para avaliar estudantes surdos. Tratamos de caminhos possíveis que podem ser utilizados na promoção de um ambiente inclusivo. Por conseguinte, cabe ao professor conhecer as especificidades do seu alunos e, a partir disso, fazer as adequações necessárias ao propor um instrumento avaliativo. Considerações finais Esperamos que as discussões teóricas e práticas propostas neste artigo contribuam para nortear o trabalho dos professores no momento de avaliar estudantes surdos. Como já salientamos, o nosso intuito não é trazer uma receita pronta, mas sim trazer sugestões que podem ser utilizadas e adaptadas pelo professor de acordo com a sua realidade. Por conseguinte, sabemos que o trabalho de educar e ensinar é um desafio, o qual exige uma constante adaptação para atender, da melhor forma possível, as demandas dos estudantes, principalmente para aqueles que tenham necessidades educacionais específicas. Esse trabalho exige que o docente se reinvente a cada dia a fim de enfrentar as dificuldades que encontra em sua trajetória (ORRÚ, 2017). Além disso, consideramos importante a formação continuada de professores como uma ferramenta que traz uma maior segurança para trabalhar com estudantes surdos. Portanto, desejamos que as discussões realizadas aqui possam apoiar a formação inicial e continuada de professores, tendo em vista a escassez de materiais que trabalham com essa temática. 75 Referências ANDRÉ, M. E. D. A. de. Avaliação escolar: além da meritocracia e do fracasso. Cadernos de Pesquisa, São Paulo, n. 99, p. 16–20, 2013. Disponível em: https://publicacoes.fcc.org.br/cp/article/view/781. Acesso em: 17 maio. 2022. BRASIL. Lei n. 10.436, de 24 de abril de 2002. Dispõe sobre a Língua Brasileira de Sinais – Libras e dá outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2005/decreto/d5626.htm . Acesso em: 19 mai. de 2022. BRASIL. 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Revista X, Curitiba, volume 12, n. 2, p. 130 ­- 150, 2017. 77 Diferença surda e estigma: como diferenciar no contexto educacional? Tatiane Cristina Bonfim1 Nos discursos dos corredores escolares sempre ouvimos falar que “Incluir é preciso”. De fato, se olharmos para o campo da educação, a inclusão se faz necessária pois o que temos não é uma proposta de inclusão, mas o que presenciamos neste cenário é uma proposta que promove a exclusão dos alunos da Educação Especial. Este fator é observado à medida que não se oferta condições necessárias para que os alunos com deficiências, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades acessem os conteúdos curriculares, de tal modo que estes não adquirem os conhecimentos acadêmicos que os levarão a atingir os níveis mais altos de escolarização e a possibilidade de uma vida no mercado de trabalho (BRASIL, 2008; 2015). Quando nos propomos a olhar com detalhe para o cenário educacional atual, comprovamos fortemente o conceito “in/exclusão” discutido por Lopes (2011), visto que o que temos hoje no contexto educativo é uma inclusão que promove a exclusão por não ser bem planejada, por não ser bem discutida com os seus protagonistas. A escola deveria ser um ambiente preocupado com as multiplicidades e, a partir deste múltiplo, propor ações pensadas e focalizadas para potencializar e enriquecer as habilidades e as diferenças (GALLO, 2017). Notamos que há um processo de in/exclusão nas escolas na medida que ao incluir os múltiplos se propõem ações homogêneas como se a multiplicidade coubesse dentro de propostas únicas e uniformes (GALLO, 2017). 1 Universidade Federal de São. São Carlos, SP, Brasil. 78 A mesma in/exclusão acontece no cenário educacional dito inclusivo para alunos surdos em escolas regulares. Tomei a liberdade de emprestar o conceito “in/exclusão” de Lopes (2011), também em minha dissertação de mestrado ao apresentar o quão falho é a educação de crianças surdas na proposta inclusiva por meio de pesquisas em diversos municípios do interior do estado de São Paulo (FERNANDES, 2019; MORAIS, 2018). Constatei que na verdade não vemos a singularidade linguística e cultural destas crianças serem valorizadas no processo educativo pois elas são apagadas por um currículo excludente no momento em que privilegia o ensino com metodologias voltadas ao ensino de crianças que ouvem e, por meio deste canal sem nenhum comprometimento, são capazes de absorver os conhecimentos de leitura e escrita, consequentemente os demais conteúdos curriculares (BONFIM, 2020). Mas, como esse processo acontecerá com os alunos surdos se o canal auditivo está com impedimento orgânico? A todo momento ele ficará preso às traduções realizadas pelos profissionais tradutores e intérpretes de Libras? Durante a minha pesquisa de campo no mestrado, pude perceber que uma escola do interior do estado de São Paulo realiza um trabalho belíssimo com esses profissionais, mas até quando os tradutores e intérpretes de Libras deverão assumir responsabilidades que não lhes compete? (BONFIM, 2020; BRASIL, 2005; 2010). Até quando será ofertado pelos professores um plano de ensino que não contemple a visualidade linguística dos alunos surdos? Em que momento ou etapas do currículo escolar a singularidade linguística deste aluno será valorizada? Somente no mês de setembro, quando é comemorado o dia do surdo, as questões linguísticas serão pautas nas escolas? E as questões voltadas às lutas que a comunidade surda há anos vem reivindicando, como por exemplo, por escolas e por salas bilíngues de surdos, não são pautas dos debates escolares? Todo o movimento histórico e social não é contemplado no plano de ensino dos professores de alunos surdos, portanto, essas 79 vidas surdas são como afirma Foucault (2008a) governadas por uma maquinaria de Estado, uma maquinaria de disciplinamento e correção dos corpos em prol de uma norma estabelecida. A norma ou a normalização, no conceito de Foucault (2008b), está posto em um plano de ensino com base em alunos que ouvem, através de um mecanismo de assimilação que compreenderá e absorverá os conteúdos escolares, mecanismo chamado “ouvido”. Este aparato que por sua vez está preservado sem nenhum impeditivo orgânico, portanto, poderá receber os conteúdos auditivamente por meio dele sem nenhuma restrição. Deste modo a maquinaria escola de fato está promovendo a exclusão dos alunos surdos ao oferecer os conteúdos somente pelo canal auditivo, provocando a morte simbólica destas vidas surdas e deixando viver as vidas ouvintes neste processo educacional excludente. É preciso pensar no modo de fazer viver as vidas surdas no contexto educacional, vidas que são afirmadas por uma singularidade que se constitui pelo modo de compreender e expressar o seu entendimento, ou seja, pela Libras - Língua Brasileira de Sinais (BRASIL, 2002; 2005; 2015), e através dela construir espaços interativos em que a aprendizagem significativa seja toda permeada por essas vidas singulares. 1. A inclusão de alunos surdos: o que diz a legislação em vigência A educação brasileira passou por várias mudanças no decorrer dos anos e sempre com o objetivo de oferecer uma educação de qualidade a todos, independente de sua origem, raça, sexo, cor e idade (BRASIL, 1988). Essa mesma oferta de educação de qualidade para todos se estende aos alunos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades ou superdotação, conforme previsto pelos documentos oficiais (BRASIL, 1961; 1994; 1996; 2008) e esta oferta deve ser realizada em escolas comuns, de modo que esses alunos convivam com alunos sem deficiência. 80 A esta proposta de educação, segundo os documentos legais, foi nomeada como inclusão que, de modo resumido, significa matricular todos os alunos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades ou superdotação em escolas regulares em salas de aula comuns, favorecendo a diversidade e que todos possam conviver no mesmo espaço educacional interagindo e aprendendo com as diferenças (BRASIL, 1996; 2008). Assim sendo, os sistemas de ensino federais, estaduais e municipais foram se adequando às normativas para a inclusão de todos, inclusive contando com o Atendimento Educacional Especializado (AEE), que tem por objetivo complementar ou suplementar a escolarização por meio de práticas e estratégias pedagógicas de ensino. E essa diferenciação das práticas pedagógicas entre complementar ou suplementar de atendimento, dependerá das necessidades específicas de cada aluno, portanto, para cada aluno incluído nas escolas comuns de ensino o atendimento se organizará de acordo com as suas especificidades (BRASIL, 2001). No ano de 2001 há a promulgação do Decreto nº 3.956, o qual apresenta várias diretrizes referentes à eliminação de formas de discriminação de forma progressiva e entre elas traz a necessidade de eliminar as barreiras arquitetônicas, de transportes e comunicações. Quando se faz menção às barreiras de comunicação, se refere às questões de comunicação dos alunos surdos ou com deficiência auditiva matriculados nas escolas regulares em salas comuns inclusivas e que são sinalizantes, isto é, comunicam-se por meio daLibras (Língua Brasileira de Sinais). Língua essa de modalidade visual e espacial que vem a ser reconhecida como língua oficial da comunidade surda como meio de expressão e comunicação no ano de 2002 por meio da Lei de Libras nº 10.436. Assim a Lei ficou conhecida entre a comunidade surda e demais agentes envolvidos nesta área como pesquisadores e ativistas dos movimentos em prol do reconhecimento e valorização da língua nos espaços escolares, culturais, jurídicos, de saúde… e entre outros locais em que as 81 pessoas sinalizantes frequentam por diversos motivos sejam eles com o intuito de adquirir conhecimentos, ir em busca de seus direitos ou simplesmente por lazer. Com a promulgação da Lei de Libras, ações continuaram a ser realizadas com o objetivo de caminhar para diminuir as barreiras comunicacionais. Com relação às barreiras comunicacionais ou também chamadas de barreiras linguísticas, uma ação diretiva foi no sentido de nortear o trabalho dos professores nas atividades escolares. Essas orientações dadas aos professores e as suas unidades educativas foram descritas no Decreto nº 5.626 de 2005, que além de regulamentar a Lei de Libras, apresenta detalhamento de como a Libras deve ser inserida nos diversos espaços, entre eles o ambiente educacional, já que este proporciona aos alunos os conhecimentos acadêmicos e os habilita a ser cidadãos críticos e reflexivos como os alunos ouvintes. Segundo o Decreto nº 5.626, a composição das salas de aula dos alunos surdos na Educação Infantil e Fundamental I diverge um pouco da proposta inclusiva adotada para o Ensino Fundamental II e Ensino Médio, apresentando que nesta faixa etária há algumas singularidades conforme o documento prevê: Art. 22. As instituições federais de ensino responsáveis pela educação básica devem garantir a inclusão de alunos surdos ou com deficiência auditiva, por meio da organização de: I - escolas e classes de educação bilíngüe, abertas a alunos surdos e ouvintes, com professores bilíngües, na educação infantil e nos anos iniciais do ensino fundamental; (BRASIL, 2005, sem paginação – grifo da autora). O Decreto apresenta o professor bilíngue como responsável pelas atividades pedagógicas e traz ainda, neste mesmo documento, que ele ministrará todos os conteúdos curriculares por meio da Libras, isto é, não terá consigo em sala de aula um outro profissional neste momento de ensino e aprendizagem. Todo o conteúdo é permeado por um profissional fluente em língua de sinais, portanto, não será feita uma tradução da Língua 82 Portuguesa oral para a Libras. Sendo assim, fica inviável ter na sala de aula um aluno ouvinte não sinalizante, ou seja, que não faz uso da língua de sinais para adquirir os conhecimentos e se comunicar. O documento normativo é claro ao afirmar que as salas bilíngues são “abertas a alunos surdos e ouvintes” (BRASIL, 2005, s/paginação) e, de fato pode ter aluno ouvinte nesta sala, desde que ele sinalize como os alunos surdos e faça uso constante da Libras em todo o seu processo educativo e comunicacional. Este pode ser o caso de alunos com paralisia cerebral que por algum motivo podem não apresentar a comunicação verbal, ou ainda outras comorbidades, deficiências ou síndromes, que impedem a criança ou o adulto de se expressar oralmente, fazendo desse modo o uso constante da Língua de Sinais e assim podendo então ser matriculado nesta sala. É ainda o Decreto 5.626 de 2005 que começa a dialogar com a proposta inclusiva no sentido de iniciar a matrícula dos alunos surdos nas salas de aula comum a partir do Ensino Fundamental II, quando estes alunos já se apropriaram da Libras, isto é, já tiveram a aquisição de língua na Educação Infantil e aprofundaram, sistematizando-a no Fundamental I, sendo agora capazes de discriminar dois profissionais de modo claro e objetivo: Professor regente e Intérprete Educacional2 (IE). Na segunda etapa de escolarização, ensino fundamental II, esses papéis estão bem definidos no entender dos alunos surdos, podendo ser incluídos na mesma sala com alunos ouvintes apresentando um bom desempenho, deste que a escola e os profissionais estejam preparados para acolher esses alunos em suas especificidades que são linguísticas. Deste modo, adequando as questões linguísticas e valorizando a singularidade surda as unidades educacionais estarão atendendo tanto as diretrizes do Decreto nº 5.626 de 2005 como a Política Nacional de Educação 2 Assim denominamos esse profissional que atua na esfera educacional, já que se trata de uma metodologia de trabalho que diferencia dos demais profissionais que atuam em outras esferas como por exemplo na jurídica ou saúde, que devem possuir metodologias de trabalho condizente com a área de atuação. 83 Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva de 2008 (BRASIL, 2005, 2008). Outro dispositivo norteador sobre a Educação Bilíngue para os alunos surdos, foi promulgada no dia 6 de julho de 2015 instituída como a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Estatuto da Pessoa com Deficiência), conhecida na área da educação, da comunidade surda e pessoas com deficiência pela sua sigla, LBI (BRASIL, 2015). Essa normativa ao descrever o modo de constituir a educação dos alunos surdos, explica da seguinte forma: “IV - oferta de educação bilíngue, em Libras como primeira língua e na modalidade escrita da língua portuguesa como segunda língua, em escolas e classes bilíngues e em escolas inclusivas” (BRASIL, 2015, s/paginação). Sendo assim, a LBI ratifica o Decreto ao salientar que a Libras deve ser a primeira língua das pessoas surdas, portanto, a criança surda só poderá adquirir a língua quando envolta desde tenra idade com profissionais fluentes, sem mediadores e se possível com seus pares. Logo, a oferta de Educação Bilíngue na educação infantil em salas que usam a Libras como língua de instrução é o ambiente ideal para que essa apropriação aconteça e se consolide no ensino fundamental I (CONCEIÇÃO; MARTINS, 2019; ALMEIDA, 2017). A aquisição e consolidação se dará à medida que a criança vai amadurecendo emocionalmente e biologicamente e também, com a obtenção dos conhecimentos ofertados para essa faixa etária dispostos nos planos de ensino. Tais planos devem contemplar a especificidade da língua de sinais, trazer aspectos da comunidade surda em suas lutas e conquistas durante os tempos, bem como o ensino da Língua Portuguesa como segunda língua na modalidade escrita, visto que essa língua é de circulação da comunidade majoritária do país e, queremos que as crianças surdas sejam leitoras e compreendam o mundo escrito no qual estão inseridas. Desse modo, a Educação Bilíngue contempla todos os aspectos necessários para formar alunos letrados e que possam interagir com as pessoas ouvintes por meio da escrita, pois essa será ofertada de modo 84 sistematizado, com base no ensino de segunda língua de modalidade escrita (BRASIL, 2005, 2015; QUADROS; KARNOPP, 2004; LACERDA; SANTOS; LODI; GURGEL, 2016). De forma breve foi apresentado como a educação para todos foi ganhando amparo e orientações por meio das legislações, as quais em suas especificidades apontam caminhos tanto para a inclusão escolar como também para a inclusão social das pessoas com deficiência. Foi exibido de modo sintético o que apresenta o Decreto nº 5.626 em relação a educação de alunos surdos, no entanto mais à frente será adensado essa discussão frente a uma trama entre a in/exclusão quanto a não compreensão deste documento norteador ou quando por questões de números/quantidades ou orçamentárias, a organização dos espaços escolares conduzem novos modos de fazer vidas surdas nos espaços educacionais que nem sempre caminham para uma boa educação. 2. Contexto escolar que valoriza as vidas surdas: estigma ou singularidade?Ao vivermos em sociedade notamos que somos categorizados e nem sempre essa forma de categorização reflete o que realmente somos ou demonstramos ser, já que esteticamente alguns corpos possuem marcas as quais para esta sociedade são mais significativas do que a própria pessoa, do que as suas capacidades, do que o seu próprio eu. Segundo Goffman (2004) a sociedade além de categorizar os indivíduos indica os seus atributos como naturais a eles, de modo que ao aproximarmos de um indivíduo categorizado como estranho, segundo o autor, inferimos sobre ele a categoria a qual suspeitamos que pertença juntamente com seus atributos, os quais a sociedade nos permite prever antes de conhecê-lo. Esses pré-julgamentos nos levam a ver nos indivíduos atributos que segundo Goffman (2004) e Fernandes e Denari (2017), o diferencia de outros indivíduos ou de nós mesmo, deste modo torna-se 85 diferente podendo ser incluído em determinada ação ou não. Segundo Goffman (2004) há casos extremos em que o diferente é visto como “menos desejável”, portanto este indivíduo passa a ser visto como um estranho, como uma pessoa "diminuída", esses atributos segundo o autor é o estigma (GOFFMAN, 2004, p. 6). Para Goffman (2004) o estigma é considerado pejorativo no meio social, levando o indivíduo ao olhar de descrédito pela sociedade, como por exemplo quando o indivíduo é visto como um ser incapaz, sem condições para executar tais ofícios ou frequentar algum espaço seja ele social ou educacional. Todo esse estigma, essas características de depreciação, segundo Goffman (2004) leva a uma descrença da verdadeira condição real, que ele denomina como “identidade social real”. Em outras palavras, o indivíduo não é visto em sua totalidade, mas em suas pequenas diferenças que os distingue dos demais, contudo ainda os constitui na mesma categoria de seres humanos como a dos demais que os julgam. Sendo assim, os indivíduos sem nenhuma diferença são utilizados de parâmetros para identificar e categorizar os indivíduos diferentes em outras categorias que os estigmatiza, inferioriza, colocando-os em posição de fracos e incapazes, posto isto é necessário que sejam inseridos em um contexto que os inclui de acordo com seus atributos. Se levarmos as questões apresentadas por Goffman (2004) em relação ao estigma no contexto educacional, iremos notar que ele está fortemente presente e, como afirma o autor, está em evidência de modo depreciativo, que reduz os alunos com deficiência e transtornos globais do desenvolvimento a níveis inferiores, colocando-os em posição de incapazes. No ambiente educacional o estigma, também conhecido como rótulo, faz com que os pré-julgamentos sejam os primeiros a serem inferidos e as capacidades e habilidades, vistas como secundárias e não sendo levadas em consideração no percurso educativo. Mas, como reverter esse olhar de alunos incapazes? Já temos a proposta de inclusão vigente há tanto tempo no Brasil e a reafirmação dela pela Lei Brasileira de Inclusão - LBI (BRASIL, 86 2015), no entanto, ainda temos percebido este olhar estigmatizado. Mendes, Almeida e Toyoda (2011) relatam que o sucesso para a inclusão é o trabalho combinado entre profissionais, e na educação, o trabalho combinado ou em parceria, assim chamado, acontece entre o professor do ensino regular e o professor da educação especial em um mesmo espaço com o mesmo objetivo “uma educação de melhor qualidade para todos” (MENDES; MATOS; SANTOS; PEREIRA, 2014, p.9). Segundo Mendes, Almeida e Toyoda (2011), há várias denominações para esse trabalho em parceria como por exemplo “coensino”, “ensino colaborativo” ou “consultoria colaborativa”, entretanto a base é a mesma, trata-se de um “modelo de prestação de serviço de educação especial no qual um educador comum e um educador especial dividem a responsabilidade de planejar, instruir e avaliar a instrução de um grupo heterogêneo de estudantes” (MENDES; ALMEIDA; TOYODA, 2011, p. 85). Continuando a reflexão das autoras, esse modelo surgiu com a perspectiva de atender e apoiar a escolarização dos alunos até então nomeados pelas legislações vigentes da época como alunos com “necessidades educacionais especiais”, comumente atendidos nas salas de recursos, classes especiais ou escolas especiais. Segundo Mendes, Vilaronga e Zerbato (2014) o coensino necessita de uma mudança de pensar e agir, inclusive da gestão escolar ao promover que os professores ao dividir o espaço da sala de aula quebrem os paradigmas do convencional, como também “exige uma administração que saiba ouvir e que esteja aberta para atuar nos momentos de superação de obstáculos” (MENDES; VILARONGA; ZERBATO, 2014). Tomando a reflexão e experiência das autoras nesta linha de pesquisa e literatura, o coensino para os alunos com deficiências e transtornos globais do desenvolvimento é o caminho para o pleno desenvolvimento dos educandos como prevê as legislações vigentes (BRASIL, 1996, 2008, 2015). Porém, o coensino não se aplica à educação de surdos como indica as normativas legais, como o Decreto nº 5.626 de 2005 e a Lei Brasileira de Inclusão de 2015, que ressaltam a importância 87 das escolas ou classes bilíngues para os alunos surdos para que interajam e aprendam por meio da Língua Brasileira de Sinais - Libras (BRASIL, 2002; 2005; 2015). A especificidade da comunicação surda, como se identificam nesta comunidade, é apenas a forma de receber as informações que acontecem pelo canal visual, visto que o canal auditivo possui um impedimento de ordem orgânica e que este, segundo a área da medicina por meio de exames irá classificá-los. Temos aí novamente o estigma em deficientes auditivos de acordo com a perda que pode ser “bilateral, parcial ou total, de quarenta e um decibéis (dB) ou mais, aferida por audiograma nas freqüências de 500 Hz, 1.000Hz, 2.000Hz e 3.000Hz” (BRASIL, 2005). Deslocando desta categorização acima citada, deste estigma comumente posto, que carrega uma concepção de surdo "desajustado" (RANGEL; STUMPF, 2006, p. 86) e que precisa ser reparado por meio de próteses auditivas, sejam elas invasivas como os implantes cocleares ou não, como os aparelhos auditivos; é preciso agora olhar para o surdo pela perspectiva da diferença na qual temos um “sujeito completo” (RANGEL; STUMPF, 2006, p. 86) que não necessita de reparos, mas de adequações no modo de receber as informações e conhecimentos acadêmicos e que não precisa se moldar às categorias que a sociedade impõe mas sim, conservar a sua diferença, a sua singularidade linguística (BONFIM, 2020) e que não se enquadra em normativas da inclusão para todos (BRASIL, 1996; 2008). E aqui afirmo que não sou contra a proposta inclusiva, apenas levanto alguns pontos de reflexão de que para o cenário educacional de alunos surdos, essa proposta vai na contramão da normativa de que tanto a comunidade surda lutou por anos, prevista e regulamentada pelo Decreto nº 5.626 de 2005, reafirmada pela Lei Brasileira de Inclusão nº 13.146 de 2015 (BRASIL, 2005; 2015). Sendo assim, venho aqui apresentar alguns pontos nesse ambiente educativo que necessita ser visto com outros olhos, que não sejam os olhos da arrogância ao dizer: “a comunidade surda 88 não quer estar junto aos demais, preferem ficar entre eles do que conviver com a diversidade”. Ou ainda com o olhar de benevolência: “coitadinhos, precisam de mais atenção, não é fácil não ouvir e não falar”. Ao potencializarmos esses discursos que só estigmatizam ainda mais a pessoa com surdez, fortalece o apagamento dessas vidas a começar pelo espaço educacional e seus profissionais. Olhar para seu aluno com o olhar de que ele não poderá receber as instruções e dizer “coitado ele é surdo”, dissipa nos corredores e salas de professores o quão seus discursos estão atravessados pelos estigmassuperdotação/altas habilidades no contexto brasileiro 209 Alessandra Braz Ferrinho Francelen Larissa Silva A importância da sala de recursos multifuncional para o ensino de libras e língua portuguesa: um relato de experiência 219 Rita de Cássia de Almeida Pavão Michelle Roberta Pavão Vivências da pessoa surda em tela: uma análise discursiva da série crisálida 233 Walquiria Pereira da Silva Dias Matheus Batista Barboza Coimbra 11 A Língua Brasileira de Sinais (Libras) e o Braille: uma proposta de inclusão nas escolas da região de Cornélio Procópio 253 Débora Gonçalves Ribeiro Dias Educação presencial e à distância: apontamentos sobre a formação de professores em Educação Especial 263 Andressa França Escolarização do surdo à luz das políticas nacionais e o modelo social de deficiência: fragmento de pensamentos em movimentos Diego Oliveira Kelly Guedes Soares 279 12 13 Acessibilidade e função educativa dos museus Pollyana Ladeia Costa1 Introdução É importante considerar o fato de que os processos educativos ocorrem não apenas em ambientes formais de educação, mas para além deles. Os museus são uma experiência importante de educação ao longo da vida, para além do ambiente escolar. Sendo assim, o tema acessibilidade a museus é algo importante a ser investigado e é o que se propõe esse artigo. O artigo aborda sobre a acessibilidade a museus para pessoas com deficiência física, visual e auditiva, tomando as instituições museais como importantes ambientes educativos. O interesse pelo tema surgiu ao conhecer o blog intitulado Cadeira Voadora, criado por Laura Martins para compartilhar suas experiências de viagem em cadeira de rodas, descrevendo sobre a acessibilidade dos locais visitados. Apesar de os museus serem espaços públicos, ainda estão permeados por exclusões e não podem ser considerados locais totalmente democráticos. De acordo com essa hipótese, esse artigo norteia-se pela indagação: Quais são as possíveis barreiras enfrentadas pelas pessoas com deficiência para ter acesso aos museus? ] O objetivo é o de verificar as possíveis barreiras enfrentadas pelas pessoas com deficiência na acessibilidade a museus, bem como elucidar sobre a função educativa desses espaços para pessoas que não estejam mais vinculadas à educação escolar ou formal. Como estruturação organizacional do referencial teórico utiliza-se teóricos que contribuem no delineamento do tema aqui 1 Mestranda em Educação Especial pela Universidade Federal de São Carlos - UFSCar. 14 apresentado, tais como, Libâneo, Marandino e Sassaki, dentre outros. A análise perpassou as seis dimensões de Sassaki: acessibilidade arquitetônica, comunicacional, metodológica, instrumental, programática e atitudinal; verificando a abrangência da política de acessibilidade no Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB-BH), com ênfase na acessibilidade arquitetônica, comunicacional e atitudinal. Foi utilizado o método dialético para análise dos dados levantados e realizadas leituras de vários artigos e de alguns documentos da legislação acerca de acessibilidade a museus, bem como documentos específicos das instituições museais. Foi realizada também uma observação sistemática, através da visitação à exposição itinerante de Abraham Palatnik- Reinvenção da Pintura, em julho de 2021, no museu do CCBB-BH, o que auxiliou na discussão e reflexão sobre as barreiras enfrentadas pelas pessoas com deficiência em ambientes como os museus. Tal reflexão é de suma importância para perceber sobre a efetiva inclusão de pessoas com deficiência nos espaços museais. A pesquisa contribui para a produção de conhecimento em acessibilidade a museus, no que concerne a educação ao longo da vida, tendo os museus como espaços de educação não-formal. 2. Os museus e seu papel social O surgimento dos museus teve como propósito a preservação dos materiais e documentos de cunho particular, geralmente das elites que se encontravam no poder. O conceito de museu vai sofrendo uma série de alterações ao longo da história, conforme mudanças ocorridas no âmbito social e político vão acontecendo. A democratização desses espaços ocorreu a partir da Revolução Francesa em 1789, originando o formato de museu que conhecemos na atualidade. No Brasil, o Museu Real foi a primeira instituição do país, e abriu suas portas em junho de 1818 a partir do Decreto instituído por Dom João VI. Em 1822, após a Independência do Brasil, foi 15 renomeado como Museu Histórico Nacional, no qual uma das finalidades era a de “extinguir” as memórias deixadas pelo período monárquico. Vale ressaltar que o século XIX também ficou conhecido como “a era dos museus brasileiros”, devido ao surgimento de várias outras instituições museais ao redor do país. (MUSEU NACIONAL, 2020). Já no final do século XX, com o avanço das lutas das minorias no Brasil e no mundo, delineando um novo processo histórico, político e social, o modelo conceitual de museus vai se modificando, sofrendo influência dos debates acerca da temática da inclusão. De acordo com a Legislação Brasileira de Museus (2013), há no Brasil desde o final do século XX, um aumento de reivindicações por parte de setores populares e grupos étnicos para a constituição de museus próprios, proporcionando o surgimento de museus em favelas, bem como em diversos contextos. Busca-se a preservação da memória das comunidades envolvidas, uma vez que eles veem a criação de instituições museológicas como um direito à memória, que possibilita a afirmação de sua identidade, o “resgate” de sua autoestima e o fortalecimento da ideia de pertencimento a uma determinada coletividade. (BRASÍL, 2013, p.14). Pode-se observar alguns exemplos como; o Museu da Favela no Rio de Janeiro, o Museu de Quilombos e Favelas Urbanos (MUQUIFU) em Belo Horizonte e em São Paulo o Museu Memorial da Inclusão: os caminhos da pessoa com deficiência e o Museu da Diversidade Sexual, dentre outros. Sendo assim, a mudança do conceito de museu é parte integrante do que ocorre no âmbito social, político, econômico e ideológico no Brasil e no mundo, tendo uma interligação dialética entre os acontecimentos históricos, influenciando e sendo influenciados pelas políticas públicas de acessibilidade aos espaços públicos. 16 2.1 fundamentação teórica O século XXI é marcado pelo recrudescimento das reivindicações no campo social, e com isso, um novo cenário histórico do ponto de vista do paradigma da inclusão. Um marco importante em termos de acessibilidade é a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, adotada pela ONU em 13 de dezembro de 2006, influenciando iniciativas em diversas dimensões sociais e políticas ao se pautar pelo modelo social da deficiência, contrapondo-se ao modelo médico. O modelo social compreende que o problema da exclusão está na sociedade, e não na pessoa com deficiência. Desta forma, compreende-se que as barreiras externas ao sujeito são questões imprescindíveis a serem derrubadas para que haja uma inclusão plena e efetiva na vida das pessoas com deficiência, pois as diversas barreiras podem obstruir a participação em igualdade de condições com as demais pessoas. A Convenção sobre o Direito das Pessoas com Deficiência, foi ratificada no Brasil pelos Decretos 186 de 2008 e 6949 de 2009, com equivalência de emenda constitucional, passando a ser um referencial a ser respeitado por todas as leis e políticas brasileiras. O artigo 9º do Decreto de 2009 sobre acessibilidade afirma que a fim de possibilitar às pessoas com deficiência viver com autonomia e participar plenamente de todos os aspectos da vida, os Estados Partes deverão tomar as medidas apropriadas para assegurar-lhesdepreciativos sustentado por Goffman (2004) e, corrobora para o apagamento dessas vidas surdas que estão prontas para o ensino e aprendizado desde que realizado em sua língua (Libras) e valorizando sua diferença e singularidade. Deste modo cabe ressaltar que as instituições devem se preparar, como orienta o Decreto nº 5.626, com “escolas e classes de educação bilíngue" e com “professores bilíngües na Educação Infantil e nos anos iniciais do Ensino Fundamental” (BRASIL, 2005). E no Ensino Fundamental II e Ensino Médio prever “docentes das diferentes áreas do conhecimento, cientes da singularidade lingüística dos alunos surdos, bem como com a presença de tradutores e intérpretes de Libras - Língua Portuguesa” (BRASIL, 2005, s/ paginação), podendo assim garantir o direito das vidas surdas serem vividas neste contexto que é “direito de todos” (BRASIL, 1988, s/paginação). A promoção de aulas interativas com recursos visuais, por sua vez, não se configura apenas na relação de imagens ou figuras emparelhadas com seus respectivos nomes escritos em Língua Portuguesa (BONFIM, 2020; PELUSO; LODI, 2015). Recursos visuais estão para além de figuras e imagens impressas, pois a Libras quando bem enunciada possibilita aos educandos surdos a reflexão, o raciocínio e a análise. Deste modo podemos dizer que a visualidade esteve presente na aula, levando os alunos a se posicionarem frente ao discurso visual emitido pelo professor. Peluso e Lodi (2015) ressaltam que na educação de surdos a base 89 deve ser a visualidade e a mesma se encontra nas práticas discursivas, que se constituem pelas experiências visuais com o mundo e pela sua língua matriz, a Libras (BONFIM, 2020). Língua matriz é a língua em que o aluno surdo se constitui enquanto sujeito de pensamento, de direitos e de ações visuais, portanto, uma língua que o coloca em posição de fala sinalizada, em posição de empoderamento (BONFIM, 2020). Com a finalidade de ofertar um ensino que não apague as vidas surdas e que lhes dê a posição de empoderamento linguístico, as instituições de ensino precisam rever o currículo que tradicionalmente estão elaborados pensando em alunos ouvintes, contendo portanto, poucas estratégias contempladas na modalidade visual, prezando-se o ensino por meio de recursos auditivos como músicas, cantigas, filmes e documentários. Não que os filmes e documentários não sejam recursos didáticos para as aulas de alunos surdos, ou que não vão ao encontro das práticas educacionais para alunos surdos. Os mesmos podem e devem estar presentes nas diversas disciplinas escolares, desde que acessíveis, isto é, com a tradução em língua de sinais, com a explicação em Libras anterior ao “play” e, não menos importante, a interpretação em sua língua também após o filme ou documentário. Esse passo a passo parece tão trivial, contudo, é fundamental se o objetivo é oportunizar o conhecimento e reflexão para o aluno surdo de modo igualitário como também assim a língua de sinais "assume status de primeira língua para os processos de ensino-aprendizagem” (LACERDA; SANTOS; LODI; GURGEL, 2016, p. 13). Portanto, o professor precisa de um plano de ensino voltado a essa especificidade linguística, inclusive integrando a Libras enquanto disciplina para os alunos, sejam surdos ou ouvintes (LACERDA; SANTOS; LODI; GURGEL, 2016). As autoras Rangel e Stumpf (2006) endossam as questões curriculares apresentando como exemplo a disciplina de História, em que a mesma deve contemplar entre todos os conteúdos estabelecidos a “história dos surdos, da língua de sinais, dos fatos 90 culturais e da possibilidade de compreender seu estar no mundo” (RANGEL; STUMPF, 2006, p. 89). Embora todos esses apontamentos sobre a língua matriz em uso no ambiente escolar, o plano de ensino adequado abrangendo a singularidade linguística, sem falar no ensino da Língua Portuguesa que precisa ser ofertada como uma segunda língua na modalidade escrita (BRASIL, 2005; 2015; QUADROS; KARNOPP, 2004; LACERDA; SANTOS; LODI; GURGEL, 2016; BONFIM, 2020), não posso deixar de considerar um profissional que é peça fundamental de toda essa construção de Educação Bilíngue, da Libras como primeira língua de todo o processo educacional do ensino e da Língua Portuguesa como segunda língua na modalidade escrita: o educador surdo (LACERDA; SANTOS; LODI; GURGEL, 2016; ROCHA, 2017; BONFIM, 2020). Esse profissional muitas vezes não é contemplado entre os profissionais essenciais para a Educação Bilíngue3 de surdos, por muitas vezes não estar claro qual o seu papel neste cenário, que não consiste somente em ensinar Libras. Por isso Bonfim (2020) o descreve como educador surdo, pois além de ser modelo linguístico para os alunos em fase de aquisição de língua, esse educador com formação em nível superior ofertará o ensino de Libras, a qual não é instrumentalizada, mas é ofertada mediante um sistema organizado, planejado, sistematizado e prático, isto é, a aquisição e interação o tempo todo, objetivando a compreensão da língua, seu uso em diferentes espaços e formas (formal e informal). O educador surdo ofertará a disciplina de Libras para os alunos surdos, bem como para os ouvintes no caso de alunos surdos matriculados no Ensino Fundamental II e Médio em escolas comuns de ensino. Ele também, com a presença de um 3 Utilizo a escrita em iniciais maiúsculas para enfatizar o ensino que valoriza, respeita e acontece em Libras, portanto a Educação que os alunos surdos merecem e que está prevista pelo Decreto nº 5.626 de 2005 e, a qual a comunidade surda lutou e conquistou esse direito que muitas vezes é violado por políticas maiores, pensadas somente em custos e não se importando com a qualidade. 91 Intérprete Educacional (IE), fará a parceria junto aos professores das disciplinas específicas. Neste sentido podemos nos valer da proposta de Mendes, Vilaronga e Zerbato (2014) na perspectiva de coensino, visto que agora podemos e devemos ter a parceria entre esses três profissionais: Professor regente (disciplina específica), Educador surdo e Intérprete Educacional. Essa triangulação promoverá aulas mais dinâmicas, atrativas e visuais, pois cada profissional com a sua devida formação, irá dialogar sobre os conteúdos levando em consideração a especificidade linguística, já que um dos profissionais se faz dela constantemente, potencializando suas aulas e viabilizando o acesso ao conhecimento não só para os alunos surdos, pois uma aula bem planejada contempla também as especificidades dos alunos ouvintes. 3. Conclusão Partindo das considerações acima levantadas, faz-se necessário antes de tudo, olhar para os alunos como seres humanos que possuem direito à educação seja ela na modalidade oral auditiva para os ouvintes ou visual espacial para os alunos surdos, não sendo rotulados pelos profissionais da educação como seres que são incapazes de aprender por possuírem um modo singular de compreender e interagir nas atividades escolares. Em relação às outras deficiências, a surdez é categorizada pelos surdos, não como um estigma que os inferioriza das pessoas que ouvem, mas como sujeitos que possuem uma singularidade linguística, portanto, isso o difere do ouvinte. Contudo não o coloca em posição de desigualdade ou desvantagem, apenas reforça o modo como interpreta e interage com o mundo que se dá pela visualidade. Valorizar a diferença surda (GALLO, 2017) é proporcionar no ambiente escolar que a multiplicidade se faça agir em suas diferentes manifestações e não as colocar em moldes corretivos para que tenham uma equiparação ou equivalência. É fugir desta 92 maquinaria de produzir corpos únicos e idênticos para a promoção de corpos plurais, singulares, heterogêneos. Tendo em mente que a escola deve ser o lugar para que as diferenças surdassejam de fato reconhecidas, valorizadas e respeitadas torna-se fundamental que os municípios e os estados sigam rigorosamente a legislação vigente, aqui retomo o documento que foi base fundamental para toda essa discussão, que é o Decreto nº 5.626 de 2005. A proposta de coensino, ou melhor, parceria na sala de aula, terá resultados positivos como afirma as autoras Mendes, Vilaronga e Zerbato (2014) se pensarmos na inclusão a partir do Ensino Fundamental II e Médio, olhando pela perspectiva do trabalho entre Professor regente de disciplinas específicas, o Educador Surdo e o Intérprete Educacional, visto que, se não houver um trabalho em parceria em que todos os profissionais envolvidos “dividem a responsabilidade de planejar, instruir e avaliar a instrução” (MENDES; ALMEIDA; TOYODA, 2011, p. 85), esse trabalho não fluirá e quem será prejudicado será o aluno surdo, que por sua vez será estigmatizado perante os demais alunos como incapaz de acompanhar uma sala comum, levando muitas vezes a serem encaminhados para escolas especiais por um julgamento sem conhecimento do modo de ensinar os conteúdos curriculares a esta comunidade, que é apenas singular e não diferente. Referências ALMEIDA, J. C. A. 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É importante salientar que o cuidado vai muito além de apenas envolver pessoas que cuidam e pessoas que são cuidadas, afinal o cuidado é um complexo conjunto de relações sociais. O foco do presente capítulo, é abordar o cuidado no tocante ao gênero em interface com a deficiência em todos os âmbitos sociais que permeiam a vida de mulheres com deficiência. Quanto a área da saúde, segundo a Política Nacional de Saúde da Pessoa com Deficiência, instituída por meio da Portaria nº 1.060, de 5 de junho de 2002, a assistência a esse público deve ser pautada na necessidade de atenção à saúde específica da sua própria condição, oferecendo serviços de reabilitação e a doenças e agravos comuns a qualquer pessoa, provendo também outros tipos de serviços devendo ser assegurados todos os serviços que competem ao Sistema Único de Saúde (SUS) (BRASIL, 2002). A Portaria nº 793, de 24 de abril de 2012, que institui a Rede de Cuidados à Pessoa com Deficiência no âmbito do Sistema 98 Único de Saúde, segundo Machado et al. (2018) apesar de apresentar uma boa proposta de integração entre as equipes que atuam nos variados pontos de atenção a essas pessoas, ainda carece de articulação, revelando-se uma política desprovida de investimentos e atenção, tanto em seu sentido estrutural, quanto a instrumentalização dos profissionais. O intuito deste capítulo é destacar e descentralizar a questão do cuidado da área da saúde, pois o cuidado é compreendido a partir da construção de uma sociedade democrática, justa e igualitária. Corroborando com a ideia de Silva (2008) O cuidado deve ser sair da centralidade dos estudos sobre saúde, pois não é somente desempenhado na doença ou na restrição de alguma habilidade. É preciso compreender o cuidado como uma prática útil e necessária ao convívio social e na construção de uma sociedade democrática. Para isso, não se pode negligenciar as relações de desigualdade, especialmente de gênero, que envolvem a tarefa de cuidar de alguém. É preciso repará-las, desconstruindo a naturalização do cuidado como uma tarefa feminina e a independência como um valor ideal de vida, pois esta não existe puramente como se prega, uma vez que viver em sociedade implica depender, em alguma medida, de outras pessoas. (SILVA, 2008, p.52) De acordo com Tronto (1997) o cuidado é relacional, porque envolve um compromisso com o objeto cuidado; assim, a autora diferencia “cuidado com” de “cuidado de”. “Cuidado com” diz respeito a objetos menos concretos, sendo uma forma mais geral de compromisso. Já o “cuidar de” refere-se a um objeto específico, o qual é o centro dos cuidados, implicando o reconhecimento da necessidade do cuidado e exigindo qualidade moral de atenção e se expressa principalmente na família e em profissões que proporcionam o cuidado, como a Medicina e Enfermagem, por exemplo. Para Silva (2008), essa distinção entre “cuidado com” e “cuidado de” é importante e necessária já que a sociedade tende a definir o cuidado de acordo com o gênero, sendo socialmente determinado que homens tenham “cuidado com” e mulheres “cuidem de”. 99 Apesar da longa e constante luta das mulheres para quebrar com os papéis socialmente construídos, a questão do cuidado ainda está fortemente vinculada ao feminino, tornando socialmente indissociáveis os termos mulher e cuidado; e no contexto familiar, a pessoa cuidadora, na maioria dos casos, é de responsabilidade das mães, o que acaba por reproduzir os valores culturais historicamente criados de que as atividades domésticas e familiares são algo inato às mulheres (COLOMBO, 2019). Neste sentido, é válido destacar que histórica e socialmente. os valores imputados às funções atribuídas a homens e mulheres foram distintas, sendo as atribuições masculinas dotadas de valor e as femininas, como o cuidado, desvalorizadas (SILVA, 2008). Espera-se que as mulheres cuidem da casa, sejam esposas, parceiras sexuais e mães. Tais expectativas são estereotipadas e carregadas de sexismos. As mulheres com deficiência são vistas como alguém que tem pouca capacidade para alcançar essas expectativas, já que se espera que estas sejam cuidadas, que suas relações sociais fiquem restritas ao seio familiar e que outras pessoas tomem decisões por elas, reforçando outros estereótipos e atribuindo as mulheres com deficiência uma condição de dupla vulnerabilidade devido a somatória entre gênero e deficiência (COLOMBO, 2019). Mulheres com deficiência são excluídas dos setores laboral, social, educacional e de saúde. No que concerne à saúde, mulheres com deficiência tem menos apoio à reabilitação, sendo esta voltada a tarefas domésticas, embelezamento e nunca é mencionada a ideia destas serem mães; para os homens com deficiência há apoio vocacional, incentivo e encorajamento (STEFFEN, 2013). No estudo de Steffen (2013) é abordado que espera-se que outras mulheres cuidem de mulheres com deficiência e que as esposas cuidem de homens com deficiência, por isso que homens com deficiência tendem a casar com mulheres sem deficiência e as mulheres com deficiência se relacionam mais com homens com deficiência. Outro dado revelado no estudo é que o número de divórcios é maior para 100 mulheres que adquirem uma deficiência depois do casamento do que para os homens e que existe a crença de que mulheres com deficiência não podem ter vida sexual, o que não ocorre com os homens com deficiência. Para Tronto (2007), os aspectos feministas dos cuidados e do cuidar se estabelecem como um fenômeno moral dentro do contexto político, fazendo-se necessária uma reformulação da visão que se tem sobre este contexto político. A ética feminista do cuidado considera o cuidado como uma premissa fundamental à vida social, pois, de acordo com esse ponto de vista, o qual é defendido pelo presente capítulo, todas as pessoas são vulneráveis e esta vulnerabilidade se intersecciona, afinal todos necessitam de cuidados, assim o cuidado é uma questão de interdependência. Tais assuntos são abordados pelo Podcast Narrando Utopias - Temporada Cuidar do Futuro, foco desta análise. O que é Podcast O avanço tecnológico ocorrido nas últimas décadas, foi um dos elementos principais que impulsionaram o processo de globalização, gerando o desenvolvimento de ferramentas tecnológicas com vista à comunicação direta e em tempo real. Nesse sentido, o formato Podcast surgiu em 2004, tendo um vasto crescimento nos últimos anos. Couto e Martino (2018) evidenciaram que não há um consenso sobre o que é um podcast, que seu referencial teórico advém, principalmente, de estudos de rádio e pesquisas sobre mídias digitais e que se utiliza de metodologiasclássicas como entrevistas ou análise de conteúdo, mas adaptadas às características das mídias digitais. Carvalho (2011), considera que o podcast é uma ferramenta de distribuição de conteúdo digital por meio da internet, tendo como principal característica conteúdos sonoros, podendo ser associado a outros formatos de transmissão que não seja somente o áudio, associando-se à suportes de vídeo, imagens estáticas e 101 textos, por exemplo. Os podcasts podem se configurar em programas isolados, sem necessariamente, apresentar uma grade de programação, tendo sua periocidade de produção variada em programas diários, semanal, quinzenal, mensal ou por temporadas sem um tempo de intervalo definido (VIANA, 2020). Não há regras rígidas para a criação/desenvolvimento de um podcast, pois não existe um padrão de locução, normas a serem seguidas quanto a linguagem ou temas a serem abordados, atraindo o público pela simplicidade e liberdade no processo de produção. Outro ponto que atrai audiência é o fácil acesso aos conteúdos, podendo os episódios serem reproduzidos em computadores, tablets ou em celulares e, como muitas plataformas permitem que sejam feitos downloads, os conteúdos podem ser reproduzidos em qualquer lugar (FLORES, 2014). Uma das plataformas mais utilizadas para consumo de podcast (conteúdo em áudio) é o Spotify, serviço de streaming de música, podcast e vídeo que foi lançado oficialmente em 7 de outubro de 2008, tornando-se o serviço de streaming de música mais usado do mundo; que dobrou sua audiência de podcast no segundo trimestre do ano de 2019, período no qual registrou mais de 30 mil novos podcasts na plataforma (VIANA, 2020). Os podcasts produzem um grande e variado volume de informações, muitas dessas informações são produzidas e/ou dedicados a nichos que não encontram espaço na mídia tradicional, como é o caso de pessoas com deficiências tratando dos mais diversos assuntos ou de mulheres tratando de questões que envolvem marcadores sociais como o gênero, raça e classe social, o que é abordado pelo podcast focado pelo presente capítulo: Podcast Narrando Utopias - Temporada Cuidar do Futuro Podcast Narrando Utopias: Temporada Cuidar do Futuro Narrando Utopias, é um podcast que está dentro da plataforma de streaming Spotify, na página do Portal Catarinas. O podcast Narrando Utopias, segundo suas idealizadoras, tem o 102 intuito de esperançar, no sentido de unir-se a outras pessoas na busca por construir um futuro de justiça social. A segunda temporada, focalizada por este capítulo, é denominada de Cuidar do Futuro, é composta por 5 episódios, os quais contam as histórias de quatro mulheres com deficiência, Fernanda, Vitória, Mariana e Laureane, com o objetivo de discutir acerca da organização do cuidado na atual sociedade e sobre as possibilidades para a superação das desigualdades que envolvem a vida de mulheres com deficiência. Esta temporada, além de ser uma ação desenvolvida pelo Portal Catarinas (portal de jornalismo com perspectiva de gênero, que atua com curadoria de informações, produção de conteúdo regional e observatório dos debates públicos feministas) em parceria com o Prosa – Grupo de Pesquisa Educação e Tecnologia Ético-Crítica da Universidade Federal de Santa Catarina (busca realizar a sistematização crítica de conhecimentos e práticas gerados, a partir da consonância de diferentes áreas, articulando tecnologia e educação, na realização de projetos de extensão, ensino e pesquisa ético-criticamente) é também uma iniciativa do Inspiratorio.org para imaginar um futuro feminista e interseccional (plataforma digital que participa da conversa global sobre poder narrativo e oferece recursos, comunidade e inspiração para movimentos de justiça social na América Latina), contando, igualmente, com a consultoria do Coletivo Feminista Helen Keller (coletivo de mulheres com deficiência). Créditos a: Inara Fonseca como roteirista, locutora e pesquisadora; Kelly Ribeiro como pesquisadora e assistente de roteirista; Jaqueline Padilha como Assistente de roteirista e responsável pela identidade sonora, montagem e edição de áudios; Maria Augusta Scopel Bohner responsável pela identidade visual; à cantora Dandara Manoela quem cedeu a trilha sonora da temporada (música Mulher de Luta) e a colaboração de Elizandro Maurício Brick. 103 Episódio 1 – Tornar-se uma mulher com deficiência No primeiro episódio, as participantes Fernanda, Vitória e Mariana contam a história do percurso que trilharam até se reconhecerem como mulheres com deficiência. Por meio da narrativa dessas mulheres, fica evidente que a deficiência se configura como um sistema de opressão, já que há na sociedade a hierarquização dos corpos, ou seja, a corponormatividade, a qual estabelece uma norma de corpo ideal e os corpos que ficam à margem dessa norma, portanto, aqueles com algum tipo de deficiência, são oprimidos e excluídos. Nesse sentido, conforme narra Inara Fonseca, a deficiência “constrói-se” no encontro do corpo com um mundo, com uma sociedade que não aceita as diferenças e diversidade dos corpos existentes. Outro ponto de destaque no relato das participantes é a vivência da desigualdade de gênero dentro do grupo de pessoas com deficiências. Kim Hall (2011), considera que tanto o gênero quanto a deficiência, sofrem discriminações em decorrência dos corpos, ou pela lesão (deficiência) ou pelo sexo biológico (gênero). Assim, Fernanda, Vitória e Mariana comentam que passaram a identificar-se e reconhecer-se como mulheres com deficiência, não somente pela deficiência em si ou pelo laudo médico, mas sim, e principalmente, pelo contato com outras mulheres com deficiências, pela militância e estudos sobre a deficiência e, que, foi por meio desse contato que estas passaram a relacionar-se consigo mesmas de formas diferentes e com as pessoas ao seu redor. Hall (2003), explicita que a identidade dever ser compreendida como plural, já que é representada pelas atuações de deferentes esferas e agentes sociais. O corpo é produzido cultural e discursivamente, durante seu processo de constituição ganha marcas culturais o que o torna distinto, por sua vez, essas marcas corporais originam às diferenças no tocante aos sujeitos, indicando, assim, sua identidade. Nesse sentido, as identidades são compostas por meio de classificações, disputas e hierarquias, sendo envolvidas em um 104 sistema de referência de identidade e diferenciação; a identidade que desvia do referencial é tida como irregular, fazendo com que seja marcada (LOURO, 2000). Acredita-se que mulheres com deficiência, necessariamente precisarão de alguém que cuide delas e, por isso, têm acesso menor aos recursos sociais, e consequentemente, acabam ficando mais dentro da família, tendo suas experiências pouco compartilhadas na sociedade (STEFFEN, 2013). De forma breve, porém bastante clara e objetiva são explicados para os ouvintes os modelos de deficiência que ainda permeiam a sociedade de forma mais ou menos presente, sendo eles: modelo religioso, caritativo, médico e social. É interessante destacar que, há alguns estudos que tratam do modelo pós-social da deficiência, o qual ainda está se desenvolvendo, como o de Bisol, Pegorini e Valentini (2017), Colombo (2019) e Gomes et al. (2019). Este modelo tece críticas ao modelo social, sendo multifacetado, pois leva em consideração o corpo, a dor e a importância do cuidar, baseando-se em estudos feministas. Segundo Diniz (2003), o modelo pós-social da deficiência, ou também conhecido como crítica feminista ao modelo social, não é uma oposição a este, apenas incorpora outras pautas também relevantes para o embate político da deficiência, pautas estas que não foram discutidas pelos teóricos que estruturaram o modelo social, por serem a maioriahomens, de classe média alta e cadeirantes. Assim, nessa nova verão foram incorporados temas como: ... a importância do cuidado, falaram sobre a experiência do corpo doente, exigiram uma discussão sobre a dor e trouxeram os gravemente deficientes para o centro das discussões... Foram as feministas que introduziram a questão das crianças deficientes, das restrições intelectuais e, o mais revolucionário e estrategicamente esquecido pelos teóricos do modelo social, o papel das cuidadoras dos deficientes... Por fim, foram as feministas que mostraram que, para além da experiência da opressão pelo corpo deficiente, havia uma convergência de outras variáveis de desigualdade, tais como raça, gênero, orientação sexual ou idade (DINIZ, 2003, p. 3-4). 105 As teóricas feministas demonstraram que para pessoas com determinados tipos de deficiência somente a eliminação de barreiras para que estas possam exercer sua independência não basta, tomando como base que algumas dessas pessoas jamais poderão ser totalmente independentes, colocando em debate e dando destaque cuidado, a dor, a lesão, a experiência do corpo doente, a dependência, interdependência e o papel das cuidadoras dos deficientes, mostrando que a interdependência é uma condição indispensável à vida social, inclusive para as pessoas que não têm nenhum tipo de deficiência (DINIZ, 2007). As participantes da segunda temporada do podcast, relatam momentaneamente algumas das situações de preconceito que vivenciaram, como o falar diferente com elas, o não poder frequentar determinados lugares e o olhar perverso e/ou de pena em sua direção, tudo ocasionado pela somatória do gênero e deficiência. Logo, entende-se que as mulheres com deficiência estão em uma condição de dupla vulnerabilidade, dupla discriminação e dupla desvantagem, devido a somatória de seu sexo com o seu corpo (com lesão), necessitando diariamente combater o sexismo e a discriminação contra pessoas com deficiências, deparando-se cotidianamente com diversas barreiras e crenças preconceituosas de que não podem trabalhar, cuidar da casa, ter um relacionamento amoroso e sexual, serem mães ou poderem estudar, por exemplo (COLOMBO, 2019). Para finalizar o referido episódio, é feita a relação entre o tornar-se uma mulher com deficiência com a organização do cuidado, que na maioria das vezes é de responsabilidade da família, sendo a organização desse cuidado centralizado, quase que exclusivamente, nas mulheres, principalmente nas mães, como apontam os estudos de Sikora (2010), Grossi, Crisostomo e Souza (2016) e Colombo (2019) mostrando que a sociedade ainda não viabiliza a divisão abrangente da organização do cuidado. 106 Episódio 2 – Mães: o pessoal é político Este episódio trata da organização do cuidado e do papel das mulheres, principalmente das mulheres mães na manutenção desse cuidado na sociedade. Algumas questões balizaram os assuntos abordados ao longo do episódio como: Quem foram as mulheres necessárias na sua trajetória para que você pudesse estudar, trabalhar ou encontrar os colegas no barzinho? Quem são as mulheres que precisaram ou ainda precisam ficar em casa para que você possa estar na rua? Esses assuntos são tratados, pois as mulheres participantes e protagonistas do podcast têm e/ou tiveram suas mães como as principais responsáveis pelo seu cuidado, o que permitiu a sustentabilidade de suas vidas, bem como também, porque duas dessas participantes, Vitória e Mariana são mães. As falas apresentadas por Vitória, levam à reflexão de que ao se interseccionar a deficiência com o outro marcador social que é o gênero, afirma que o maior “crime” das mulheres com deficiências é necessitar de cuidado e não apenas cuidar; mostra por meio dessa fala que existem desigualdades de gênero na organização e na forma como alguns grupos sociais cuidam e outros não. A pesquisa de Colombo (2019), teve como objetivo investigar a trajetória escolar de mulheres com deficiências no ensino superior, com ênfase na questão de dupla vulnerabilidade dessas mulheres. Foi identificado que, das seis participantes, todas elas tiveram a figura de suas mães como referência de cuidado, amor, incentivo e motivação, sendo estas as principais responsáveis para que as participantes conseguissem ter acesso às instituições de ensino superior. A crítica feminista ao modelo social da deficiência acarretou em um novo olhar para o ato de cuidar. É inegável que o movimento feminista, como um todo, contribuiu com avanços em relação ao reconhecimento das mulheres e consequentemente das mulheres com deficiência, mesmo que as últimas não sejam uma prioridade do movimento em geral, foi por meio dos movimentos 107 feministas, das diversas vertentes, que a figura de cuidadora foi colocada em debate, revelando a perspectiva de gênero envolvida no cuidado; e o cuidado visto como um fundamento que fomenta a vida coletiva e que ainda é considerado como uma função feminina, e por isso não é valorizado (DINIZ, 2003). Quanto a isso, percebe-se que há estranhamento e valorização quando um homem está e/ou ocupa a posição de cuidador, no caso de Laureane, seu pai divide as responsabilidades frente ao seu cuidado com sua mãe e, no caso de Vitória, depois de casada é o seu marido o mais responsável pelo cuidar, mas quando solteira era a sua mãe, e relata que quando era sua mãe não havia essa valorização e reconhecimento da sociedade devido ao trabalho prestado, diferente do que acontece com seu marido; também comenta que sua mãe não teve escolha em relação ao cuidado, ela ocupou esse papel por necessidade. Ou seja, ao longo da história da humanidade, o cuidado e as responsabilidades familiares passaram a ser de incumbência das mulheres, sendo naturalizado e não reconhecido como um trabalho. Sobre as mães recaem as maiores sobrecargas de trabalho com relação aos cuidados com o filho ou filha com deficiência e, na maioria das vezes, estas mães não recebem ajuda suficiente do restante da família, o que consequentemente acaba por afetar sua qualidade de vida, deixando em segundo plano seu autocuidado e adaptando toda a sua rotina e dinâmica familiar para exercer o cuidado (GROSSI; CRISOSTOMO; SOUZA, 2016). Além de ser naturalizado que as mulheres se responsabilizem pelos cuidados familiares (casa, filhos e marido), igualmente é comum o abandono por parte dos homens quando são colocados na posição de cuidador ou quando têm um filho com deficiência, conforme é retratado no podcast. Outro ponto que merece destaque e que foi tratado ao longo do presente episódio, foi a questão de o culto ao lar ser historicamente uma narrativa de mulheres brancas, já que mulheres negras e indígenas desde os tempos da colonização do Brasil já 108 trabalhavam compulsoriamente, mostrando que a intersecção do gênero com os marcadores sociais de raça, etnia e classe social também são fundamentais para a compreensão das desigualdades que perpassam a organização do cuidado, reafirmando, mais uma vez, a importância da democratização deste ato. Outra questão balizadora do episódio foi: Como é ser mãe e uma mulher com deficiência? Vitória relata que houve negação por parte da sociedade de sua gravidez no sentido de que como ela, uma mulher com deficiência, poderia engravidar, gerar e cuidar de um filho; também relata que foi questionado como isso aconteceu, o que não ocorre quando é uma mulher sem deficiência que engravida; relembrou que quando algumas pessoas souberam do sexo de seu bebê, uma menina, ficaram aliviadas alegando que esta poderia futuramente cuidar de sua mãe. Vitória, mencionou a dificuldade de encontrar um obstetra que não a inviabilizasse como uma mulher grávida em decorrência de sua deficiência após o quinto mês de gestação. Ainda abordando essa questão, Mariana quetem uma filha com paralisia cerebral, diz que, enquanto mulher com deficiência milita ao lado da filha, pois os movimentos das pessoas com deficiência também têm que dar lugar para as crianças com deficiências; e que, enquanto mãe, precisa que sua luta esteja tanto inserida nos movimentos de pessoas com deficiência, quanto nos movimentos feministas, no sentido que se discuta a distribuição desigual do cuidado. Uma mãe com deficiência de uma filha também com deficiência percebe que a sociedade enxerga como se ela tivesse falhado em não prover um filho “ideal”, e que, portanto, esse é um problema exclusivamente dela, acarretando na dificuldade em se acessar as redes de apoio e políticas públicas para que o cuidado possa ser distribuído de forma igualitária entre as pessoas e instituições que estão implicadas nesse processo. Nesse sentido, Mariana relata que muitas vezes se sente exausta, esgotada e que tem medo de um dia chegar a faltar para sua filha. Neste episódio, é feita uma análise de encerramento a qual reflete sobre a relevância das redes de apoio e da divisão de tarefas 109 frente ao cuidado, explicitando que as questões que perpassam os corpos de mulheres com deficiência estão relacionadas a outras lutas dos movimentos feministas como a luta contra a violência obstétrica, divisão sexual do trabalho e negação dos direitos sexuais e reprodutivos, por exemplo. Da mesma forma como se deve lutar pelo reconhecimento da importância do trabalho doméstico e da reorganização do cuidado para o estabelecimento de um futuro no qual a justiça social está presente. Episódio 3 – Autonomia e interdependência Dando continuidade ao tema da familiarização do cuidado, no presente episódio, se reafirma a necessidade de transformação desse regime de familiarização, para que o cuidado se estenda a outras instâncias e não somente à família e, principalmente, às mulheres. As protagonistas da segunda temporada do podcast mostram o valor da autonomia, já que esta está relacionada ao poder e às possibilidades de escolhas, tanto coletivas quanto individuais, além de estar diretamente relacionada ao acesso a direitos fundamentais como educação, saúde, lazer e trabalho, bem como auxilia no processo de reflexão de como protagonizar a sua própria existência. Em suma, a familiarização do cuidado se constitui de forma a sobrecarregar as mulheres que exercem essa função, da mesma forma que coloca a pessoa que recebe cuidados em situações que, muitas vezes, não têm gerência e controle sobre sua própria vida, nas quais a autonomia das pessoas com deficiência acaba sendo negligenciada e até mesmo negada. As participantes relatam algumas de suas experiências, por exemplo Laureane comenta que apesar de muitas dificuldades conseguiu se formar no Ensino Superior, pôde fazer essa escolha, que foi apoiada pela sua mãe/cuidadora e que concretizou esse desejo. 110 Ainda no âmbito da educação, Mariana discorre sobre as inúmeras tentativas negadas de matricular sua filha em escolas particulares, nesse ponto ela ressaltou o avanço da educação pública quanto à inclusão e a importância das políticas públicas na garantia do acesso e permanência de alunos com deficiências nas escolas regulares. No presente episódio, a Declaração de Salamanca (1994), a Lei de Diretrizes e Base da Educação Nacional (1996) e a Lei Brasileira de Inclusão (2015) foram mencionadas como instrumentos importantes na luta pela inclusão. No tocante à área da saúde, foi perguntado às mulheres protagonistas como elas acessavam os serviços de saúde e todas elas se referiram ao Sistema Único de Saúde (SUS), destacando-o no que diz respeito aos cuidados de saúde relativos as pessoas com deficiência, no que concerne à reabilitação, atendimentos e conquista de recursos de acessibilidade. No entanto, Vitória não deixa de expor que apesar do avanços que o SUS representa, há invisibilidade das mulheres com deficiência nas políticas públicas de saúde voltadas as mulheres no geral; até mesmo na Política Nacional de Atenção Integral a Saúde da Mulher (2004), a qual ressalta a importância de uma assistência que leve em consideração as particularidades dos diferentes grupos de mulheres, como as negras, indígenas, lésbicas e adolescentes, porém exclui as mulheres com deficiência, não mencionando-as em seu texto. Novamente, a importância da rede de apoio na vida das participantes, na vida de outras mulheres com deficiência, na vida de todas as pessoas com deficiência e na vida de qualquer um, é retratada. Aqui, um conceito-chave é colocado em debate, a interdependência. De acordo com o Dicionário de Oxford (2022), interdependência significa: “estado ou qualidade de duas pessoas ou coisas ligadas entre si por uma recíproca dependência, em virtude da qual realizam as mesmas finalidades pelo auxílio mútuo ou coadjuvação recíproca.” Assim, pessoas com deficiências podem necessitar de diferentes tipos de suportes para exercerem sua autonomia e para poder 111 protagonizar sua própria história, fato esse relacionado intimamente com o direito ao cuidado e com a interdependência, já que este conceito explica como todos estabelecem relações de reciprocidade ao passo que dependem de algo ou alguém para existir. Contudo, nessa relação de interdependência, na maioria das vezes, o que é feito pelas pessoas com deficiência, principalmente pelas mulheres com deficiência, não é visto ou valorizado como sendo também uma forma de cuidado. Um exemplo claro de interdependência é a fala de Mariana que comenta que cuida de sua filha, mas que ao mesmo tempo também é cuidada por ela, mas neste caso um cuidado emocional, no sentido do amor e preenchimento. Outro exemplo, é a história de Vitória que cuida, sustenta economicamente sua família, mas é cuidado nos sentidos domésticos pelo seu marido. Para Steffen (2013), o cuidado é uma atitude ética em que as pessoas percebem e reconhecem os direitos umas das outras, fundamentando-se na ação de buscar o que é moralmente correto, no entanto, acredita que a moral está relacionada às regras, normas e aos valores, os quais, continuamente acabam sendo opressores ao gênero e às pessoas com deficiência; diminuindo a liberdade desse público em decorrência dos estereótipos. Nesse sentido, a função do cuidador ou cuidadora é buscar sempre pelo melhor para quem é cuidado, devendo empoderá-lo independentemente de gênero, raça, etnia e classe social. Dessa forma, se estes não refletirem sobre esses estereótipos que a “moral” causa, acabam por reproduzindo a discriminação e preconceitos que as mulheres com deficiência sofrem, limitando sua capacidade de autonomia (STEFFEN, 2013). Este episódio coloca a interdependência como ponto central na criação de uma política pública que trate da ética do cuidado, para que o acesso aos direitos pelas pessoas com deficiência seja realmente garantido a todas essas pessoas, e não sendo vistos como uma questão de sorte. Tais temas serão abordados nos episódios seguintes. 112 Episódio 4 – O direito ao cuidado A questão que delineia o penúltimo episódio do podcast é: Qual é o futuro que você sonha para as mulheres e crianças com deficiências? Basicamente as respostas apresentadas pelas participantes falam sobre as possibilidades para a garantia de direitos sociais básicos para esse público, assim como foi citado o desejo de seus corpos não serem mais controlados pelo ideário da corponormatividade, que tenham apoio para participarem de forma digna da vida em sociedade e que suas vozes sejam ouvidas e levadas em consideração enquanto seu lugar de fala na contribuição de políticas para seu grupo identitário. No tocante às questões envolvendo o cuidado no futuro, as participantes disseram que desejam a criação de uma política que trate do cuidado,a qual garanta uma remuneração a quem exerce o cuidado, que descentralize esse das mãos das mulheres e que ofereçam um plano de carreira para as pessoas que exercerem essa função. Mencionam também, que imaginam uma sociedade em que o cuidado não seja um privilégio de gênero, raça e classe, mas sim, como uma ética comunitária que perpassa todas essas relações e que possibilita autonomia para quem cuida e para quem é cuidado por meio dos direitos sociais básicos. Nesse sentido, é importante ponderar que como as que mulheres com deficiência enfrentam opressões diariamente, refletir sobre o cuidado destas é extremamente necessário, haja vista que cuidadores e cuidadoras podem e devem auxiliar a empoderar essas mulheres e combater as discriminações que recaem sobre elas (STEFFEN, 2013). Este episódio fornece informações sobre a organização do cuidado no atual governo federal, no qual em 2021 foi criado um grupo de trabalho para elaborar uma proposta de política nacional de cuidados pelo Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos, porém não foram encontradas informações sobre as iniciativas desenvolvidas por essa frente de trabalho pelas organizadoras da segunda temporada do podcast. 113 No Brasil, são escassas as políticas públicas que tratam do cuidado, as mencionados neste episódio são: Estratégia de Acompanhante de Saúde de Pessoas com Deficiência Intelectual (2016) existente na cidade de São Paulo, as Residências Inclusivas (2014) que são casas que abrigam até 10 pessoas com deficiências que encontram-se em situação de extrema vulnerabilidade social, presentes em algumas cidades do país e o Benefício de Prestação Continuada (BPC) (1993), o qual oferece assistência a pessoas com deficiência acima de 65 anos e em vulnerabilidade econômica. O Estado intervém nas relações de cuidado quando a pessoa com deficiência não possui vínculos familiares e se encontra em situação de vulnerabilidade social, ou ainda quando a família não dispõe de recursos básicos para exercer o cuidado, conforme aponta Tronto (2007). É interessante destacar que o direito universal à saúde, consolidado a partir do SUS, viabilizou a incorporação das necessidades das pessoas com deficiência às políticas públicas de saúde, mas as iniciativas nesse contexto têm sido isoladas e incompatíveis com os princípios de integralidade, equidade e acesso qualificado e universal à saúde, não tornando-se verdadeiramente eficaz. Dessa forma, é urgente a efetivação, ampliação e criação de políticas públicas capazes de responder às necessidades de saúde desse público, articulando os diferentes níveis de atenção (DUBOW; GARCIA; KRUG, 2018). Portanto, para as participantes do podcast, uma política pública sobre a ética do cuidado deve ser baseada na interdependência e financiada pelo Estado, pois somente assim é que se garante de forma mais efetiva a dignidade, equidade e autonomia para as mulheres com deficiências e mulheres em geral. Episódio 5 – Uma razão a mais para ser anticapitalista O quinto e último episódio do podcast é iniciado com a citação, pelas protagonistas da série, do poema “Uma razão a mais para ser anticapitalista” de Mauro Iasi. Além do mais, esse 114 episódio toma como base a perspectiva de Nancy Fraser, uma teórica feminista que compreende o capitalismo como um sistema com lógica individualista abrangendo todas as esferas da vida; assim o capitalismo vive da exploração do trabalho assalariado, da natureza, dos bens públicos e do trabalho não remunerado, como bem explica a locutora da série, Inara Fonseca. De acordo com STEFFEN, (2013), desigualdades de gênero em relação às pessoas com deficiência são presentes especialmente nas sociedades capitalistas, e que os estudos de gênero e os estudos feministas pouco se articulam com os estudos sobre deficiência no Brasil, tornando essas duas áreas independentes. Assim, para a autora, voltar-se às pessoas com deficiência considerando-as sob a ótica de gênero, oferece outras maneiras de entender a deficiência e suas necessidades (STEFFEN, 2013). As participantes ao longo dos cinco episódios sinalizam a ideia de que o cuidado é um trabalho não remunerado na maioria dos casos já que é exercido quase sempre pelas mães, e/ou há má remuneração, principalmente para as mulheres negras e pobres. Entendem, também. a urgente necessidade da democratização do cuidado, já que este, fora do âmbito familiar, está disponível para aqueles que podem pagar, mas não é acessível àqueles que não podem. Nesse ponto, é interessante relacionar a segunda temporada do podcast e as falas e vivências das protagonistas com o filme “Gaby - Uma história verdadeira”, dirigido por Luiz Mandocki e lançado no ano de 1987. O filme conta a história de Gabriela Brimmer que logo após seu nascimento foi diagnosticada com paralisia cerebral, como consequência da paralisia Gaby não falava e não andava. Umas das empregadas de sua casa, Florência foi quem se encarregou dos cuidados de Gaby, a qual identificou que a menina se comunica por meio de seu pé esquerdo. Ou seja, a pessoa responsável pelos cuidados era uma mulher e, neste caso, somente não era a mãe, porque a família tinha uma situação econômica abastada; Florência era a primeira pessoa incumbida dos cuidados de Gaby e a mãe da garota era a segunda. Assim, 115 com a ajuda de sua mãe e de Florência, a personagem principal começa a ter aulas em casa e após um tempo passa a frequentar uma escola especial e posteriormente uma escola regular. Na escola regular, se depara com a falta de acessibilidade e tem vivências da prática de bullying, relato similar às experiências de Laureane, Vitória, Mariana e Fernanda. Em 1970, Gaby entra na Universidade do México e consegue seu diploma de graduação. No ano de 1979, publica um livro sobre sua história e após um tempo decide com Florência adotar uma criança recém nascida. A história de vida de Gaby, retratada no filme, as histórias e experiências de vida Laureane, Vitória, Mariana e Fernanda, contadas no podcast, também se assemelham às vivências das mulheres com deficiência participantes do estudo de Colombo (2019), Ana, Bruna, Kátia, Débora, Lucia e Tatiane (nomes fictícios). Histórias estas não distantes de tantas outras mulheres com deficiência que lutam diariamente pela conquista de seus direitos, dentre eles, o cuidado. A temporada é encerrada com as falas das protagonistas do podcast indicando que é indispensável que os movimentos feministas, sejam eles de quaisquer vertentes, lutarem pelo estabelecimento de uma política do cuidado que valorize a interdependência e reconheça esta função como um trabalho assim como qualquer outro. Considerações Finais O Podcast Narrando Utopias - Temporada Cuidar do Futuro atuou como um recurso de mobilização frente a temática do cuidado destinado a mulheres com deficiência, fortalecendo igualmente os atores sociais como protagonistas (mulheres com deficiência), trazendo a tona as identidades dessas mulheres, suas histórias, suas lutas, vivências, suas vozes e concepções, afirmando a potencialidade destas e incrementando essa rede de poder feminina. Como visto, o cuidado de pessoas com deficiência é predominantemente familiar e feminino e quando não existe essa 116 possibilidade o cuidado passa a ser responsabilidade do Estado que deve atuar no sentido de garantir proteção a essas pessoas, porém isso ocorre somente com aqueles em situação de extrema vulnerabilidade social, deixando à margem muito dessa população por não se enquadrar nesta característica. O cuidado foi atribuído histórica e socialmente as mulheres, sendo esta uma prática pouco valorizada. É interessante destacar que apesar de tímidas, há ações parto do poder público para cuidar das pessoas com deficiência, no entanto são escassasas ações no tocante às mulheres cuidadoras das pessoas com deficiência e estas merecem ter um olhar mais atencioso às suas demandas já que muitas vezes precisam conciliar o trabalho fora do lar com o cuidado da pessoa com deficiência sendo sobrecarregadas, cuidado este que também é um trabalho, mas não remunerado por serem estas mulheres cuidadoras na maioria dos casos mães da pessoa com deficiência que necessita de cuidados. O Podcast Narrando Utopias - Temporada Cuidar do Futuro, dentre outros fatores, mostra a urgente necessidade de se debater cada vez mais o cuidado em torno da pessoa com deficiência, no sentido de reconhecer que todas as pessoas ao passo que necessitam de cuidados têm o dever se cuidar, bem como a importância de incluir a transversalidade no que diz respeito ao gênero na elaboração de políticas sociais, as quais devem ser verdadeiramente efetivas. Referências BISOL, C. A; PEGORINI, N. N.; VALENTINI, C. B. Pensar a deficiência a partir dos modelos médico, social e pós-social. Cad. Pes., São Luís, v. 24, n. 1, p. 87-100, jan./abr. 2017. Disponível em: http://www.periodicoseletronicos.ufma.br/index.php/cadernosdepesquisa/article/view/ 6804. Acesso em: jul., 2022. 117 BRASIL. Lei nº 8.742, de 7 de dezembro de 1993. Dispõe sobre a organização da Assistência Social e dá outras providências. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 1993. ______. 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Acesso em: jul. 2022. 121 Diálogo e parceria entre os professores do AEE e de EF: propostas para auxiliar na inclusão escolar dos estudantes público-alvo da Educação Especial Aline Basso Braz Michelle Roberta Pavão Introdução A disciplina de Educação Especial no contexto da Educação Brasileira, ofertada pelo Programa de Pós-Graduação em Educação Especial, da Universidade Federal de São Carlos, realizada no primeiro semestre de 2022 e ministrada pela professora Dra. Fátima Elizabeth Denari, permitiu rodas de debates sobre os diversos nuances que cercam a Educação Especial. Dentre os diversos assuntos abordados, o Atendimento Educacional Especializado (AEE) e a disciplina de Educação Física Escolar (EF) foram alvos de discussões em uma das aulas, e de como os professores trabalhando em colaboração poderiam trazer benefícios para os alunos público alvo da Educação Especial (PAEE). Deste modo, considerando a experiência das duas pesquisadoras deste capítulo, uma professora de Educação Especial e a outra, discente de Educação Física, ambas perceberam o distanciamento entre AEE e EF dentro da escola regular e consideram a importância dessa articulação para o desenvolvimento do processo de ensino-aprendizagem dos alunos PAEE. Para iniciar nossa conversa, descrevemos um estudo de caso de caso que irá orientar nossas discussões: Marina é uma criança de sete anos que estuda no segundo ano do ensino fundamental da rede municipal de ensino de uma cidade do interior de São Paulo. Ela possui deficiência intelectual e, portanto, é atendida por uma professora do Atendimento Educacional Especializado 122 (AEE), que identifica, elabora e organiza recursos pedagógicos e de acessibilidade com foco na participação plena dela nas aulas. Apesar das aulas de AEE terem ajudado Mariana a acompanhar as atividades na classe regular, nas aulas de Educação Física, ainda não consegue participar de forma efetiva, por apresentar dificuldades em realizar as atividades propostas. Histórias como as de Marina infelizmente ainda ocorrem nas escolas do nosso país, pois apesar de estarem frequentando as escolas, nem sempre participam de forma efetiva e com sucesso das atividades propostas. Na literatura é possível encontrar estudos que apontam que os professores de EF ainda encontram dificuldades e entraves para realizar uma prática educacional inclusiva (FIORINI e MANZINI, 2016; TEIXEIRA, 2019). Para tanto, iremos discutir e refletir neste capítulo sobre a importância do trabalho em parceria entre os professores de EF e de AEE, a fim de possibilitar a participação dos alunos PAEE de forma efetiva nas aulas. Também serão apresentadas possibilidades para a realização desse trabalho colaborativo. Desenvolvimento Por muito tempo as produções teóricas e as discussões se organizaram no sentido de garantir que estudantes PAEE frequentassem a escola regular, entretanto, felizmente, pelo fato de a inclusão escolar ser atualmente uma realidade, há a necessidade de buscar formas e meios de criar condições que favoreçam a inclusão desses estudantes, assim como a de Marina (FIORINI; BRACCIALLI; MANZINI, 2015). Desde a Declaração de Salamanca (1994), tem se tornado evidente que, tanto o currículo escolar, quanto cada uma das disciplinas devem contribuir para a inclusão dos estudantes, adotando planejamentos, estratégias e avaliações “para todos e para cada um” como citam Lima-Rodrigues e Rodrigues (2020), sem esquecer ou negligenciar nenhum estudante. Nesse sentido, a 123 Educação Física, enquanto disciplina que compõe o currículo, assume, juntamente com as demais, um papel importante na escola. Apesar da Educação Especial ter se constituído tradicionalmente como um sistema paralelo e segregado de ensino, nas últimas décadas, em função das discussões a respeito da inclusão dos estudantes PAEE na rede regular de ensino, sofreu um processo de ressignificação de seu papel, para abranger, além do atendimento especializado, o apoio às escolas regulares que recebem alunos que necessitam de propostas diferenciadas para a aprendizagem (GLAT; PLETSCH; FONTES, 2007). A Educação Especial é uma modalidade de ensino que perpassa todos os níveis de ensino, etapas e modalidades, realiza o AEE, oferece recursos e serviços, além de orientar sua utilização no processo de ensino e aprendizagem nas turmas comuns do ensino regular (BRASIL, 2008). Nesta perspectiva, compete ao AEE garantir os serviços de apoio especializados voltados a eliminar as barreiras que possam obstruir o processo de escolarização de estudantes com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades/superdotação de forma complementar ou suplementar ao ensino regular (BRASIL, 2011). Partindo da ideia de que o AEE disponibiliza recursos pedagógicos que podem colaborar com o desenvolvimento dos alunos PAEE, é possível perceber que o mesmo favorece a realização de um trabalho articulado com diferentes conteúdos (SILVA, 2015) e outras disciplinas, incluindo a Educação Física. A Resolução CNE/CEB nº 4/2009 (BRASIL, 2009), a qual institui diretrizes operacionais para o AEE na Educação Básica, estabelece no artigo 9º que: A elaboração e a execução do plano de AEE são de competência dos professores que atuam na sala de recursos multifuncionais ou centros de AEE, em articulação com os demais professores do ensino regular, com a participação das famílias e em interface com os demais serviços setoriais da saúde, da assistência social, entre outros necessários ao atendimento. 124 Os professores do AEE precisam vincular seu conhecimento com os professores da sala de aula regular (PASIAN, MENDES; CIA, 2017), como também orientar e formular estratégias com esses discentes para efetivar a participação dos estudantes PAEE nas aulas. E é nesse sentido que buscaremos discutir a importância da parceria entre professores do AEE e de Educação Física no atendimento desses estudantes. A disciplina de Educação Física tem recebido um reconhecimento educacional crescente pelas seguintes razões: ser considerada um fator indispensável para a promoção e manutenção de estilos de vida saudável; ter sido valorizada curricularmente e; pelos resultados em estudos que demonstram a importância do comprometimento em atividades motoras nos resultados acadêmicos. Assim, os autores salientam que essa crescente importância da Educação Física suscita novas exigências sobre o seu caráter inclusivo, sendo importante reconfigurar valores, concepções e práticas, para que ela se constitua como uma disciplina e uma área fortemente inclusiva (LIMA; RODRIGUES, 2020). De acordo com a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) a Educação Física, enquanto disciplina escolar, deve abranger práticas corporais que possibilitem experiências sociais, estéticas, afetivas e lúdicas (BRASIL, 2018). Deve haver um planejamento das aulas com base nas características dos alunos e nível de complexidade exigido (MANZINI, 2010) e é nesse contexto, que professores do AEE e de Educação Física devem trabalhar juntos, compartilhando seus conhecimentos para planejarem estratégias que alcancem o aprendizado de todos os alunos, sendo estudantes PAEE ou não. Mahl (2016, p.100) assume que: Acredito, deste modo, que a Educação Física, mais do que nunca, precisa provocar reflexões que vão desde sua peculiaridade/especificidade (corpo e movimento humano)até a formação de seus professores para atuarem com a diversidade presente nas características físicas, sensoriais, psíquicas, atitudinais, comportamentais, sociais e intelectuais de seus alunos. Isso se faz necessário, principalmente, em função do percurso histórico vivenciado pela 125 Educação Física, cujos interesses fundamentavam a seleção de pessoas aptas, fortes, resistentes, saudáveis, perfeitas, habilidosas e eficientes para as práticas corporais. Logo, a participação nas aulas de Educação Física era limitada e até mesmo excludente para aqueles que não atendiam a estes interesses. Com a finalidade de diminuir ou até mesmo de remover as barreiras à participação e à aprendizagem dos estudantes nas aulas de EF, é fundamental que as práticas educativas deixem de ser homogêneas, em que uma proposta é utilizada para ensinar a todos, e passem a ser diferenciadas, ou seja, sejam apresentados aos estudantes um conjunto de possibilidades e de opções que possam enquadrar a diversidade das suas motivações, capacidades e competências (LIMA-RODRIGUES; RODRIGUES, 2020). É evidente que todas as disciplinas têm suas especificidades e refletir sobre cada uma delas é um fator importante de desenvolvimento profissional que deve ser contínuo e centrado nos contextos onde ocorrem. Vale ressaltar, no entanto que para que o processo de inclusão dos estudantes nas aulas seja um sucesso, é essencial que se estabeleçam canais de comunicação e de colaboração entre os professores, com o intuito de se relacionar e refletir conjuntamente, recebendo e oferecendo contribuições para resolver problemas de participação dos estudantes nas aulas de Educação Física. A resolução da CNE/CEB nº 4/2009, estabelece que os professores do AEE devem articular-se com os professores da classe regular, no caso do presente estudo, com os discentes da EF, para a disponibilização dos serviços e recursos e o desenvolvimento das atividades para a participação e ensino-aprendizagem de estudantes PAEE (BRASIL, 2009). Simões et al (2022, p. 45) afirmam que: No caso específico da EF, um grande desafio é ir além de uma adequação material, ambiental e metodológica para a vivência das práticas corporais. É preciso desafiar os sujeitos envolvidos perante uma reorganização da aula, de forma que objetivos, conteúdos, métodos e recursos possam ser 126 experimentados, compreendidos e explicados de acordo com os limites e possibilidades pessoais e grupais. Silva e Fumes (2014) ressaltam que a delimitação, tanto dos objetivos do AEE quanto da EF, podem ser norteados de forma contínua, levando em conta as experiências vivenciadas e respeitando a particularidade de cada aluno, pois consideram positivo o diálogo entre esses profissionais, mesmo que em conversas informais, pois estas se configuram como uma iniciativa na busca de estratégias para o desenvolvimento de estudantes PAEE e para a classe, no geral. Nessa mesma perspectiva, Silva, Santos e Fumes (2014) evidenciam que à medida que os professores de EF e AEE adotam uma postura de colaboração e compartilham os saberes, podem contribuir para uma educação de fato inclusiva. Os professores podem compartilhar suas dificuldades e juntos, buscarem soluções e estratégias juntos aos estudantes na escola. É relevante pontuar que o professor do AEE se sente inseguro em relação aos conteúdos de EF por não possuir formação nesta área de conhecimento e, com base nas experiências das autoras do capítulo, este é um dos motivos que faz com que muitas vezes não ocorra o diálogo entre os dois professores no ambiente escolar. Todavia, queremos salientar que o professor do AEE pode sim ajudar a facilitar o trabalho do discente de EF no seu dia a dia, mesmo que não esteja presente nas aulas dessa disciplina, pois conhecendo as especificidades do aluno PAEE pode auxiliar com orientações, métodos e estratégias que facilitem a inclusão escolar dos estudantes. Assim sendo, iremos detalhar algumas possibilidades que auxiliem a parceria e diálogo entre os professor do AEE e EF no ambiente escolar, com base em nossas experiências de trabalhos no ensino fundamental I e II, para que os discentes possam trabalhar em colaboração e, efetivar cada vez mais, o processo de ensino-aprendizagem de todos os estudantes. 127 Propostas para a parceria entre o professor de AEE e o professor de EF Neste trabalho destacamos a importância da realização de um trabalho em parceria entre os dois professores, de AEE e EF, para que alunos como Mariana possam participar das aulas de forma efetiva e se beneficiar do processo de ensino-aprendizagem. Para que essa parceria aconteça no ambiente escolar é importante levar em consideração a carga horária dos dois professores. O AEE é realizado, segundo a resolução CNE/CEB Nº 4/2009, no turno inverso da escolarização, na sala de recursos multifuncionais da própria escola ou até mesmo em uma próxima (BRASIL, 2009), fato que inviabiliza, na maioria das vezes, que este professor realize reuniões com os demais, incluindo o professor de EF, para orientar ou planejar ações e estratégias que auxiliem na inclusão dos estudantes PAEE. Esta situação é evidenciada por Silva, Santos e Fumes (2014) em seu estudo que teve como objetivo compreender o conhecimento de professores de Educação Física acerca do AEE e da sala de recursos multifuncionais, como ainda as suas experiências com esse atendimento. Ao analisar os dados das entrevistas dos quatro professores de Educação Física, os autores constataram que apenas um dos professores relatou não ter conhecimento sobre os atendimentos na sala de recursos multifuncionais, ao passo que os demais conheciam a existência do AEE na escola, embora não realizassem nenhuma ação em parceria. Há uma similitude destes dados com os de Walter, Harnisch e Borella (2020), quando verificado que a função do AEE ainda é desconhecida pelos professores de EF por eles investigados. É importante que os gestores e os profissionais que atuam nas escolas se organizem a fim de possibilitar que os diálogos entres os professores de AEE e os demais professores aconteçam, para que então seja possível realizar um trabalho colaborativo de qualidade. Esses diálogos podem ocorrer durante a jornada de trabalho do professor, pois a lei 11.738/2008 (Brasil, 2008) 128 determinou que dois terços da carga horária seja destinada ao desempenho das atividades de interação com os educandos, sendo o outro terço destinado a atividades pedagógicas extraclasse, para que o professor planeje suas aulas e aperfeiçoe a sua prática (elaboração de planejamento, formação continuada e reunião com professor do AEE). É possível que a gestão da escola programe reuniões entre esses professores, ajustando a grade de horários dos mesmos em encontros semanais ou quinzenais, e além disso, esses momentos também podem ocorrer em horários de trabalho pedagógico coletivo ou nos conselhos finais. Atualmente, também é possível contar com ferramentas que possam auxiliar na organização de reuniões ou na troca de informações entre os professores, tais como aplicativos de mensagens instantâneas e chamadas de voz e vídeo, e os serviços de comunicação por vídeo, como por exemplo o Skype, Google Meet, WhatsApp, entre outros. Carvalho, Costa e Dias (2018) discutem que para que seja possível realizar um trabalho colaborativo na escola, são necessárias três etapas: definição do dia, horário, local e objetivos para a realização do planejamento; elaboração de um plano de trabalho colaborativo; e execução, acompanhamento, reflexão e avaliação do plano de trabalho colaborativo. O trabalho colaborativo se torna importante à medida que auxilia a todos os estudantes a participarem de forma efetiva e com sucesso das atividades. Apesar do AEE ser normalmente realizadoo acesso, em igualdade de oportunidades com as demais pessoas, ao meio físico, ao transporte, à informação e comunicação (...) bem como a outros serviços e instalações abertos ao público ou de uso público. (...) Essas medidas, que incluirão a identificação e a eliminação de obstáculos e barreiras à acessibilidade(...). (BRASIL, 2009, p.6). No mesmo ano de 2009 é criado o Instituto Brasileiro de Museus (IBRAM), através da Lei nº 11.906, sendo dedicado à articulação, ao fortalecimento, à promoção e à valorização dos museus no Brasil. Conforme essa lei, as instituições museais são definidas como: 17 (...) instituições sem fins lucrativos que conservam, investigam, comunicam, interpretam e expõem, para fins de preservação, estudo, pesquisa, educação, contemplação e turismo, conjuntos e coleções de valor histórico, artístico, científico, técnico ou de qualquer outra natureza cultural, abertas ao público, a serviço da sociedade e de seu desenvolvimento (BRASIL, 2009, p.1). Já em 2012 o IBRAM lança o volume 2 de Cadernos Museológicos intitulado: Acessibilidade a Museus. Na perspectiva desse documento: além de preservar, é fundamental garantir o acesso, garantir a acessibilidade como um direito de cidadania. (COHEN, DUARTE e BRASILEIRO, 2012). Ademais, o modelo que conhecemos hoje, não se limita a um espaço de preservação de documentos e ou objetos, mas como espaço de pesquisa, comunicação, práticas educativas, preservação e interpretação. Essas instituições são ainda, espaços educativos e de memória que tem como atribuição sua preservação e disseminação, favorecendo assim, a construção de identidades de cunho social. Meneses trata do ato de rememoração que está presente nos museus, afirmando que “é mais eficiente do que a escrita e outros sistemas intermediados de registro já que a matriz sensorial facilita a rememoração” (MENESES, 1994, p.9). Partindo desse princípio, é importante considerar o fato de que os processos educativos ocorrem não apenas nos ambientes formais de educação (mais especificamente as escolas), mas para além deles. Marandino (2008) descreve os sistemas educacionais em três categorias: formal, não-formal e informal. Os espaços formais de educação são aqueles que possuem papel central na formação dos sujeitos, a partir de uma organização sistemática de saberes institucionalizado. Esses saberes possuem algumas características peculiares como o regimento legal, uma ordem sequencial e disciplinas, e uma divisão feita a partir de níveis de conhecimento. As escolas comuns são exemplos de espaços referenciados para a educação formal. Mas, afinal, o que é educação? Ao formular a definição de educação, Libâneo (2010) analisa que há visões reducionistas e parcializadas, a compreendendo 18 somente como processos de escolarização. Contudo, a educação vai além dessa perspectiva. Na concepção histórico-social, Libâneo formula a seguinte definição para educação A educação, enquanto atividade intencionalizada, é uma prática social cunhada como influência do meio social sobre o desenvolvimento dos indivíduos na sua relação ativa com o meio natural e social, tendo em vista, precisamente, potencializar essa atividade humana para torná-la mais rica, mais produtiva, mais eficaz diante das tarefas da práxis social postas num dado sistema de relações sociais. O modo de propiciar esse desenvolvimento se manifesta nos processos de transmissão e apropriação ativa de conhecimentos, valores, habilidades, técnicas, em ambientes organizados para esse fim. (LIBÂNEO, 2010, p.82). Libâneo (2010) descreve que há duas modalidades de educação intencional, sendo a educação formal e a educação não-formal. A educação informal, por sua vez, está permeada pela falta de intencionalidade. Sendo assim, os museus se encontram na qualidade de educação não-formal, ou seja, há o caráter de intencionalidade, porém com “baixo grau de estruturação e sistematização, implicando certamente relações pedagógicas, mas não formalizadas”. (LIBÂNEO, 2010, p.89). Os espaços não-formais de educação, são caracterizados como aqueles em que os processos educativos ocorrem de maneira diferente do que é estabelecido ou explorado pelas escolas. A educação em espaços não-formais está voltada para a Pedagogia Social, os quais os saberes são não institucionalizados. A intencionalidade no educar, é a similaridade existente entre a educação nos espaços formais, não-formais e informais; o que nos remete à tese de Paulo Freire sobre a práxis (ação versus reflexão) em prol da transformação. Freire destaca ainda que o museu é um espaço que “(...) convoca a imaginação, a intuição, as emoções, a capacidade de conjectuar, de comparar na busca (...) do objeto ou do achado de sua razão de ser.” (FREIRE, 1997, p.88). Sobre o público dos museus, Marandino (2008) expõe que os museus têm modificado seu conceito e com isso o seu público, porém ainda é um espaço excludente, sendo as visitas livres 19 compostas, em sua grande maioria, por pessoas de maior poder aquisitivo. As visitas ao museu contam com a presença de pesquisadores e estudiosos das áreas afins às exposições. Entretanto, o público mais expressivo são as visitações escolares, seguido dos familiares dos estudantes, após o incentivo da visita escolar. Pode-se considerar que as visitas escolares, especificamente das escolas públicas são, muitas vezes, uma oportunidade única dos estudantes das camadas mais pobres da sociedade terem acesso aos espaços museais, promovendo assim uma acessibilidade social. Marandino (2008) aborda sobre a importância da experiência e vivência das visitas museais que por meio dos objetos o visitante pode se sensibilizar e se apropriar dos conhecimentos expostos, assim como compreender os aspectos sociais, históricos, técnicos, artísticos e científicos envolvidos. (MARANDINO, 2008, p.20). Do ponto de vista da acessibilidade a museus para as pessoas com deficiência, durante muito tempo o âmbito arquitetônico e de acesso físico foi considerado como o aspecto predominante, algumas vezes reduzindo-se a instalação de rampas e banheiros adaptados. Todavia, o acesso a um museu e às exposições envolve também a percepção dos objetos, documentos e histórias que ali se encontram, como um princípio educativo e contemplativo. A Lei nº 13146 de 2015, conhecida como Lei Brasileira de Inclusão em seu artigo 42 pontua que “o poder público deve adotar soluções destinadas à eliminação, à redução ou à superação de barreiras para a promoção do acesso a todo patrimônio cultural (...)” (BRASIL, 2015, p.27). Sassaki (2005) analisa que, no âmbito da acessibilidade, pode-se caracterizar seis dimensões: arquitetônica, comunicacional, metodológica, instrumental, programática e atitudinal. Por acessibilidade arquitetônica compreende-se as barreiras ambientais e físicas, internas e externas dos espaços públicos, bem como dos transportes coletivos. Acessibilidade comunicacional subdivide-se em comunicação interpessoal, comunicação escrita e 20 comunicação virtual. Englobando as barreiras na comunicação interpessoal: face a face, a língua de sinais e demais linguagens. Na comunicação escrita: jornal, revistas, etc, que estejam acessíveis com textos em braile ou letras ampliadas, para quem tem baixa visão. Na comunicação virtual: a acessibilidade virtual. Por acessibilidade metodológica compreende-se métodos, técnicas de estudo, adaptações curriculares, aulas baseadas nas inteligências múltiplas, uso de diversos estilos de aprendizagem, através de novos conceitos de educação e didática. Acessibilidade instrumental subdivide-se em instrumentos, que se refere aos instrumentos e utensílios de estudo (lápis, régua e demais materiais pedagógicos); de atividades da vida diária e de lazer, esporte e recreação. Já a acessibilidadepor professores especializados ou por educadores especiais, os quais não necessariamente detêm conhecimentos específicos da área de Educação Física Adaptada (MUNSTER e ALVES, 2018), este profissional poderá ensinar meios para que o professor de EF melhore suas aulas e as tornem mais inclusivas. No estudo de caso citado no início deste trabalho foi exemplificada uma situação em que a estudante Marina ainda não consegue participar de forma efetiva das aulas de Educação Física, por apresentar dificuldades em realizar as atividades 129 propostas. Esta dificuldade pode estar relacionada, dentre outros aspectos, a falta de acesso do professor, a respeito das características e necessidades especiais dos estudantes PAEE, relatada na literatura como uma das dificuldades encontradas pelos professores de EF como um dos fatores que podem dificultar ou até mesmo inviabilizar o processo de inclusão escolar (GREGUOL, MALAGODI; CARRARO, 2018). Diferente do que geralmente acontece em países norte americanos e europeus, em que as informações e o plano de ação relativas ao processo educacional de um estudante PAEE ficam a disposição de todos os envolvidos, o sistema educacional brasileiro não possui uma sistematização em rede das informações contidas no Plano de Ensino Individualizado (PEI) ou possíveis dados que possam auxiliar o professor. (MUNSTER e ALVES, 2018). As autoras salientam que “no Brasil, embora não haja uma determinação legal prevendo a obrigatoriedade de um documento similar ao PEI, é possível reconhecer a necessidade e importância do mesmo” (p. 177). Normalmente, quando existe a elaboração desse documento, ele fica a cargo do professor de AEE e, de fato, as escolas podem se organizar para que todos os professores tenham acesso a ele e, inclusive, auxiliem em sua confecção. Existem diferentes formas e estruturas de um plano educacional individualizado, mas em geral, nele devem conter observações sobre a escolaridade e o desenvolvimento do aluno, as habilidades a serem trabalhadas, além de estarem descritas as ações que serão desenvolvidas e articuladas com o professor do ensino regular. Muster et al. (2014) elaboraram e validaram a versão em português do Plano de Ensino Individualizado especificamente concebido para o contexto da Educação Física Escolar (PEI-EF), visando direcionar o planejamento das ações nesse âmbito. Como em um PEI convencional as informações específicas da área de EF não dispõem de um campo próprio para registro, os autores revelam que esperam que o PEI-EF contribua para que o professor de EF possa compreender as necessidades do estudante, 130 estabelecer metas e propor ajustes curriculares e modificações metodológicas especificamente organizadas para as aulas de EF. É importante que o professor do AEE e o de Educação Física definam em conjunto os conteúdos das aulas, objetivos das atividades, recursos que serão utilizados e as formas de avaliação. Todos os tópicos devem ser registrados para o futuro acompanhamento e modificações no plano, se necessário. Lima, Ferreira e Silva (2018) evidenciam que o planejamento educacional individualizado pode proporcionar a criação de estratégias pedagógicas específicas a serem utilizadas no desenvolvimento das áreas acadêmicas e de habilidades sociais de estudantes com deficiência, dependendo da faixa etária, do nível de desenvolvimento e/ou interesse. Fiorini, Deliberato e Manzini (2013) discutem que as estratégias de ensino são flexíveis, e por isso, os professores devem discernir quais são adequadas e contribuem para a participação de todos os alunos, sendo PAEE ou não. As estratégias devem ser mantidas desde que, sejam avaliadas pelos professores como favoráveis à participação dos alunos. Tomando como exemplo o caso de Mariana, o professor de AEE, tendo o conhecimento sobre as especificidades da estudante, poderia passar algumas orientações ao professor de EF, com o intuito de colaborar na elaboração de uma aula de EF que contribuísse para que sua participação fosse efetiva, dentre elas: (a) progredir as atividades lentamente, apresentando pequena quantidade de informação por vez; (b) explorar vários tipos de ambiente (atividades de EF na quadra, sala de aula, pátio, fora do ambiente escolar); (d) utilizar materiais diversificados; (e) dar orientações claras, explicando sempre, sobre a atividade a ser realizada; (f) sempre levar em consideração as preferências individuais dos estudantes e aplicar atividades funcionais a eles, que façam sentido com sua realidade, entre outras orientações (MUNSTER, 2012). Como o professor de AEE trabalha com os estudantes PAEE no contraturno escolar, normalmente não acompanha as aulas de 131 EF. Neste sentido, para auxiliar o professor de EF em suas aulas, o professor de AEE pode apresentar e recomendar ao professor de EF a utilização da estratégia do colega tutor. Na tutoria um estudante sem deficiência realiza um treinamento para auxiliar voluntariamente o estudante PAEE, o que faz com que ele também ajude o professor de EF (FIORINI; RIBEIRO, 2013). Para que a utilização do colega tutor tenha êxito, é essencial que seja realizado um treinamento com os estudantes tutores a fim de que possam exercer a função de auxiliar na aprendizagem do tutorado (aluno PAEE). Neste contexto, para transformar a interação de colaboração em uma relação de tutoria verdadeira, é necessário que seja realizado um treinamento prévio, especialmente dos tutores (MARINS e LOURENÇO, 2021). Em seu estudo, Souza et al. (2017) relatam um caso em que a utilização do colega tutor, enquanto estratégia, contribuiu com o processo de inclusão nas aulas de EF. Ao analisar o efeito da atuação do colega tutor junto a um estudante com deficiência intelectual nas aulas de Educação Física, os autores verificaram que a intervenção dos colegas tutores melhorou o nível de participação do estudante com deficiência intelectual associada ao transtorno do espectro autista nas aulas de EF. Orlando (2010) também observou que a tutoria proporcionou uma melhora na participação das alunas com deficiência visual nas aulas de EF. Quando pensamos no estudo de caso apresentado no início do capítulo, entendemos que se o professor de EF de Marina tivesse tido conhecimento sobre a tutoria por pares e realizado o treinamento necessário para que a tutoria se desenvolvesse de forma eficiente, a estudante poderia ter melhorado seu nível de participação nas aulas de EF. O professor do AEE também pode ajudar e orientar o professor de EF na confecção de materiais e recursos pedagógicos que serão utilizados nas aulas. De acordo com o estudo de Fiorini e Manzini (2014) em que eles entrevistaram professores de EF que atuavam no ensino fundamental I (primeiro ao quinto ano), os mesmos demonstravam dificuldade de trabalhar com a inclusão 132 de estudantes PAEE devido a entender como e quais materiais utilizarem em suas aulas. Segundo a Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva (2008), é função do professor do AEE: “Identificar, elaborar, produzir e organizar serviços, recursos pedagógicos, de acessibilidade e estratégias considerando as necessidades específicas dos alunos público-alvo da educação especial” e dessa forma, auxiliar também o professor do EF. Outrossim, dentre as atribuições do professor de AEE estão a de orientar e utilizar os recursos de Tecnologia Assistiva (TA), dentre elas: as tecnologias da informação e comunicação, a comunicação alternativa e aumentativa, a informática acessível, o soroban, os recursos ópticos e não ópticos, os softwares específicos, os códigos e linguagens, as atividades de orientação e mobilidade entre outros; de forma a ampliar habilidades funcionais dos alunos, promovendo autonomia, atividade e participação (BRASIL,2008). Segundo o Comitê Nacional de Ajudas Técnicas: Tecnologia Assistiva é uma área do conhecimento, de característica interdisciplinar, que engloba produtos, recursos, metodologias, estratégias, práticas e serviços que objetivam promover a funcionalidade, relacionada à atividade e participação, de pessoas com deficiência, incapacidades ou mobilidade reduzida, visando sua autonomia, independência, qualidade de vida e inclusão social. Em seu trabalho, Laughlin et al. (2018) descreveram aos professores de EF um conhecimento prático sobre a TA, juntamente com recomendações para auxiliar seus alunos PAEE. Segundo os autores, a TA complementa e apoia a aprendizagem de alunos com deficiência na escola e em casa, salientando que os dispositivos e serviços de tecnologia assistiva operam como um processo, garantindo que os estudantes PAEE tenham acesso ao aprendizado em todos os ambientes educacionais. Ao indicar ao professor de EF o uso da Tecnologia Assistiva em suas aulas, além mostrar alguns exemplos de recursos de TA 133 que possam ser utilizados nas aulas de EF, o professor de AEE também estará colaborando para favorecer a inclusão de todos os estudantes nas aulas. Pensamentos Finais Durante nossas considerações, refletimos sobre a importância do diálogo entre o professor do AEE e o discente de EF, além de trazer algumas possibilidades de parceria na prática que facilitem a inclusão escolar, como: (a) conversas formais e informais, durante os horários de trabalho pedagógico ou via plataformas online de mensagens e vídeos; (b) elaboração do PEI (Plano de Ensino Individualizado); (c) treinamento de colegas tutores; e (d) orientações sobre materiais adaptados e recursos de Tecnologia Assistiva. É relevante salientar que foram apresentadas algumas possibilidades para a realização do trabalho em parceria entre os professores de AEE e EF, sendo necessário considerar o contexto escolar do qual eles participam para que as estratégias sejam elaboradas em conjunto. Contudo, durante as leituras realizadas para a articulação do capítulo, notamos que há rupturas na organização do sistema educacional, que dificultam a parceria e diálogo entre esses professores. Entendemos que uma delas pode estar relacionada ao fato de o Atendimento Educacional Especializado ser realizado no contraturno escolar, o que faz com que o professor do AEE não consiga acompanhar as aulas de EF e nem ao menos dialogar com o mesmo por incompatibilidade de horários. Entendemos também que, por questões burocráticas, o trabalho em conjunto dos professores é inviabilizado, uma vez que são muitos documentos para preencher diariamente e semanalmente (por parte dos discentes de AEE e EF), o que faz com que o professor utilize seu horário de trabalho pedagógico para o preenchimento desses papéis, e consequentemente a conversa com os demais professores permanece em segundo plano. Por isso, ressaltamos a importância do PEI como um documento único, em que todos os 134 professores e gestores participam de sua elaboração, diminuindo a quantidade de documentos burocráticos preenchidos, por entendermos que nele constarão todas as informações necessárias para trabalhar com os estudantes. Outro ponto que nos chama a atenção e nos mostra o porquê do trabalho em conjunto ter relevância é o fato de normalmente o professor de AEE não ter conhecimento sobre os conteúdos da EF e o professor de EF não ter saber como trabalhar com as especificidades dos estudantes PAEE. Mas, quando há o diálogo entre os dois e uma troca de conhecimentos, conseguem complementar o trabalho um do outro e planejar as aulas de maneira que os estudantes sendo PAEE ou não, participem de forma efetiva. Percebemos, em nossa experiência na educação, que outro motivo de o diálogo entre os professores não ocorrer seja em decorrência de alguns professores optarem por trabalhar de maneira individual, e portanto, ressaltamos a necessidade do incentivo, por parte da gestão escolar, em incentivar o trabalho em colaboração e o diálogo entre todos os profissionais envolvidos com a educação, vistos que entendemos que os alunos PAEE são de responsabilidade de toda a escola, não apenas dos professores que estão trabalhando com ele em determinado momento. Quando propomos discutir e refletir sobre a importância do trabalho em parceria entre os professores de EF e de AEE, a fim de possibilitar a participação dos alunos PAEE de forma efetiva nas aulas não tivemos a pretensão de esgotar as discussões sobre o tema, mas proporcionar reflexões que auxiliem o trabalho dos professores que atuam na escola. Entendemos que seja necessário que repensem suas práticas e possam considerar o trabalho em parceria como uma das possibilidades para auxiliar no processo de inclusão de estudantes PAEE nas aulas de forma efetiva. Atualmente, estão surgindo vertentes que ajudam na questão da inclusão escolar e para sanar essa dificuldade de diálogos que existe entre os professores, como o ensino colaborativo em que os professores de educação especial da classe regular trabalham 135 juntos em sala e o Desenho Universal da Aprendizagem. Não iremos nos aprofundar nas abordagens, mas consideramos importante citar que já há movimentos para reorganizar o processo de inclusão dentro das escolas. Com o trabalho em conjunto dos professores, o AEE e a EF podem auxiliar no desenvolvimento de habilidades sensório-motoras, atenção e concentração, orientação espacial, expressão criativa, linguagem e comunicação, coordenação motora e fina, cumprimento de regras, trabalho em conjunto e socialização. Referências BRASIL. Ata VII – Comitê de Ajudas Técnicas – CAT. Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República (CORDE/SEDH/PR). 2007. Disponível em: https://www.assistiva.com.br/Ata_VII_Reuni%C3%A3o_do_Comite_de_Ajudas_T%C3%A9cnicas.pdf. Acesso em: 25 jul. 2022. BRASIL. Decreto nº 7.611, de 17 de novembro de 2011. Dispõe sobre a educação especial, o atendimento educacional especializado e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 18 nov. 2011. BRASIL. Lei nº 11.738, de 16 de julho de 2008. Regulamenta a alínea “e” do inciso III do caput do art. 60 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, para instituir o piso salarial profissional nacional para os profissionais do magistério público da educação básica. Brasília, 2008. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2008/lei/l11738.htm. Acesso em: 05 jul. 2022. Brasil. Ministério da Educação. Base Nacional Comum Curricular. Brasília: MEC; 2018. 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Acesso em: 18 jul. 2022. 140 141 Inclusão e formação de profissionais para atuarem com crianças dentro do espectro autista Rafael Vilas Boas Garcia Ana Paula Aporta Ana Cristina Israel Guimarães Diana Batista Xaud Araujo O movimento destinado a inclusão de estudantes público-alvo da Educação Especial (PAEEs - Definição adotada na Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva Inclusiva; BRASIL, 2008) na escola de acesso comum a todos vem ganhando força ao longo dos anos. Por exemplo, já na constituição da República Federativa do Brasil (1988) é possível identificar elementos em seu texto que possuem inclinação ao atendimento de crianças (independentemente de suas características) na escola comum. Mais adiante, são publicadas outras leis, decretos, portarias e ementas que objetivam estabelecer descrições mais detalhadas deste movimento de ações inclusivas, tal como: ● Portaria nº 1.793 de 16 de dezembro de 1994 que Recomenda a inclusão de conteúdos relativos ao atendimento a pessoa com deficiência; ● Decreto nº 3.298, de 20 de dezembro de 1999 que dispõe sobre a política nacional para a integração da pessoa com deficiência e define a educação especial como modalidade transversal a todos os níveis e modalidades de ensino; ● Resolução CNE/CP nº 2, de 11 de setembro de 2001 que Institui Diretrizes Nacionais para a Educação Especial na Educação Básica; ● Parecer CNE/CP nº 11, de 22 de junho de 2001 que apresenta indagações e reflexões sobre o desenvolvimento do 142 processo inclusivo instituído nos aspectos legais brasileiros; dentre outras. Além da legislaçãoque trata dos processos inclusivos amplos, ou seja, que atendem a todos os estudantes público-alvo da Educação Especial - PAEEs, observa-se a publicação de materiais que objetivam organizar as diretrizes para a educação com foco em cada uma das deficiências. Estas ações se alinham com os apontamentos da literatura sobre a necessidade de olhares diferenciados para cada situação (Aporta, 2019). Podemos citar, por exemplo, algumas leis específicas para cada deficiência, sendo: ● Lei nº 10.436, de 24 Abril de 2002 que dispõe sobre a Língua Brasileira de Sinais – LIBRAS e dos direitos da pessoa surda; ● Portaria MEC nº 2.678, de 24 de setembro de 2002 que dispõe sobre o uso do Braille na educação; ● Decreto n°. 5.626, de 22 de dezembro de 2005 que amplia e regulamenta a LIBRAS na educação; ● Nota técnica MEC nº 6, de 11 de março de 2011 que dispõe sobre avaliação de estudante com deficiência intelectual; ● Lei nº 12.764, de 27 de dezembro de 2012 que institui a Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista; Dentre outras. Desta forma, constata-se o atendimento as ações de preocupação, por parte dos agentes que estruturam o Sistema Educacional Brasileiro, com o desenvolvimento educacional de estudantes PAEEs no Brasil. Como marco legal, entende-se que seja a Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva de 2008, que fundamenta o processo existente na visão da Educação Especial na perspectiva de torná-la uma Educação Inclusiva. Com base nesta proposta política, ações mais assertivas começaram a se articular na direção do atendimento de qualidade aos estudantes PAEEs no ensino de acesso comum no Brasil. No entanto, ainda que os aspectos legislativos sejam fundamentais para servir como base para o entendimento de tudo aquilo que seja de direito da pessoa com deficiência, outras ações ainda se fazem necessárias (Bueno e Meletti, 2011; Mahl e col., 2012; 143 Neve, Rahme & Ferreira, 2019). A partir do movimento inclusivo, foram publicados alguns decretos que objetivaram minimizar as barreiras do processo de inclusão, tal como o decreto nº 7.611, de 17 de novembro de 2011, que dispõe sobre a educação especial, o atendimento educacional especializado e outras providências. Neste decreto, observa-se a preocupação com outras esferas do desenvolvimento da pessoa com deficiência no âmbito escolar. Mais adiante, começam as pesquisas voltadas a verificar os efeitos dos marcos legais no processo educacional direto das Unidades Escolares, tal como as pesquisas de Boettger, Lourenço e Capellini (2013), Faboretto e Lamônica (2014), Khoury (2014) e Aporta e Lacerda (2018), dentre outros. Em suma, se evidencia a fragilidade no processo inclusivo no Brasil, em suas diversas áreas, condições, proposições e implicações. Ainda que os elementos legais estabeleçam ocasião para implementação de uma política, às práticas escolares não acompanharam este movimento, permanecendo com estruturas, financiamento e propostas educacionais que não favorecem a inclusão de pessoas com deficiências. Quando se observa as ações específicas para a inclusão de estudantes PAEEs, de acordo com autores da área (Mahl e col., 2012; Denari, 2009, por exemplo), constata-se que as deficiências sensoriais (deficiência física, surdez e cegueira) possuem marcadores de ações inclusivas mais explícitos. Pode-se citar como exemplo as acessibilidades arquitectónicas para estudantes com deficiências físicas, uso de material em braile para estudante cego e uso da Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS) para estudante surdo. No entanto, a Deficiência Intelectual e Transtorno do Espectro Autista não possuem marcadores de ações explícitas, tais como das sensoriais. Com o propósito de apresentar ações inclusivas para o público que não possui ações explícitas, este capítulo abordará um grupo desta população, sendo o Transtorno do Espectro Autista (TEA) que, de acordo com o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM), em sua 5 edição (APA, 2013), é caracterizado por déficits na comunicação e comportamentos fixos 144 e repetitivos. Atualmente, em 2022, foi implementada a 11º versão da Classificação Internacional de Doenças (CID; WHO, 2019), que unifica os quadros diagnósticos e apresenta uma versão baseada em “níveis de apoio” que a pessoa diagnosticada possui. De acordo com o CID-11, existem 6 subníveis de classificação, variando, também, por estar associado a Deficiência Intelectual ou não, assim como uso de linguagem funcional ou não. O Protocolo do Estado de São Paulo de Diagnóstico Tratamento e Encaminhamento de Pacientes com Transtorno do Espectro Autista (TEA) e as Diretrizes de Atenção à Reabilitação da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista (TEA) surgem como documentos de suporte ao processo inclusivo no Brasil. Em ambos os documentos, é possível encontrar informações relativas ao diagnóstico (à equipe, o que é feito no processo, o que é avaliado, dentre outros), intervenções (com eficácia científica, quem pode realizar, quais estratégias mais efetivas, dentre outras), inclusive, apresenta alguns questionários/entrevistas que podem ser utilizados no processo diagnóstico. Tendo como base os dois documentos citados e considerando que se trata de um Espectro, as manifestações podem variar em intensidade, frequencia e características. Pode-se ter como exemplo a total ausência de fala funcional até falas extremamente refinadas, mas sem percepção de momento/contexto. Assim como para os comportamentos fixos e repetitivos, que podem variar de estereotipias físicas (flaps de mãos o balanço do corpo todo) até rituais que precisam ser realizados de maneira inflexível na rotina da criança, tal como ir a escola por apenas uma rua ou utilizando roupas de uma cor específica. Destaca-se que, em ambos os documentos, há enfoque no reconhecimento dos sinais diagnósticos e intervenções precoces do TEA. Este dado se alinha com os apontamentos obtidos na literatura sobre os efeitos de intervenções intensivas e precoces (Loovas, 1987; Reichow, 2012). Recentemente um estudo conduzido por Andalécio e col. (2019) com o objetivo de verificar os efeitos da aplicação de um modelo de Intervenção Comportamental 145 Intensiva, realizado por meio da capacitação dos cuidadores, no desenvolvimento de uma criança dentro do Espectro Autista gravemente comprometida e não falante apresentou dados de efeitos significativos no desenvolvimento da criança. Participou da pesquisa uma criança de 2 anos e 2 meses (inicialmente) em uma intervenção intensiva (40 horas semanais). A intervenção foi baseada nos princípios da Análise Aplicada do Comportamento (ABA, do inglês Applied Behavior Analysis), sendo realizadas diretamente com a criança e por meio de formação de equipe (cuidadores, profissionais da escola e de outras clínicas). Os resultados obtidos após os cinco anos de intervenção apontam para melhora no desenvolvimento para quase os padrões comparativos de uma criança sem deficiência. Uma das indicações dos autores para justificar o resultado positivo se dá pela qualidade da formação dos profissionais que atuaram com a criança. Desta maneira, considerando a complexidade do transtorno, reafirma-se a importância de formação adequada para profissionais atuarem com essa população (Aporta, 2015; Andalécio e col., 2019). Constata-se, a partir da análise de pesquisas realizadas e identificadas na literatura (Reichow, 2012; Aporta, 2015; Higbee e col., 2017; Aporta e Lacerda, 2018), a preocupação existente na comunidade científica sobre o impacto da formação de profissionais para atuarem junto a crianças com TEA. No entanto, as formações para profissionais se mostram caras e de restrito acesso (Higbee e col., 2017; São Paulo, 2012). Em uma pesquisa conduzidapor Aporta (2015) participaram de uma formação quatro participantes (professores) que já atuavam com crianças dentro do Espectro Autista em uma instituição de atendimento especializado a pessoa PAEE do Interior do Estado de São Paulo. A formação foi conduzida a partir de pacotes de ensino informatizados. Para tal, a autora utilizou delineamento de linha de base múltipla entre os sujeitos. A escolha por esse delineamento, de acordo com a autora, se deu pela oportunidade de se verificar o efeito do ensino adotado entre cada participante. A formação contou com quatro módulos 146 contendo, cada um deles, a) instrução da pesquisadora (não informatizada), b) pré-teste, c) apresentação dos conteúdos por meio de computador (vídeos, textos, gráficos e áudios narrativos) e d) pós-teste. Os resultados obtidos pela autora apontam para o sucesso na formação adotada e, além do resultado direto com os participantes, destaca-se a possibilidade de utilização de procedimentos de ensino informatizados em larga escala, tornando a formação mais barata, rápida e com maior alcance que uma presencial. Ainda que o uso de tecnologias informatizadas surjam como possibilidade formativa, professores podem não ter condições de participar de maneira a obter os ganhos provenientes, tal como apontam Garcia, Aporta e Denari (2019). De acordo com os autores, que realizaram uma revisão de literatura sobre uso de tecnologias de informação e comunicação (TICs) para formação de professores para educação especial, ainda faltam disciplinas e cursos voltados a esta população para uso de TICs (tanto para formação própria quanto para o ensino de alunos). Sendo assim, a lacuna parece estar relacionada a duas condições, sendo 1) formação para atuação com crianças com TEA e 2) conhecimento/habilidades no uso de TICs para formação. Uma opção para suprir a lacuna de formação de professores/profissionais para atuarem com crianças dentro do Espectro seria a realização de um pacote de formação. Dentre as possibilidades, seria possível a realização de um curso por meio de TICs por professor/profissional que tenha domínio das TICs e, em seguida, este professor/profissional repassar a formação o coletivo que tem acesso de maneira presencial. Sendo assim, este capítulo traz informações de uma formação realizada com 16 profissionais de diversas áreas (Psicologia, Enfermagem, Pedagogia e outros) e cuidadores (mãe de uma criança dentro do Espectro. A seguir apresentam-se as ações e resultados da formação. 147 2. Formação dos formadores Primeiramente, considerando as lacunas mencionadas, foram selecionadas duas graduandas do curso de Psicologia para realizarem uma formação online. O critério de seleção das alunas foi a) interesse pela área (ABA e Autismo), b) maneira com que atuavam com carinho, envolvimento e dedicação profissional com crianças com TEA, c) disponibilidade para realização do curso online, d) domínio no uso de TICs para formação (abrir PDFs, Downloads de materiais, uso de plataforma de buscas e de videoconferências, dentre outras) e e) interesse em atuar, posteriormente, como formadora dos materiais que teriam acesso. Destaca-se que as duas alunas já tinham realizado uma formação introdutória de ABA e Autismo por meio de TICs, assim como também já tinham experiência no ensino de crianças dentro do Espectro Autista, pela atuação como Aplicadoras Técnicas (ATs) em ABA. Além disso, participavam ativamente de formações, palestras e discussões em grupo que tinham acesso, demonstrando o real interesse pela temática. Após serem identificadas, a última autora deste capítulo entrou em contato com as alunas formadoras (segunda e terceira autora do capítulo). Foi realizado o convite formal e conversado sobre a proposta. Após aceite, as alunas foram instruídas sobre como proceder para a realização do curso. O curso selecionado abordava a Análise do Comportamento na prática da aplicação em TEA, com público alvo de ATs, e configurava-se em modelo EaD, composto por aulas expositivas mais acesso a materiais para leitura e discussão. O conteúdo programático do curso era formado pelos seguintes temas: 1. Como ler um artigo científico; 2. O que é ABA; 3. As 7 dimensões da ABA; 4. Pressuposições éticas e filosóficas da ABA; 5. O papel do aplicador e AT; 6. Comportamento respondente; 148 7. Comportamento operante; 8. Reforço positivo na intervenção ABA; 9. Extinção operante; 10. Esquemas de reforçamento; 11. Reforçamento negativo; 12. Punição; 13. Discriminação de estímulos; 14. Generalização de estímulos; 15. Operações motivadoras; 16. Reforçamento diferencial e manejo de comportamentos-problema; 17. ABA na escola. Após a realização do curso, as alunas foram avaliadas pela última autora do capítulo em relação ao entendimento sobre o assunto, com o intuito de identificar se as informações que tiveram acesso se consolidaram em conhecimentos efetivos e possíveis de formação ampliada. Por fim, as alunas foram orientadas em relação a seleção e preparo dos materiais para uso na formação ampliada. Dentre as orientações, foi sugerido que as alunas formadoras adaptassem a linguagem e o conteúdo ao público alvo, ATs com pouco conhecimento teórico da Análise do Comportamento, além de ajustarem os temas que seriam abordados de acordo com a realidade de trabalho das participantes. Visto que todas atuavam como Aplicadoras Técnicas da mesma instituição, com exceção de uma participante, que era mãe de uma criança com TEA atendida pela instituição já referida. Assim, a seleção do conteúdo programático foi realizada de modo a priorizar a demanda específica das participantes e construir uma base de conhecimento teórico da Análise do Comportamento. Além disso, as alunas foram assistidas ao longo de todo o processo, desde o preparo dos materiais até sua efetiva realização dos encontros. O acompanhamento foi realizado pelo primeiro e último autor deste capítulo. Participaram, também, outros três convidados, todos com conhecimentos sólidos de ABA e TEA, 149 comprovados por formação (mínimo mestre) e registros de supervisão em ABA. 2.1 Participantes da formação ampliada Foram selecionados 16 participantes que demonstraram interesse na formação. A seleção dos participantes foi realizada por conveniência e contou com um convite formal, sendo a apresentação da proposta da formação, temas, horários e locais para realização. Todos os participantes tinham contato direto com crianças com TEA e atuavam como Aplicador Técnico da Autismo em Vista: Instituto de Pesquisa, Ensino e Formação, localizado em Boa Vista, capital de Roraima. A formação foi inserida na jornada de trabalho das participantes, sendo realizada quinzenalmente aos sábados no período da manhã. Destaca-se que as alunas formadoras também trabalhavam nesta mesma instituição. Participou, também, a mãe de uma criança com TEA (não atendida neste instituto até a data de finalização do curso). A mãe também teve acesso a uma formação introdutória de TEA e ABA, de modo a prepará-la previamente para o curso. Além disso, a mãe também recebia orientações pontuais em momento externo ao do curso. Ainda que os encontros integrassem a jornada de trabalho das participantes e fosse gratuito, houveram faltas e desistência. Das 16 participantes iniciais, quatro desistiram do curso. 3. Formação ampliada Após finalizarem com êxito o curso EaD sobre TEA e ABA as duas alunas formadoras foram avaliadas por meio de algumas conversas com a quarta autora deste capítulo. Em seguida se iniciou a organização dos materiais para a realização da formação ampliada. Destaca-se que as alunas eram assistidas por profissionais com conhecimentos sólidos de TEA e ABA durante 150 todo o processo (planejamento e formação). Alémdisso, os materiais utilizados na formação eram avaliados previamente. A respeito da seleção e preparação do conteúdo programático da formação ampliada, notou-se que o grupo participante era composto por profissionais de diversas áreas (Psicologia, Enfermagem, Pedagogia e outros) e que divergiam em grau de escolaridade e de contato com a ciência da Análise do Comportamento, de modo que a prioridade era realizar um curso introdutório, visando construir uma base de conhecimento teórico da Análise do Comportamento. Sendo assim, foi necessário fazer adaptações da linguagem e do conteúdo, pois se observou que o curso EaD não se enquadrava como um curso introdutório e apresentava uma linguagem mais técnica e conteúdos que requeriam um conhecimento prévio em ABA. Logo, foi decidido explicar os conceitos básicos da Análise do Comportamento como: comportamento, contingência, comportamento respondente, comportamento operante, reforço, extinção, etc. Além disso, verificou-se que os textos disponibilizados para leitura e discussão nos encontros do curso EaD também apresentavam linguagem técnica da Análise do Comportamento, o que impossibilitava sua utilização na formação ampliada. Por tanto, optou-se por utilizar textos básicos em Análise do Comportamento, como “Princípios básicos de análise do comportamento”, de Moreira e Medeiros (2019) e “Análise do comportamento aplicada ao transtorno do espectro autista”, de Sella e Ribeiro (2018), além de resumos construídos pelas próprias alunas. Ainda sobre a organização do conteúdo da formação, foram priorizados temas que estivessem de acordo com a realidade de trabalho das participantes, visto que todas atuavam como Aplicadoras Técnicas da mesma instituição, com exceção de uma participante, que era mãe de uma criança com TEA atendida pela instituição já referida. Deste modo, priorizou-se temas que fazem parte da prática diária no instituto em que atuam, como o Ensino por Tentativas Discretas (DTT), Avaliação de Preferência e Avaliação 151 Funcional, e foram retirados temas que não fazem parte da prática diária, tais como punição, ensino naturalístico, ABA na escola. Sendo, o conteúdo programático estabeleceu-se da seguinte maneira: Quadro 1. Conteúdo programático da formação ampliada Temas Conteúdos Análise do Comportamento e a função de AT ● Behaviorismo Radical ● Ciência da Análise do comportamento: Análise Experimental do Comportamento e Análise Do comportamento aplicada (ABA); ● As 7 dimensões da Análise do Comportamento Aplicada; O Papel da AT; Comportamento reflexo e condicionamento respondente ● Reflexo Inato; ● Condicionamento respondente; Dessensibilização sistemática e contracondicionamento. Condicionamento operante e tipos de avaliação de preferência ● Comportamento operante; Avaliação de preferência: avaliações de preferência indiretas (entrevistas e checklist) e diretas (operante livre e por tentativas); Economia de ficha e esquemas de reforçamento ● Condicionamento de reforçadores; ● Economia de ficha; Esquema de reforçamento. Técnicas de registro e avaliação funcional do comportamento ● Mensuração do comportamento; ● Técnicas de registro de observação direta; ● Avaliação funcional do comportamento. Punição e Estratégias Antecedentes ● Controle Aversivo do Comportamento: efeitos colaterais do uso de punição e considerações éticas. ● Estratégias Antecedentes. Extinção Operante e Reforço Diferencial ● Extinção operante; ● Reforço diferencial. Ensino por Tentativas Discretas (DTT) ● DTT: elementos de uma tentativa discreta; ● Mitos e verdades sobre o ensino naturalístico e o DTT. Comportamento Verbal ●Comportamento verbal; ●Operantes Verbais Básicos. Fonte: Elaborado pelos autores. 152 A formação foi conduzida em espaço próprio para esse fim, com agendamento prévio para que os participantes se organizassem. Além disso, contava com projetor, cadeiras acolchoadas e com braços para auxiliar em possíveis anotações. Foram utilizadas apresentações em PowerPoint em todos os encontros, assim como vídeos para exemplificar conteúdos ou realização de atividades de verificação de aprendizagem. Cada encontro da formação contava com quatro horas de encontros presenciais nos quais as alunas apresentavam os conteúdos, discutiam e tiravam dúvidas. Estavam presentes nos encontros os profissionais com conhecimentos sólidos na área, lembrando que possuiam título mínimo de Mestre e experiência comprovada em supervisão de crianças com TEA por meio da ABA. Além dos encontros presenciais, eram disponibilizados textos e atividades para os participantes explorarem, responderem e tirarem dúvidas, caso sentissem necessidade. Todas as apresentações visavam a exposição íntegra dos conteúdos, objetivando relacionar teoria e prática, assim como exemplificar manifestações do TEA, esquemas dos conteúdos e outras. Considerando que todas as participantes, assim como as alunas formadoras a trabalhavam em um Instituto de atendimento a crianças com TEA, os conteúdos eram discutidos também durante encontros na própria instituição. Ao término do curso foram contabilizadas 60 horas de atividades formativas (9 encontros, mais discussões e materiais complementares). Durante os encontros as alunas formadoras abriam a aula com boas vindas, retomavam os conteúdos do encontro anterior e tiravam dúvidas. Em seguida iniciavam a exposição dos conteúdos, utilizando falas contextualizadas com a realidade dos participantes e o PowerPoint como suporte. Na apresentação do PowerPoint, destaca-se que, após avaliação, foi possível concluir que as alunas formadoras construíram a apresentação de maneira assertiva, tal como apontado por Carmo e Prado (2005). Para a exposição dos conteúdos, as alunas formadoras seguiram os princípios formativos contidos no livro Elaboração de 153 Programas de Ensino (Cortegoso e Coser, 2011). Para tal, delimitavam e apresentavam aos participantes os objetivos de aprendizagem para cada aula. Além disso, realizavam atividades para verificação de aprendizagem durante e após a exposição de cada conteúdo. Por fim, foram realizadas atividades avaliativas gerais, antes e após a realização da formação. Para tal, foi utilizado um questionário com 30 questões de verdadeiro e falso. Além disso, também foram utilizadas conversas abertas com os participantes com o intuito de se verificar a satisfação e entendimento dos assuntos tratados no curso. Além disso, como mencionado, eram realizadas atividades de verificação de aprendizagem ao longo da exposição de cada conteúdo dos módulos. 4. Resultados da formação 4.1 Resultados da formação das formadoras - Percepções próprias Nossa percepção, enquanto alunas formadoras, a respeito do processo de formação online e ampliada, são apresentados e discutidos a seguir. “No início do trabalho como ATs não entendíamos a teoria por trás da intervenção de ensino (programas de ensino por tentativas discretas, estratégias de manejo de comportamento, economia de fichas, etc.), apenas aplicávamos os procedimentos conforme orientação da supervisora.” Com a formação inicial EaD, começamos a relacionar a teoria da Análise do Comportamento com a prática de trabalho, com a melhora não apenas no manejo de comportamentos problemas, como também no estabelecimento de operações motivadoras (OMs) para ensino, nas técnicas de registro, entre outros. Deste modo, ao decorrer do curso, passamos a analisar melhor a prática e a reduzir inadvertências, como por exemplo, reforçar comportamentos inadequados, utilizar os mesmos itens de 154 preferência da criança durante o ensino, fazer inferências sobre os sentimentos da criança durante o preenchimento de avaliações funcionais, entre outros. No início do processo de elaboraçãoda formação ampliada, houve dificuldade para preparar o conteúdo e os materiais do programa de ensino, pela falta de repertório nesse tipo de atividade. Mas a partir do acompanhamento realizado pelo primeiro e último autor deste capítulo e dos outros três convidados, todos com conhecimentos sólidos de ABA e TEA, foi possível estruturar os conteúdos e materiais para o público alvo. Foram dadas dicas para uma boa apresentação oral e preparação de recursos visuais (apresentação de slides em PowerPoint), de acordo com Carmo e Prado (2005), recomendações quanto a elaboração dos objetivos de aprendizagem para cada aula, seguindo Cardoso e Coser (2013) e feedbacks dos materiais produzidos e das aulas ministradas, no intuito de minimizar falhas e fazer possíveis ajustes de acordo com a demanda das participantes no decorrer do curso. No decorrer da formação, percebemos mudanças nos comportamentos das ATs, que tentavam utilizar os termos técnicos da ABA e tiravam dúvidas sobre os conteúdos das aulas ministradas durante a jornada de trabalho. Além disso, algumas ATs passaram a relacionar os conteúdos das aulas com o ensino das crianças no instituto em que atuavam, apontando, inclusive, equívocos que pararam de cometer ao participarem da formação. Ademais, a maioria das ATs buscou as formadoras, durante os encontros ou na jornada de trabalho, para fazer feedbacks positivos sobre a formação. Dentre eles, destacamos a indicação de que compreendiam melhor como fazer o manejo de comportamentos problemas, sem reforçá-los, como fazer o registro da avaliação funcional, a importância das operações motivadoras e de serem reforçadoras durante o ensino. Ao final da formação ampliada, percebemos que houve uma melhora na compreensão dos conceitos da Análise do Comportamento aplicada ao TEA, por conta do preparo 155 necessário para ministrar as aulas, que incluiu não apenas o estudo e preparo dos materiais do curso (que contava com a elaboração de textos para leitura prévia, apresentações de slides, exercício de fixação de conteúdo, contextualização da teoria através de exemplos), como também discussões entre os autores do capítulo a respeito dos temas, leituras adicionais e ensaio das apresentações orais. Nesse sentido, destacamos a importância da formação inicial EaD, que ampliou nosso repertório em Análise do Comportamento e serviu como pré-requisito para organização da formação ampliada. Observamos que a junção das duas formações (primeiro no papel de alunas e em seguida como ministrantes), foi significativo para o aprendizado mais efetivo em Análise do Comportamento, o que contribuiu, consequentemente, para melhora na prática como ATs. Assim, consideramos que este processo de ensino-aprendizagem, iniciando como alunas em seguida como ministrantes, é uma estratégia que pode ser utilizada para a formação de ATs. Por fim, ressaltamos que as alunas formadoras não passaram por avaliação de aprendizagem através de pré e pós teste, como as demais participantes. Devido a importância de se organizar condições para se avaliar o aprendizado, discutida por diversos autores (COELHO, 2003; KENSKI, 2012 dentre outros), sugerimos que a replicação desse modelo de formação contemple modos de avaliar o aprendizado dos alunos-ministrantes. 4.2 Resultados da formação Ampliada Finalizaram o curso 12 participantes, sendo que apenas 10 responderam tanto ao questionário inicial e final do curso. A desistência do curso pelos quatro participantes se deu por terem mudado de trabalho, não tendo mais disponibilidade para realização do curso. Desta maneira, apresenta-se na figura 1 os dados gerados sobre a aprendizagem dos conteúdos do curso a partir do questionário dos 10 participantes respondentes. 156 Figura 1. Comparação pré e pós curso com identificação de desempenho para cada participante. Nomes fictícios. Destaca-se, de acordo com a figura 1, que cinco dos 10 participantes apresentaram melhora em relação ao período anterior e posterior ao curso. No entanto, três apresentaram piora no desempenho e duas não apresentaram mudança. Ainda que o resultado obtido indique que houve melhora em metade dos participantes, é necessário analisar a fundo as possíveis condições que inviabilizaram o aprendizado efetivo dos outros cinco participantes. Desta maneira, entende-se que seja possível ajustes em programas ou atividades futuras desta natureza. Desta forma, iniciou-se a análise das questões contidas no questionário. Em seguida, sobre as condições nas quais os participantes estavam no momento da realização da atividade e, por fim, o tempo de realização do pós curso. Primeiramente foram analisadas as questões do questionário com o objetivo de identificar quais possíveis conteúdos se mostraram mais difíceis. Ao se analisar o questionário,constatou-se que a linguagem utilizada nele não estava de acordo com as utilizadas nas apresentações de conteúdo. Em seguida, foi possível observar, a partir da análise do questionário, que as questões estavam dispostas de maneira a não manter a proximidade entre a exposição do conteúdo e a realização do questionário. Desta maneira, supõe-se que a 157 distância entre a exposição do conteúdo, associado à linguagem diferente entre o instrumento e apresentação impactaram na qualidade do responder. Ao se analisar de maneira isolada os dados de resposta dos participantes, foi possível verificar que tiveram questões nas quais os participantes responderam de maneira correta antes do curso e de maneira incorreta após. Desta forma, os dados foram agrupados para se verificar quais questões representaram maior condições de erro de pré para pós curso. Apresenta-se na figura 2 os dados relacionados às questões de maior erro de pré para pós curso. Destaca-se que é possível que o erro esteja relacionado com a diferença na linguagem entre instrumento e apresentação de conteúdos. As questões de maior erro entre pré para pós foram, respectivamente, questão 29 com cinco erros, seguidos da 10, 12 e 14, com três cada. Este dado indica a complexidade de expressar em questões de natureza de verdadeiro e falso conteúdos mais amplos. As questões de maior erro foram: 29 - Contingências são relações lógicas/condicionais do tipo Se... Então. 10 - Define-se "regra" como estímulo discriminativo verbal que descreve contingências e "comportamento governado por regras" como respostas evocadas por tais estímulos verbais. Sabe- 158 se que comportamento governado por regras não é o mesmo que comportamento governado verbalmente. 12 - Definição do operante verbal Ecóico: SD = verbal escrito | Resposta = verbal vocal. Exemplo: repetir algo que foi falado. 14 - Comportamentos respondentes são relações entre estímulos e respostas que se caracterizam por alta fidedignidade entre a ocorrência do estímulo e a obtenção de uma resposta. Observa-se, a partir da exposição das questões com maior número de erros entre pré e pós, que é alta a probabilidade de que o uso da linguagem diferente pode ter influenciado na qualidade do responder dos participantes. Além disso, existe a possibilidade das questões de verdadeiro e falso não serem as mais adequadas para atividades desta natureza. Por fim, ao se analisar a condição na qual os participantes realizaram a atividade, constatou-se que não foi favorecedora do responder. No pré curso a atividade foi entregue para os participantes logo no inicio do período do curso (por volta das 9 horas da manhã. No entanto, a atividade pós curso foi realizada ao final do último dia de curso, por volta das 11 horas e 40 minutos da manhã. Sendo assim, entende-se que seja possível que os participantes tenham respondido de modo rápido para saírem, uma vez que o responder do questionário não estava ligado a entrega de certificado ou valiaponto. Após a finalização do curso e do responder do questionário, foram realizadas conversas com os participantes para identificar elementos que, na opinião deles, seriam fatores positivos e negativos na formação. A conversa foi conduzida de maneira aberta, em momentos distintos e separadamente com cada participante. Com base nas indicações dos participantes, o curso foi produtivo e conduzido de maneira excelente pelas alunas formadoras. Além disso, atendeu a demanda e serviu como base para novas formações. Inclusive, muitas solicitaram mais formações após esta. Avaliaram de maneira positiva as apresentações e maneira com a qual as alunas formadoras 159 apresentaram os conteúdos, assim como dos exemplos práticos e uso dos vídeos para exemplificar e realizar atividades. Nas críticas, indicaram que o intervalo entre uma aula e outra pode ter sido muito longo, sugerindo que seja reduzido para semanalmente ou quinzenal fixo (independente de feriados e etc.). Além disso, indicaram que o tempo para realização da atividade avaliativa final e a característica do questionário precisam ser revistos. Por fim, todos os participantes se sentiam mais capazes de atuar com crianças com TEA, inclusive a mãe participante. Destaca-se que este era o dado mais importante para a formação, uma vez que o objetivo era tornar os profissionais mais capacitados para a formação possível. Ressalta-se que a mãe ainda indicou mudanças significativas que fez na rotina familiar e na maneira como agia em relação ao filho. Ações formativas futuras podem/devem ajustar a linguagem de maneira a manter a coerência entre a apresentação e questionário. Além disso, articular a natureza das questões com a complexidade do conteúdo, de modo que seja possível extrair informações sobre a aprendizagem dos alunos de maneira mais assertiva. Também, nota-se a importância de disponibilizar mais tempo e de igual maneira para realização da sondagem de conhecimento prévio (pré curso) e após a finalização (pós curso). Entende-se, também, que pode ser mais produtivo dividir a atividade avaliativa após cada módulo, reservando espaço e tempo para essa ação. 5. Conclusão Com base no que foi apresentado neste capítulo, assim como a articulação com os apontamentos da literatura, podemos concluir que a formação de profissionais de diversas áreas (enfermagem, psicologia, pedagogia ou sem nível superior) é possível. Ações desta natureza surgem como opção viável para 160 ampliar a qualidade do atendimento ofertado a crianças com TEA no Brasil. A utilização de pacotes de formações em modelo EaD (alunas formadoras), combinados com a reutilização do conhecimento para outras pessoas com menos domínio de tecnologias (formação ampliada) representou bons resultados. Algumas limitações foram apresentadas para ações futuras, tais como avaliações graduais, maiores cuidados com o contexto avaliativo e adequação da linguagem no instrumento avaliativo. Por fim, entendemos que o processo formativo possibilitou desenvolvimento de profissionais em dois momentos, sendo o primeiro para as alunas formadoras e, posteriormente, para as profissionais na formação ampliada. Além disso, avaliamos que o custo para formação também foi significativamente reduzido. Ações desta natureza podem representar importante recurso para o processo inclusivo de crianças com TEA no Brasil. Referências APORTA, A. P. Ensino de professores para o uso de Instrução com Tentativas Discretas para crianças com Transtorno do Espectro Autista. 2015. Dissertação (Mestrado em Educação) - Universidade Federal de São Carlos, São Carlos, 2015. SÃO PAULO. Protocolo do Estado de São Paulo de Diagnóstico, Tratamento e Encaminhamento de Pacientes com Transtorno do Espectro Autista. 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Análise do comportamento aplicada ao transtorno do espectro autista / Ana Carolina Sella, Daniela Mendonça Ribeiro (Organizadoras). 1. ed. Curitiba: Appris, 2018. 165 Inquietações e anseios sobre corpos ‘deficientes’ Ana Paula Santos de Oliveira Rita de Cássia de Almeida Pavão Samara Cristina Ferreira da Costa As aparências para a mente são de quatro tipos. As coisas ou são o que parecem ser, ou não são, nem parecem ser; ou são e não parecem ser; ou não são, mas parecem ser. Posicionar-se corretamente frente a todos esses casos é a tarefa dos sábios. Epictetus, século II d. C. Há tempos que corpos diferentes do modelo de corpo perfeito, algo completamente inatingível (MENDES, GAVLIK, 2019), sofrem descaso, preconceito, estigmas e são subestimados, inclusive quando nos referimos ao padrão estético e corpos deficientes. E em todos os sentidos se busca a normalização de apenas um tipo físico, o tipo físico ideal. O padrão de um corpo perfeito não surgiu da noite para o dia, muito pelo contrário, ele existe desde a antiguidade e ao longo do tempo, segundo Mendes Gavlik (2019) o corpo considerado “perfeito” era o corpo apto para o trabalho: forte, dinâmico e eficiente. Atualmente, com o aumento da influência da mídia na sociedade, os corpos perfeitos passaram a ser sinônimo de beleza, sucesso e felicidade, ainda reproduzindo estereótipos e estigmas. Realizando um apanhado histórico sobre o conceito de corpos deficientes, pouco se pode afirmar, baseado em registros documentais, sobre as concepções da deficiência na fase pré-cristã, no entanto, sabemos que foi uma fase marcada pela negligência (PESSOTI, 2014). Acreditava-se que as pessoas com deficiência haviam nascido incompletas e, por isso, não eram humanas. Dessa forma, poderiam ser eliminadas, perseguidas ou abandonadas à própria sorte devido às suas condições atípicas, sendo que 166 dificilmente sobreviviam (PESSOTI, 2014), tais comportamentos eram legitimados pela sociedade da época, consideradas ações normais. Na Idade Média, com a chegada do cristianismo, surgiram as teorias sobrenaturais, e as diferenças passaram a ser atribuídas aos desígnios de Deus ou a dos demônios. A igreja então começa a recolher essas pessoas com deficiência e abrigá-las em instituições, iniciando o período de proteção e segregação (PESSOTI, 2014). Com o desenvolvimento da ciência, vieram as descobertas e classificações das deficiências em função da área da habilidade perdida (visual, auditiva, motora, mental, etc.), e desde então, a deficiência começa a ser uma área de domínio e tratamento da Medicina, passando a ser considerada como doença, o que resultou na institucionalização das pessoas com deficiência em hospitais, hospícios e sanatórios, demarcando segregação da pessoa com deficiência (MENDES, 2008). A evolução do conhecimento científico ainda mostrou que ao contrário do que se imaginava, as pessoas com deficiência podiam aprender e se beneficiar da educação formal, assim como do convívio social, e os paradigmas mudaram, tanto no contexto social como no educacional, a condição de deficiência que sempre teve um carácter negativo e excludente começou a sofrer modificações positivas e significativas. As terminologias utilizadas para se referir às pessoas com deficiência também mudaram ao longo do tempo, e nomemclaturas como: anormal, idiota, imbecil, retardado, doente, entre outros ficaram absoletas. Todo esse percurso de mudança de paradigmas não se constituiu num processo fácil, e, embora tenhamos evoluído consideravelmente, muito ainda temos que corrigir em relação a todos esses anos de exclusão, segregação e marginalização das pessoas com deficiência, buscando garantir a equiparação de oportunidades e participação social plena. Por esta razão, sentimos a necessidade de refletir sobre o preconceito associado às pessoas com deficiência, tencionando a reflexão aos corpos “deficientes”, analisando alguns aspectos que 167 geralmente são associados, como, o estigma sobre a ‘incapacidade’, comparação de pessoas com deficiência com as pessoas sem deficiência e pré-conceito sobre a falta de eficiência dos corpos deficientes. Atualmente o preconceito ainda é visivelmente muito presente, a começar pela ergonomia das cidades que não atendem por completo às necessidades das pessoas com deficiência ou mobilidade reduzida, o desrespeito à legislação e a resistência em relação a inserção das pessoas com deficiência no mercado de trabalho, mas talvez a mais prejudicial todavia se constitui na falta de empatia e respeito, o que se caracteriza como uma barreira atitudinal, ou seja, comportamentos, atitudes discriminatórias e preconceituosas que dificultam ou impedem o acesso aos ambientes, bem como os relacionamentos, interação e convívio das pessoas com deficiência com a sociedade como um todo, sejam estas intencionais ou não. A falta de informação, diálogo ou convívio com a pessoa com deficiência faz com que aspessoas sem deficiência as julguem menos capazes, improdutivas, ou inferiores de alguma forma, não sendo vistas como pessoas completas, ou melhor dizendo, como pessoas, o foco figura-se apenas na deficiência, na limitação e não na pessoa humana e em todas as suas potencialidades e capacidades, como coloca Lima e Silva (2008, p. 29) uma das piores coisas para uma pessoa com deficiência “é não ser vista como sujeito social, pessoa humana com conhecimentos preexistentes, expectativas, sonhos, desejos etc.” Pensando em Educação, o ensino para as pessoas com deficiência por muito tempo foi relegado ou foi tratado de forma brutal, excludente e impactante, e a essas pessoas lhes foram atribuídos termos pejorativos como idiota, doidinho, portador, incapaz, dentre tantos outros (FERNANDES, DENARI, 2017). De lá para cá os conceitos foram mudados tentando não utilizar termos depreciativos, no entanto, será que a compreensão da sociedade mudou? E se mudou, será que essa mudança foi suficiente? 168 Para responder a essa pergunta fizemos uma reflexão sobre o que seria um corpo deficiente e o que seria um corpo normal e recorremos à literatura. Através da leitura “Do normal ao patológico” de Canguilhem (1978), surgiram outras questões que se agregaram às primeiras: o que podemos considerar normal ou anormal? Ter uma doença não é normal? O que define uma norma padrão e o que define o atípico fora do padrão? Segundo Mendes (2019, p. 10) “a deficiência é retratada como um defeito, algo passível de normatização, transitando pelos universos do grotesco, o que causa receio, e do profano”, e Canguilhein (1978) declara que um ser-vivo é normal em um determinado meio quando ele é a solução morfológica e funcional encontrada pela vida para responder às exigências do ambiente. Mas será que essa definição atende aos critérios de normalidade? A Organização Mundial da Saúde - OMS (1946) definiu a saúde como: “Um estado de completo bem-estar físico, mental e social e não apenas a ausência de doença”. Então, como um indivíduo pode ser saudável em sua totalidade? Não temos todos em algum grau alguma alteração/desordem no meio físico, social ou emocional? Canguilhen não estava nos ajudando com estes questionamentos, mas estava contribuindo no direcionamento das nossas reflexões, então começamos a percorrer um tortuoso e esburacado caminho de ponderações e raciocínios influenciados pelo autor. Que critérios utilizamos para definir o que é normal? Como avaliar o que não é normal? Precisamos de regras e normas para definir normalidade? O que é estar nos padrões da normalidade? Normal e normalidade são as mesmas coisas? Fazendo uma busca rápida no dicionário, entende-se como padrão um modelo ou exemplo a ser seguido, que é uma norma aprovada ou consentida pela maioria usada como base para estabelecer uma comparação. Mas baseado em quê? Comparado em quê? Com outro ser-humano que é diferente em sua personalidade, cultura ou vivência? Neste sentido, ainda surgem algumas inquietações do que é ser normal. Canguilhein (1978, p. 72) diz: “O doente não é anormal por ausência de norma, e sim 169 por incapacidade de ser normativo.” Cada pessoa tem vivências, pensamentos e uma culturas micro ou macro diferentes, e aprendemos valores, normas baseado no que faz sentido para nós. Vygotsky relata que aquilo que se tomou por defeito orgânico ou doença é um fenômeno psicológico e social, não remetendo ao biológico, ou seja, produzimos conhecimento a partir das nossas relações sociais (BEATÓN, 2019). Em nossa caminhada reflexiva sentimos a necessidade de procurar outras e novas bibliografias para que pudessem responder aos nossos questionamentos e nos deparamos com um impasse: a definição de saúde é complexa e subjetiva, dependente de vários fatores, como o contexto, história de vida, dos seus conhecimentos, informações, condutas, suas vinculações socioculturais e da compreensão que o indivíduo tem dela (CÂMARA, et al., 2012). Já a definição de normalidade gera grandes conflitos, pois a normalidade pode variar com a cultura, a ideologia e a vivência de cada sujeito (VIEIRA, 2018), para Vygotski (apud BEATÓN, 2019, p. 43): [...] o único critério de saúde ou de doença é o funcionamento racional ou não racional do organismo íntegro e as únicas anormalidades são avaliadas somente na medida em que se compensam de um modo normal ou não se compensam por meio das outras funções do organismo. Ainda na busca por respostas, Assunção (1998) nos presenteia com uma leitura provocativa, inquietante e de certa forma pedagógica para falar de assuntos delicados como a diferença e a diversidade e outros termos angustiantes. Mas o que vem a ser, de fato, diferente? Que critérios utilizamos para definir o que é normal ou diferente? Como avaliar o que é diferente? Precisamos de regras e normas para definir diferença e normalidade? Se eu julgar “alguma coisa” diferente, eu estaria sendo justa nesse julgamento? Existe algum tipo ideal? Normalidade e anormalidade existem? Bianchetti (2002) também nos fez refletir, mais especificamente, sobre o olhar além da capacidade de ver, e então, 170 acrescentamos mais alguns questionamentos: como olhamos para a diferença? Como é ser olhado como diferente? O que é um olhar estigmatizado? O que é a imposição do olhar padrão? Como ressignificar o olhar? Não sabemos se existem respostas para esses questionamentos, se existem, são complexas e muito subjetivas, que podem causar grandes conflitos e polêmicas, também não sabemos se é possível realizar comparação ou estabelecer uma relação entre o conceito de diferente, diferença ou deficiência, mas compreendemos que precisamos evoluir nosso olhar e começar a ver “o que não queremos ou não podemos ver” (Amaral, 1998, p. 07), e Bianchetti (2002) nos propõe uma reflexão acerca do olhar muito interessante, a forma que o autor analisa e expõe seu olhar sobre o olhar, como menciona ele mesmo o olhar é “uma maneira de posicionar -se no/frente ao mundo” (BIANCHETTI, 2002, p. 1), uma linguagem, os olhos são um meio de comunicação entre o mundo interno particular e o exterior e vice versa, comumente os olhos são denominados de as “janelas da alma” que formam relações e se comunicam através de olhares. Amaral (1998) se figura como uma leitura ainda muito atual, principalmente porque vem discutir sobre a necessidade de desconstrução da conotação pejorativa das diferenças, ou como a autora coloca: desconstrução das palavras “diferente, divergente, desviante, anormal, deficiente” (AMARAL, 1998, p. 3), a autora também traz a questão dos estereótipos, sendo maneiras classificatórias, julgadoras e estereotipadas de olhar um sujeito com base em sua diferença e julgá-lo capaz ou não de realizar muitas tarefas a depender de sua especificidade. Segundo Vygotsky (BEATÓN, 2019, p. 43) “o grau de anormalidade ou normalidade depende do resultado da compensação social, quer dizer, da formação final de sua personalidade em geral”. Vygotsky (BEATÓN 2019) diz ainda que o desenvolvimento cognitivo do sujeito se dá por meio da interação social, ou seja, de sua interação com outros indivíduos e com o meio, 171 nesse sentido, o autor atribui um novo conceito: normalmente social, diferente do normal patológico de Canguilhem. Pesquisar outras fontes nos trouxe mais inquietações e o caminho que estávamos percorrendo tornou-se ainda mais dinâmico e complexo, agora possuía grandes subidas e, na tentativa de recuperar o fôlego resolvemos recorrer ao cinema, pois o cinema é considerado a sétima arte (MATHEUS; DENARI, 2020) e está presente em nosso dia a dia nos causando diversas reações, como por exemplo, choro, riso, e muitas vezes também, nos fazendo refletir sobre temas complexos e oculto para a sociedade, como é o caso do filme analisado “Oprogramática se refere as barreiras ocultas nas políticas públicas e por fim, a acessibilidade atitudinal: “conscientização das pessoas em geral e da convivência na diversidade humana resultando em quebra de preconceitos, estigmas, estereótipos e discriminações”. (SASSAKI, 2005, p.23) Sendo assim, pode-se compreender que a acessibilidade não se restringe ao aspecto arquitetônico, pois existem vários tipos de barreiras a serem enfrentadas pelas pessoas com deficiência. Para tal, faz-se necessário que as seis dimensões propostas por Sassaki, estejam presentes nos espaços museais, possibilitando a interação da pessoa com deficiência de forma plena. 2.2. Metodologia Para o presente artigo, em termos metodológicos foi utilizada a pesquisa qualitativa e o método dialético, tendo como instrumentos estudos bibliográficos e a observação sistemática. Segundo Marconi e Lakatos (2017) o método dialético é o estudo das contradições levando em consideração que os fenômenos não podem ser encarados isoladamente, pois há a necessidade de analisar os fenômenos sociais que os rodeiam, compreendendo a interligação entre eles. Minayo (1993) expõe que o objeto das Ciências Sociais é histórico, o que significa que a construção social 21 é determinada por um tempo e um espaço. Contudo as sociedades sofrem influência do passado “numa dialética constante entre o que está dado e o que será fruto de seu protagonismo.” (MINAYO, 1993, p.12). O aporte teórico de Marconi e Lakatos (2017) acerca do estudo bibliográfico é de que ele abrange a bibliografia já tornada pública sobre o tema que se pretende abordar. No entanto, o estudo bibliográfico “não é mera repetição do que já foi dito ou escrito sobre certo assunto, visto que propicia o exame de um tema sob novo enfoque ou abordagem, chegando a conclusões inovadoras.” (MARCONI, LAKATOS, 2017, p.200). A observação sistemática, de acordo com Marconi e Lakatos (2017) é aquela em que utiliza uma técnica de observação utilizada em estudos exploratórios e é também denominada estruturada. A observação se deu com a visitação de uma exposição itinerante do CCBB-BH, com o intuito de perceber possíveis barreiras para as pessoas com deficiência no acesso a museus, enquanto espaços educativos. A escolha do CCBB- BH se deu pelo fato de ser um Museu com proposta de acessibilidade para pessoas com deficiência. É um museu central, que compõe o Circuito Liberdade e foi inaugurado relativamente em período recente: 27 de agosto de 2013. É um museu que conta também com outras unidades nas cidades do Rio de Janeiro, São Paulo e Brasília. É um museu que se localiza em um centro cultural, onde há outros espaços como teatro, centro de convivência, lojas e cafés. O edifício possui duas salas expositivas permanentes e no terceiro andar há exposições itinerantes. 2.3. Análise dos resultados e discussão Com o objetivo de identificar e analisar possíveis barreiras enfrentadas pelas pessoas com deficiência física, visual e auditiva no acesso ao museu, enquanto espaço educativo, a observação sistemática se deu no CCBB-BH, através da visitação da exposição itinerante do artista brasileiro Abraham Palatnik. Tal exposição 22 ocorreu no terceiro andar e foi utilizada para análise as seis dimensões propostas por Sassaki (2006), no âmbito da acessibilidade: arquitetônica, comunicacional, metodológica, instrumental, programática e atitudinal; com foco nos âmbitos arquitetônico, comunicacional e atitudinal. Sobre a dimensão arquitetônica: sem barreiras físicas nos ambientes internos e externos. O prédio do CCBB-BH localiza-se na Praça da Liberdade, em Belo Horizonte, fazendo parte do Circuito Liberdade. O complexo arquitetônico e paisagístico da praça é tombado pelo Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais (IEPHA-MG). Em agosto de 2009 iniciou-se as obras de restauração e adaptação do prédio e a inauguração ocorreu em 2013. No Brasil, está em vigor a norma técnica NBR 9050:2015 que trata da acessibilidade a edificações, mobiliário, espaços e equipamentos urbanos; estabelece critérios e parâmetros técnicos a serem observados quando do projeto, construção, instalação e adaptação de edificações, mobiliário, espaços e equipamentos urbanos às condições de acessibilidade. De acordo com essa norma, é obrigatória a inserção de equipamentos de acessibilidade nos projetos de Arquitetura, de tal forma, que todos os seus critérios técnicos sejam atendidos. Na observação a primeira percepção foi sobre as questões relativas ao acesso na entrada do museu para as pessoas com deficiência. Do ponto de vista estrutural, de acordo com a norma NBR 9050:2015 sobre os pontos de acessibilidade deve haver rota acessível que compreende: um trajeto contínuo, desobstruído e sinalizado, que conecta os ambientes externos e internos de espaços e edificações, e que pode ser utilizada de forma autônoma e segura por todas as pessoas. A rota acessível externa incorpora estacionamentos, calçadas, faixas de travessias de pedestres (elevadas ou não), rampas, escadas, passarelas e outros elementos da circulação. A rota acessível interna incorpora corredores, pisos, rampas, escadas, elevadores e outros elementos da circulação. (ABNT, 2015, p.54) 23 No CCBB-BH para a entrada na instituição há o piso tátil na rua do museu, que é aquele caracterizado pela diferenciação de textura em relação ao piso adjacente, destinado a constituir alerta ou linha guia, perceptível por pessoas com deficiência visual. Há também pontos de ônibus em frente ao estabelecimento e no quarteirão da Avenida Brasil, próxima ao museu, possui duas vagas de estacionamento para automóveis de pessoas com deficiência. No entanto, de acordo com a experiência de Laura Martins do blog Cadeira Voadora, esse percurso do estacionamento até o museu é um “trecho um pouco íngreme; então, nem todo cadeirante consegue transpô-lo sozinho.” Sobre os elevadores para acesso aos andares do prédio, Laura Martins disse em seu blog que eles são muito pequenos e que quando esteve em 2013 na inauguração havia ascensoristas, que precisam remover sua cadeira toda vez que um cadeirante entrava. Isso não era funcional, é claro: na primeira vez em que fui lá, entrei e saí do elevador umas cinco vezes...imaginem a cena! Encaminhei sugestões, e outras pessoas também devem ter feito isso; o fato é que agora não há ascensoristas. (MARTINS, 2016) Sobre a dimensão comunicacional (interpessoal, escrita e virtual), não havia atendimento na recepção para as pessoas que se utilizam das libras para a comunicação e também não havia informativos impressos em braile. No entanto, o CCBB-BH possui todas as placas informativas das portas (banheiro e salas), placas de acesso, início do corrimão das escadas e bebedouros com inscrição em braile. No início da exposição do Palatinik havia um aparelho com um vídeo informativo, produzido pelo CCBB Educativo, sobre a vida e obra do artista. O vídeo, com duração de cerca de 5 minutos, só possuía imagens e áudio, não tinha legendas e nem intérprete em libras, o que prejudicava a interação das pessoas com deficiência auditiva. O CCBB Educativo é uma empresa terceirizada que presta os serviços de acessibilidade aos visitantes 24 com deficiência no terceiro andar, o que foi contraditório com a experiência do vídeo inicial da visita. O CCBB Educativo promove, algumas atividades específicas, como foi a 1ª Semana de Acessibilidade para atividades para pessoas com deficiência física, que aconteceu em 2015. Aos sábados, às 18 horas acontece a visita guiada com o intérprete de libras e disposição de ipads, não sendo necessário fazer o agendamento, a não ser que o interesse seja em outro dia da semana, mas desde a pandemia que todos os agendamentos estão suspensos.homem Elefante’’, dirigido por David Lynch, produzido em 1980 que apresenta uma narrativa sobre um corpo de deficiente e sua relação com a percepção de corpo ideal compreendido pela sociedade . O filme nos convida a conhecer a história de John Marrick, um jovem que viveu na Inglaterra do século XIX e possuía uma doença genética que deformou seu corpo e sua anatomia. Na história, podemos distinguir perfeitamente o significado de conceitos como diferença, interação com o outro, pré-conceito, preconceito, falta de informação, além do etnocentrismo presente na relação das pessoas com o personagem. Resumindo um pouco da obra cinematográfica, John passou por diversas dificuldades ao longo de sua vida, sua mãe morreu muito jovem e seu pai se casou logo após o falecimento dela. Sua madrasta o maltratava muito, seu pai, influenciado por ela, acabou perdendo todo o carinho e amor pelo filho, agredindo-o verbalmente e fisicamente. John então foi morar com seu tio, mas depois de alguns anos, o tio não tinha mais condições financeiras de continuar lhe ajudando, e foi morar em uma casa de reabilitação para pessoas perigosas e detentos, onde acabou ficando quatro anos nesta casa, passando seus últimos dias como adolescente em uma casa especial entre loucos e assassinos. John teve a ideia de escrever uma carta para o proprietário de um circo de horrores, o dono leu sua carta e o convidou para uma entrevista, que acabou contratando-o como “O Homem Elefante’’, e 172 fez sua carreira como “artista’’. Depois de alguns anos, John se mudou para Londres, onde conheceu Tom Norman que tinha uma loja e trabalhava com esquisitices humanas. Tom resolveu chamar John para trabalhar lá, o lugar era uma espécie de Freak Show, muito conhecido na época por expor pessoas com algum tipo de deficiência ou “anormalidade’’. O Freak Show que John apresentava ficava em frente a um hospital, onde, um médico importante, Frédéric Treves, viu pela primeira vez o “Homem Elefante’’ e, ao olhar a aparência do homem, se interessou imediatamente em conhecer o seu caso e também em poder ajudá-lo. O médico convidou John para uma consulta e alguns exames gratuitos, John concordou e acabou se submetendo aos exames. Após várias visitas, o médico analisou os resultados e disse que os exames haviam terminado e que John poderia voltar ao seu trabalho. Após anos trabalhando, Tom Norman explorou e roubou todo o dinheiro que John tinha, deixando-o sem dinheiro, comida, assistência e morando nas ruas. O homem acabou sendo preso por sua aparência, e o único contato que ele tinha era de Treves. John ligou para Treves, que o retirou da delegacia e o levou para morar no hospital. A partir dessa cena, uma reflexão teceremos alguns comentários e reflexões sobre princípios médicos e pesquisas que envolvam pessoas. O médico Treves faz da presença do Homem Elefante um espetáculo, com o intuito de apresentá-lo para a comunidade médica do hospital, o que mais parece um show científico. As cortinas do circo são trocadas por uma divisória, da qual se nota a aparência do homem, unida por um foco de luz espetaculoso, que fortifica a sua fisionomia. O anúncio não era de um show de horrores com telespectadores, mas de um “show médico’’ de suposições clínicas, nota-se que o destaque não é o homem, e sim sua doença e aparência, que quanto mais “aberrante’’, “melhor”, já que proporciona uma maior curiosidade do público. No filme podemos observar a segregação da pessoa com deficiência e 173 percebermos o quanto elas eram marginalizadas e expostas ao julgamento da sociedade. Todo esse contexto apresentado do filme nos fica evidente uma coisa: a segregação, John Merrick recebeu a oportunidade de se afastar das apresentações públicas humilhantes, no entanto, seu refúgio foi um hospital. Embora sua qualidade de vida tenha melhorado, a exposição de sua deformidade ainda era o principal motivo da “benevolência” das pessoas que estavam à sua volta e responsáveis pelos seus cuidados. No filme observamos uma tentativa de inserir John na sociedade, no entanto, embora tenha tido êxito em algumas experiências, outras não tiveram tanto sucesso… e acabou sendo oprimido e envergonhado publicamente, ou seja, um longo caminho no processo de inclusão social foi percorrido, no entanto, nesse caminho havia incontáveis obstáculos como ignorância, rejeição, desconforto, preconceito, egoísmo, além de usar a situação alheia para tirar proveito próprio. Podemos observar tanto na leitura do livro de Pessoti (2014), como no filme de Lynch (1980) uma forma assistencialista no tratamento das pessoas com deficiência, na obra de Pessoti (2014) também percebemos uma influência da igreja, culminando em retirar as pessoas com deficiência do convívio social, retirando assim, a oportunidade da sociedade voltar seu olhar para esta parcela da população e de incluí-las, de se adequar, desde barreiras arquitetônicas até mudanças de atitudes, comportamentos, como por exemplo, na desconstrução de preconceitos. Ainda Pessoti (2014) discorre sobre o assistencialismo médico em clínicas, consultórios e hospitais, e alguns misticismos relacionados à elas, onde pessoas com alguma deformidade física, transtornos mentais ou com algum tipo de anomalia eram mantidas sob cuidados médicos para serem cobaias de pesquisas científicas, pois a medicina da época acreditava que essas pessoas eram dotadas de poderes mágicos e que mereciam uma atenção médica. Felizmente tais crenças caíram por terra e hoje nosso fazer científico está balizado em 174 produzir “frutos”, no intuito de dar uma devolutiva social e científica acerca de nossas pesquisas vinculadas à ética e responsabilidade. Com isso, podemos fazer uma análise sobre a intenção do médico Treves, seria ele um herói por ter acolhido John por pena e querer ajudá-lo? Ou vilão por ter interesses científicos em relação a aparência fora do “normal’’ do homem? O quanto isso impactaria em uma nova descoberta científica, sem nenhuma ética com o paciente envolvido? A tentativa frustrada de inserir John na sociedade e todas as barreiras atitudinais enfrentadas por ele, ainda podem ser observadas em alguns âmbitos da sociedade. Nos dias atuais, muito se debate sobre as barreiras arquitetônicas, educacionais e tecnológicas para inclusão e as barreiras atitudinais acabam sendo menos discutidas, quando deveriam ser abordadas e trabalhadas frequentemente em escolas, espaços públicos e corporativos, pois são nestes espaços que são negados ou negligenciados acessibilidade efetiva às pessoas com deficiência, tanto de circularem e usufruírem quanto de se sentirem pertencentes, afinal todos nós, com deficiência ou não, somos seres sociais, plurais, e as relações funcionam como uma via de mão dupla, nossas ações falam e reverberam no outro e vice versa. Seguindo com a investigação em busca de respostas às questões levantadas anteriormente, nos permitimos assistir a um episódio do Café Filosófico com a participação da Dra. Izabel Maior (2016) e constatamos na discussão norteada pela autora como as pessoas com deficiência são excluídas diariamente de diversas formas no meio social, e que muitas vezes não há nem o “convite social” para que elas frequentem espaços públicos, ruas, mercados, cinemas, festas, enfim, fazer parte do convívio comum, público e coletivo. Em nossa investigação observamos também questões relacionadas à identidade, outra barreira que pode dificultar ou até impedir sua participação plena e efetiva na sociedade, vejamos, pessoas com deficiência também tem nome, sobrenome, desejos, 175 preferências e vontade própria, podem tomar suas próprias decisões, e não podem apenas serem vistas, conhecidas e identificadas pela sua deficiência ou limitação. Fernandes e Denari, (2017, p. 78 apud FERNANDES, 2015)indagam: mas a identidade é formada por nós ou pelos outros? Somos o que queremos ser ou o que querem que sejamos? Este é um ponto delicado porque a identidade se constrói com o outro. E quem é este outro? É aquele que não te aceita e não permite que você seja “a ausência” de sua (pseudo) perfeição e superioridade? Quem é esse ser superior e perfeito que dita como devo ou não me chamar? Que me diz quais os espaços que irei ou não frequentar? Voltando novamente à fala de Maior (2016) não se pode fazer política para pessoas com deficiência sem as pessoas com deficiência. Da mesma forma que ainda precisamos evoluir em vários quesitos, principalmente o do pertencer, no sentido de convidá-los (as) a frequentarem as ruas, de fazer com que se sintam pertencentes à sociedade, não excluídas, humilhadas ou constrangidas. Ainda Fernandes e Denari, (2017, p. 79) mencionam ainda que “historicamente, a deficiência está associada a uma situação de desvantagem [...] num esquema comparativo: aquela pessoa, com alguma deficiência, em relação aos demais membros do seu grupo”. É como se o tempo todo elas fossem sabotadas, arquitetonicamente ou atitudinalmente e as autoras salientam ainda que: É preciso passar pelos concursos da vida, em que pessoas com suas subjetivações, mesmo olhando seu currículo, vão deduzir, afirmar e reproduzir friamente que você não é capaz de se estabelecer naquele lugar, ou simplesmente alegar em suas considerações um motivo torpe com a única finalidade de exclusão, de propor a este a subestimação e a condição de inferioridade (FERNANDES E DENARI, 2017, p. 79). Dialogando com o texto de Hillesheim e Cappellari (2019) ainda sobre a questão identidade, mas fazendo uma relação com as mídias que propagam diariamente mitos e estereótipos torna-se extremamente importante discorrermos a respeito de como estão 176 sendo propagados os discursos sobre as diferenças, principalmente, as “diferenças” da deficiência, “a mídia relaciona-se à constituição de sujeitos na cultura, pautando, orientando e interpelando o cotidiano das pessoas, participando ativamente na produção de identidades e subjetividades” (HILLESHEIM, CAPPELLARI, 2019, p. 4), em outras palavras, ela cumpre um papel então de produtora e multiplicadora de discursos sobre inclusão – ou não. Com base neste contexto se faz necessário desconstruir ideias, construtos sociais de castigo ou punição divina, piedade, caridade e assistencialismo, doença, que comumente são associados às pessoas com deficiência. Segundo Diniz (2007), a deficiência implica aspectos biológicos, psicológicos e sociais, que se referem a lesão, limitação de atividade ou restrição de participação, resultante do diagnóstico, a forma como tal situação é compreendida pela pessoa e como a sociedade lida com essa condição de diferença, em termos de direitos, justiça social e políticas de bem-estar, no entanto, algumas deficiências não são aparentes. Elas não necessitam de nenhum recurso visível como muleta, prótese ou aparelho auditivo, recursos estes que evidenciam a deficiência do indivíduo, ou seja, determinadas deficiências são silenciosas e passam despercebidas, é o caso da DI leve, alguns casos de TEA, depressão, epilepsia, fibromialgia, dificuldades de aprendizagem, entre outras. Como a deficiência/condição não é visível é carregada de preconceitos e julgamentos em relação às suas necessidades, pessoas que precisam provar o tempo todo que também precisam de apoio, adaptações e flexibilizações. Lidar com a resistência de algumas pessoas para entender e aceitar a deficiência não aparente é exaustivo e muitas vezes fadado ao fracasso, pois frequentemente, são colocados em dúvida, pois qual o motivo de estar utilizando direitos como vagas destinadas às pessoas com deficiência nos estacionamentos ou vias públicas?, ou prioridades em filas, assentos reservados em transporte público, entre outros. Como as experiências das pessoas com deficiência não aparentes são amplamente ignoradas, as necessidades dessas pessoas nem sempre 177 são consideradas, enfrentando desvantagens notórias e muitas vezes silenciosas em relação às pessoas sem deficiência. Com base neste contexto observamos que uma reflexão e uma discussão precisam ser iniciadas, estar mais consciente das deficiências invisíveis pode gerar uma cultura na qual as pessoas vivam e convivam com igual respeito e dignidade. Reconhecer que as batalhas que as pessoas encaram e enfrentam muitas vezes não são visíveis, mas o acolhimento, a aceitação e o respeito do próximo devem ser vistos e revistos, mesmo que necessitem ser olhados ou enxergados com diferentes olhares. Sobre a educação formal de pessoas com deficiência, é possível notar que a escolarização sofre impactos com essa situação de vulnerabilidade social, corroborando com Jesus e Aguiar (2012, p. 401), quando dizem que “[...] mudanças relevantes para efetivação de processos inclusivos ainda não estão consolidadas”. Muito disso se dá por causa de um histórico nas ações educacionais, em relação à pessoa com deficiência, de frisar dificuldades e não possíveis competências (VYGOTSKY, 1984). Percebe-se que é necessário que a educação não esteja presa, engessada, restrita a modos de atuação frente à deficiência. É preciso adquirir diversidade de metas, conteúdos, adaptações, inovação nos estilos de ensino, sempre refletindo as atitudes e os valores manifestados pelos estudantes. Saber identificar e orientar os alunos em direção às suas potencialidades, propondo atividades que os estimule, desafie e promova interação e respeito à diversidade. É necessário também estabelecer as políticas de inclusão, assim como haver um diálogo permanente em que os estudantes com deficiência possam ser ouvidos sobre suas principais dúvidas para a construção de uma proposta inclusiva que promova, não só o ingresso, mas sua permanência e um desenvolvimento acadêmico crítico, efetivo, democrático, significativo e emancipador. Voltando à leitura de Canguilhem e às nossas indagações preliminares, fomos apresentadas a novos termos: consciência anormal, homem alienado, homem inválido, anomalia, 178 monstruosidade, enfermidade, morte e vida, média humana, variações, mutação, adaptação, desordem, sadio, entre outros. Na busca de definição desses termos, Canguilhem nos apresenta também diversos autores e seus estudos em diferentes campos dos saberes: fisiologia, patologia, biologia, física, química, e o esforço da medicina em utilizar o conhecimento dessas ciências para encontrar um significado para todas essas expressões. O autor ao tentar diferenciar a saúde da doença, normal do patológico, mesmo utilizando o ramo da medicina que classifica as doenças, observou que não existia fato normal ou patológico em si, uma vez que anomalia e mutação não se caracterizavam doenças, devendo-se levar em consideração o contexto em que elas estavam inseridas e quanto ajustadas e acomodadas neste contexto elas estavam (CANGUILHEM, 2002). A partir de tudo que nos foi apresentado, pudemos perceber, a duras penas, que o conceito de normalidade não pode e não deve ser definido a partir de um único olhar e, mesmo entrelaçando-se as distintas concepções estudadas pelos mais diversos cientistas e estudiosos, não é possível estabelecer um modelo ou referência do normal que não considere características individuais e do contexto em que o sujeito está inserido. Estando ainda no caminho, percorrendo um itinerário de difícil acesso, saindo frequentemente do roteiro e sem a pretensão de ultrapassar a linha de chegada, percebemos com as leituras, com a análise do filme e outras investigações sobre o tema que seres humanos são de natureza complexa, possuem diversas e distintas maneiras de ver e entender o mundo, assim sendo, torna-se difícil classificá-los, categorizá-losou defini-los, precisamos apenas de uma sociedade que acolhe as diferenças, que colabora e que não considere um ser humano menos importante que o outro por suas especificidades, as peculiaridades devem ser respeitadas pois toda pessoa merece ter a oportunidade de ser valorizada e reconhecida com toda e qualquer diferença. 179 Partindo desse pressuposto, devemos questionar a qualidade das representações de Pessoas com Deficiência na sociedade levando em consideração sua pouca representatividade. Toda literatura consultada nos leva para a necessidade de se questionar noções, formas e conceitos de corpos, possibilitando novas maneiras de olhar e de fato enxergar a deficiência livre de quaisquer preconceitos, estigmas, termos pejorativos e mitos. Considerações finais É muito complexo pensar e repensar na forma que olhamos o outro, mais difícil ainda é ter empatia, se colocar no lugar do outro e pensar como tudo é recebido por ele (a), como é receber um olhar pejorativo ou um olhar carregado de dó, assistencial, que gera insegurança, medo, ouvir os diversos apelidos e atributos que popularmente são difundidos, pensar na dívida histórica que não somente a escola tem, mas todos nós, enquanto sociedade, que insiste em olhá-los através de filtros pejorativos à diferença, que numa insistência em manter um padrão ilusório, os excluem. E quando falamos em diferença, enxergamos alinhadas ao pensamento de que não importa se trata-se de uma diferença física, mental, intelectual, cognitiva, étnica, religiosa, ou de gênero, seja qual for a diferença, afinal todos somos distintos em todos os sentidos e é isso que nos torna singulares e interessantes. Não há um corpo defeituoso, existe um corpo que é diferente, assim como todos os corpos são diferentes, particulares e singulares, mas todos belos e funcionais da sua maneira, na sua essência. No imaginário social segregativo há uma premissa em que se considera as pessoas com deficiência incapazes e com poucas oportunidades, e consequentemente essas pessoas também se veem limitados, frente às oportunidades oferecidas a elas ou conquistadas por elas. Nesse contexto apenas as limitações são levadas em consideração, as potencialidades e possibilidades do indivíduo são ignoradas. Precisamos de uma sociedade que resgate o valor das pessoas com deficiência, mas acima de tudo, 180 devemos aprender a valorizar o ser humano em sua totalidade, qualquer que seja sua condição ou deficiência, pelo simples fato de existir, e não pelo que será capaz de produzir ou aprender. Enquanto as pessoas com deficiência precisarem se recluir socialmente devido às suas limitações, como fez John Merrick, no filme “ O homem elefante”, e como muitos fazem da sociedade atual - quando tem dificuldade de subir no ônibus público, de caminhar numa calçada com barreiras arquitetônicas, de não conseguir subir a rampa de acesso porque ela foi mal projetada, quando precisam de ajuda para acessar lugares públicos - a tão aclamada e discutida “sociedade inclusiva” não será mais um sonho utópico, e para chegarmos até ela, podemos começar hoje mesmo, cada um de suas casas, locais de trabalho, repensando e ressignificando ações e atitudes como por exemplo, rotular as pessoas com limitações ou deficiências com termos pejorativos como “homem elefante”, “menino-lobo” ou “o selvagem” dentre tantos outros. É difícil definir o que é ser saudável ou o que é doença, talvez essa resposta não exista, mas os preconceitos, reflexões equivocadas e inadequadas a respeito da deficiência existem, e é nessa esfera que devemos insistir e persistir, porque provavelmente como dito anteriormente, não exista um ser-humano totalmente saudável, pode-se estar bem fisicamente, mas emocionalmente não, e vice-versa, e como somos um todo não fragmentado, não podemos fazer essa análise por partes, então por que atribuir às pessoas com deficiência um conceito de anormalidade, de fora de um padrão? Vejamos no contexto das paralímpiadas por exemplo, muitos atletas estão cansados de demonstrarem sua capacidade e desmistificarem o conceito de superação, pois querem ser tratados como atletas e não como atleta com deficiência, a deficiência é apenas uma condição não um definidor de quem ele (a) é. Enfim, julgamos que para corrigir todos os anos de exclusão das pessoas com deficiência, como mencionado anteriormente, precisamos de uma proposta de inclusão social que valorize as 181 diferenças, de medidas sociais que equipararem as oportunidades garantindo a participação plena de todos os cidadãos respeitando a diversidade e a individualidade, assim como o reconhecimento das potencialidades e possibilidades, independente de suas limitações. Terminamos nossa reflexão com o excerto de Bianchetti (2002, p. 5, grifo nosso)“e enquanto estivermos numa sociedade injusta, desigual, excludente, aquele que sofre esta excludência fica na condição de ser olhado!” Referências ASSUMPÇÃO, Ligia A. Sobre crocodilos e avestruzes: falando de diferenças físicas, preconceitos e sua superação In: Groppa, J. G. (org) Diferenças e preconceitos na escola: alternativas teóricas e práticas. São Paulo: Summus Editorial, 1998. BIANCHETTI, L. 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Anais… Disponível em: Acesso em: 14 fev., 2022. 184 185 Certificação em análise do comportamento: análises e implicações Giovanna Jangarelli Santini Luiza de Freitas Borges D’Orazio A prevalência de pessoas diagnosticadas com Transtorno do Espectro Autista (TEA) tem apresentado um crescimento ao longo dos anos (SCHECHTER & GRETHER, 2008). Estimativas de prevalência de TEA aumentaram de uma em cada 150 crianças de 8 anos em 2000 e 2002 para uma em cada 44 em 2018 (MAENNER, et al., 2021). Segundo o manual de diagnóstico e estatístico de transtornos mentais (DSM-5-TR1) autismo é um transtorno do neurodesenvolvimento que tem como características déficits na interação social e na comunicação, com apresentação de padrões comportamentais restritivos e repetitivos, que afetam diversos contextos da vida do sujeito de forma significativa, além disso, pessoas com TEA podem apresentar hipo ou hiper sensibilidade a estímulos sensoriais. (APA, 2022). Os comprometimentos da pessoa com TEA são descritos pelo DSM-5-TR e podem ser verificados a partir do nível de suporte necessário para realização das tarefas diárias do indivíduo, havendo três divisões para essas especificidades, sendo: nível 1, no qual se enquadram indivíduos com menor necessidade de apoio nas suas atividades cotidianas; nível 2, existindo a necessidade de apoio substancial e nível 3 sendo necessário de apoio muito substancial para concretização de suas ocupações. Esses especificadores de gravidade podem ser usados para descrever sucintamente a atual sintomatologia (que pode cair abaixo do nível 1), com o reconhecimento de que a gravidade 1 DSM-5-TR - sigla em inglês para Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders, Fifth Edition, Text Revision 186 pode variar de acordo com o contexto e flutuar ao longo do tempo (APA, 2022). O aumento na prevalência do TEA indica um maior número de pessoas que precisarão de atendimento, e por conta disto, verifica-se a necessidade de atendimento especializado com base em intervenções pautadas em práticas baseadas em evidência (EBP2) como sendo substancial para o desenvolvimento da pessoa com TEA considerando as dificuldades que podem ser apresentadas por essa população (SELLA & RIBEIRO, 2018). Além disso, pesquisas clínicas e revisões de políticas públicas que surgiram nos últimos anos tornam possível, de acordo com Jacobson et al. (1998), estimar os custos-benefícios da intervenção precoce para bebês, crianças pequenas e pré-escolares com autismo, demonstrando a importância da precocidade do tratamento em relação aos benefícios e para os custos de longo prazo. Porém, ao considerar que a população atendida é constituída por pessoas com deficiências menores de idade, é ainda mais relevante considerar questões éticas envolvidas no tratamento e formas de fiscalizar e garantir boas práticas. A prática baseada em evidência é definida no dicionário da Associação Americana de Psicologia (APA3) como a integração da melhor pesquisa científica básica e aplicada disponível com experiência clínica, de modo a fornecer serviços eficazes que respondam à cultura, preferências e características de um paciente (por exemplo, status funcional, nível de suporte social, pontos fortes). Ao unir pesquisadores e profissionais, a EBP garante que a pesquisa sobre avaliação psicológica, formulação de casos, estratégias de intervenção, relações e resultados terapêuticos, problemas específicos e populações de pacientes seja clinicamente relevante e internamente válida. As decisões clínicas devem ser tomadas em colaboração com o paciente, com base em dados relevantes e levando em consideração os prováveis custos, 2 EBP - sigla em inglês para Evidence-Based Practice 3 APA - sigla em inglês para American Psychological Association 187 benefícios, recursos e opções disponíveis. O objetivo final da EBP é promover princípios empíricamente sustentados que possam ser usados para melhorar a saúde pública. Dentre as práticas baseadas em evidência para o TEA, é possível destacar que as mesmas se encontram majoritariamente fundamentadas na Análise do Comportamento Aplicada (ABA), sendo 25 das 27 práticas com evidências encontradas pelo The National Clearinghouse on Autism Evidence and Practice (NCAEP) em sua revisão sistemática (STEIBREMMEN et al., 2020). A análise do comportamento aplicada é a ciência na qual as táticas derivadas dos princípios do comportamento são aplicadas sistematicamente para melhorar o comportamento socialmente significativo e a experimentação é usada para identificar as variáveis responsáveis pelas mudanças de comportamento (COOPER et al., 2019). Mais especificamente, os autores apontam que a análise do comportamento aplicada é uma ciência, o que significa que os pesquisadores e praticantes da ABA são guiados pelas atitudes e métodos da investigação científica, os quais todos os procedimentos de mudança de comportamento são descritos e implementados de forma sistemática, tecnológica e nenhum meio de mudança de comportamento se qualifica como análise de comportamento aplicada: o campo circunscreve apenas aquelas táticas derivadas conceitualmente dos princípios básicos do comportamento. Ademais, o foco da análise do comportamento aplicada é o comportamento socialmente significativo. Por fim, partes da definição especificam os objetivos gêmeos da análise do comportamento aplicada: melhoria e compreensão. A análise do comportamento aplicada procura fazer melhorias significativas em comportamentos importantes e obter uma análise dos fatores responsáveis por essa melhoria (COOPER et al., 2019). A aplicabilidade da Análise do Comportamento não se restringe somente ao público com TEA, mas tem apresentado certa popularidade com esse grupo, devido a estudos pioneiros, como um realizado por Lovaas (1987) que demonstrou a eficácia 188 da Intervenção Comportamental Intensiva (IBT4) avaliando os efeitos das intervenções pautadas em ABA em um grupo experimental (n=19) que recebeu cerca de 40 horas de intervenção semanal, contra um grupo controle (n=19) que recebeu em torno de 10 horas semanais. Essa pesquisa demonstrou que o grupo experimental apresentou melhores índices de desenvolvimento comparado ao grupo controle. O estudo de Howard (2005) evidenciou que para além das horas de intervenção, a ABA tem se mostrado uma intervenção superior a terapias ecléticas, mesmo quando realizadas de forma intensiva. Para realização dessa pesquisa, os participantes com TEA foram distribuídos em três grupos, sendo um primeiro que recebeu intervenção exclusivamente pautada em ABA, de forma individualizada e intensiva (20 a 40 horas semanais), um segundo grupo que recebeu intervenções individuais ou em dupla por cerca de 30 horas semanais, com terapias ecléticas, contando com integração sensorial, Floortime, técnicas sensório-motoras e um número reduzido de intervenções analítico comportamentais; e por fim, um terceiro grupo que recebeu terapias ecléticas, em grupo por aproximadamente 15 horas semanais. Ao final do estudo, foi constatado que o desenvolvimentodo grupo que recebeu intervenção intensiva, individualizada, pautada exclusivamente em ABA foi superior aos demais grupos. Além disso, os participantes do terceiro grupo que receberam intervenção eclética, por 15 horas semanais em grupos, passaram a apresentar índices piores no desenvolvimento em comparação a seu repertório de entrada. Desta forma, o presente estudo elucidou que não somente a intensidade corrobora para o desenvolvimento da pessoa com TEA, mas também a fundamentação exclusivamente pautada na Análise do Comportamento. Tendo em vista as evidências apresentadas justificando a utilização da ABA como padrão ouro de intervenção para o público de pessoas com TEA, é observado um aumento na oferta 4 IBT - sigla em inglês para Intensive Behavior Treatment 189 deste tipo de terapia, principalmente no território nacional (FREITAS, 2022). Entretanto, apesar desse aumento, existe um desafio no cenário brasileiro no que diz respeito a realização da intervenção pautada em ABA em relação aos poucos profissionais capacitados para realização desse tipo de terapia nos moldes indicados pela literatura especializada, tendo em vista que a profissão de analista do comportamento exige uma alta qualificação profissional para que possa ser realizada a condução da aplicação dos princípios e estratégias analíticos comportamentais nos âmbitos experimentais e aplicados (CAMARGO & RISPOLLI, 2013). No Brasil, a análise do comportamento foi introduzida na década de 1961 com a vinda de Fred Keller para dar aula na Universidade de São Paulo (USP) ensinando o primeiro curso de Análise do Comportamento no país (TODOROV & HANNA, 2010). A formação de análise do comportamento só aconteceu após esse evento em um centro de formação na Universidade de Brasília com a Carolina Bori e, atualmente, a análise do comportamento continua vinculada a formação de psicologia. O estudo de Freitas (2022) apontou que em outubro de 2021, o número de cursos de especialização em ABA na plataforma e-MEC era de 105, sendo observada a tendência de crescimento deste tipo de formação no país, principalmente por conta da resolução CNE/CES no 01 (2018) que garante possibilidade da oferta da modalidade a distância. Entretanto, apesar do crescimento dos cursos pós-graduação, a profissão de analista do comportamento ainda não é reconhecida no Brasil, bem como também não é considerada uma especialidade de qualquer profissão vigente no país, por conta disso, não existe uma definição exata que defina parâmetros mínimos de formação. Erroneamente as intervenções em análise do comportamento são chamadas de “método ABA”, entretanto, como já mencionado, a ABA se trata de uma ciência que se encontra em constante transformação, no qual seus princípios são aplicados mediante a uma intervenção específica destinada para cada 190 contexto analisado, bem como para cada indivíduo que está sob o processo terapêutico. Desta forma, é necessário que seja realizada uma avaliação específica de habilidades a serem trabalhadas com a pessoa com TEA, bem como que seja elaborado um plano de ensino por um analista do comportamento supervisor, para que a partir de então seja realizada uma intervenção de qualidade (GOMES & SILVEIRA, 2016). Existem questões éticas pertinentes à utilização da ABA, apesar da abundância de evidências para a eficácia das intervenções baseadas nessa ciência, alguns ativistas dos direitos do autismo e da neurodiversidade expressaram preocupação com as intervenções baseadas em ABA (LEAF et al., 2022). As preocupações incluíram descontentamento com eventos históricos e possíveis danos dos procedimentos e objetivos visados. Os autores produziram um artigo com o objetivo de examinar algumas preocupações expressas sobre a intervenção baseada em ABA e sugerir maneiras produtivas de avançar para fornecer os melhores resultados para autistas/indivíduos diagnosticados com TEA. As recomendações dos autores para uma prática baseada em ABA que minimize as preocupações levantadas pela comunidade neurodivergente são: (1) o desenvolvimento contínuo do conhecimento dos analistas do comportamento sobre pesquisas anteriores, o que permitirá uma identificação mais precisa dos pontos fortes, fracos, positivos e erros nessa pesquisa; (2) analistas do comportamento continuem a implementar e defender contingências baseadas em reforço positivo quando possível; (3) a intensidade da intervenção deve ser determinada no nível individual; (4) os analistas do comportamento devem continuar a evoluir e progredir nos métodos informados por nossa ciência; (5) ter discussões significativas com as partes interessadas e autistas/indivíduos diagnosticados com TEA; (6) todas as alegações de abuso devem ser levadas a sério e as alegações de que direcionar comportamentos estereotipados é abusivo não são diferentes; (7) os analistas do comportamento devem permanecer 191 compassivamente céticos quando confrontados com generalizações e declarações amplas de que a ABA é abusiva. Uma pesquisa brasileira conduzida por Mizael e Ridi (2022) levantou questões éticas em intervenções baseadas em ABA com pessoas com TEA. O artigo traz que não é incomum ouvir relatos de más-práticas realizadas por supostos analistas do comportamento. Conforme descrito pelos autores, no Brasil a verificação de tais condutas ainda é um desafio, tendo em vista que até o determinado momento não existe uma certificação ou regulamentação especificando quais são as diretrizes que tais profissionais necessitam ter para serem considerados aptos para trabalharem como analistas do comportamento, apesar disso, é observado a necessidade de que esses profissionais tenham sido expostos às discussões acerca da ética aplicada a profissão em sua formação. e no que diz respeito aos cursos de especialização em ABA destinada a pessoas com TEA no Brasil. A pesquisa demonstrou por meio de uma busca na plataforma e-MEC “Base de Dados Oficial dos Cursos e Instituições de Educação Superior –IES, independente de Sistema de Ensino” que dos 36 cursos encontrados na plataforma, somente 11 estavam inseridos no site das IES, sendo que destes, somente sete apresentavam sua grade curricular, no qual quatro destes não haviam nenhuma disciplina de ética, dois cursos havia uma disciplina e somente um curso duas disciplinas de ética. Devido à ausência dessa regulamentação, a fiscalização desse tipo de serviço se torna dificultoso, visto que no Brasil a vistoria do exercício profissional é competente a um órgão administrativo ou conselho profissional, o que pode não proteger a população com TEA de serem expostos a práticas duvidosas e eticamente questionáveis. Tendo em vista esse paradigma, levando-se em conta as especificidades brasileiras, associações como a ABPMC (Associação Brasileira de Ciências do Comportamento) têm delineado critérios para acreditação e certificação de analistas do comportamento no Brasil, tendo em vista a qualificação de profissionais aptos para proferem um 192 serviço de intervenção comportamental pautado em fundamentos científicos e práticas éticas. A ABPMC é uma associação que tem como objetivo reunir psicólogos e demais profissionais atrelados ao desenvolvimento científico da análise do comportamento, que foi fundada no ano de 1991, no Rio de Janeiro. Inicialmente a nomenclatura da instituição era de Associação Brasileira de Psicoterapia e Medicina Comportamental e em 2011 passou se chamar Associação Brasileira de Psicologia e Medicina Comportamental, todavia, em 2020, devido a evoluções no campo analítico comportamental, a instituição passou a se chamar Associação Brasileira de Ciências Comportamentais, contemplando outras áreas além da psicologia e medicina (ASSAZ, MORAES & REIS, 2022). O documento proposto pela ABPMC (2020) com o título “critériospara acreditação específica de prestadores de serviços em análise do comportamento aplicada (ABA) ao TEA/desenvolvimento atípico”, destaca a existência de dois tipos de serviço nas intervenções baseadas em ABA para pessoas com TEA, sendo o primeiro a intervenção abrangente, no qual existe a atuação do analista do comportamento no desenvolvimento global do sujeito; e a intervenção focada, em que a intervenção é direcionada para poucas áreas do desenvolvimento. Independentemente do tipo de intervenção adotado, a instituição adotou uma operacionalização dos prestadores de serviço em distintos níveis hierárquicos de acordo com os níveis de formação, sendo: (A) Analista do comportamento supervisor, (B) analista do comportamento coordenador e (C) aplicador. O Analista do comportamento supervisor é aquele responsável por tomar as decisões pertinentes ao caso, sendo encarregado pelas avaliações, reavaliações, desenvolvimento do plano de ensino individualizado e supervisões dos analistas do comportamento coordenadores e aplicadores. As diretrizes da ABPMC (2020) destacam que para acreditação como supervisor é necessário que o candidato tenha como requisitos mínimos o título de mestrado/doutorado em análise do comportamento ou 193 outras áreas relacionadas ao desenvolvimento atípico, inscrição em algum Conselho de Classe Profissional do Brasil nas áreas de saúde ou educação, como por exemplo, o CRP – Conselho Regional de Psicologia, CRFa, Conselho Regional de Fonoaudiologia, CRM, Conselho Regional de Medicina – sendo necessário a apresentação de um certificado de “nada consta ético” emitido pelo conselho no qual o profissional está vinculado. Além disso, é exigido que o mesmo tenha cursado disciplinas de pós-graduação Lato-Sensu ou Stricto Sensu que contemplem pelo menos 300 horas de determinados eixos do conhecimento da ABA aplicada ao TEA, como comportamento verbal, delineamentos experimentais de sujeito único, ética, entre outros. Para além das especificidades de formação, é necessário que o candidato a supervisor tenha sido submetido a um mínimo de 18 meses de supervisões de suas funções, contando com pelo menos 32 horas de práticas supervisionadas mensais, bem como ter tido pelo menos 06 clientes atendidos sob supervisão. Quanto ao analista do comportamento coordenador, é exigido que o mesmo tenha como requisitos mínimos a inscrição em um Conselho de Classe Profissional da área de saúde ou educação no Brasil e apresentar a declaração de “nada consta ético”, além disso, deve ter certificado de pós-graduação Lato Sensu em Análise do Comportamento, tendo cursado pelo menos 120 horas de matérias pertinentes a temática da ABA aplicada ao TEA e ao desenvolvimento atípico. Em relação às horas práticas, o mesmo deve ter pelo menos 12 meses de supervisão das suas respectivas funções, com um número mínimo de 48 horas de supervisões mensais, tendo pelo menos 4 clientes atendidos sob supervisão. Esse profissional será responsável por auxiliar o supervisor na construção do plano de ensino do cliente, bem como realizar a supervisão dos aplicadores (ABPMC, 2020). Por fim, segundo os critérios da ABPMC (2020) o aplicador é aquele profissional que irá implementar o plano terapêutico descrito pelo analista do comportamento supervisor com a pessoa com TEA, de acordo com a carga horária estipulada no processo 194 terapêutico. Para credenciamento como aplicador, esse profissional necessita ter ensino médio completo e pelo menos 40 horas de cursos livres ou disciplinas de graduação que contemplem as exigências pertinentes a análise do comportamento aplicada ao TEA e/ou desenvolvimento atípico. Até o determinado momento, a ABPMC não conta com um código de ética com diretrizes para a prestação de serviço em ABA, sendo a inscrição em um conselho de classe uma das exigências obrigatórias desta entidade para profissionais candidatos a supervisores e coordenadores, estando esses sujeitos aos códigos de ética específicos para cada uma de suas profissões. Tabela 1. Síntese da certificação disponível pela ABPMC Credencial Nível da credencial Nível educacional Horas práticas supervisionadas Horas de supervisão Horas de curso teórico Código de ética ABPMC Supervisor Mestrado 18 meses 32 horas 300 horas Não Coordenador Pós-graduação 12 meses 48 horas 120 horas Não Aplicador Nível médio 6 meses 48 horas 40 horas Não Fonte: As próprias autoras Uma outra alternativa disponível no Brasil é a certificação internacional do Conselho de Credenciamento Qualificado de Análise do Comportamento Aplicada (QABA5), sendo que o objetivo deste Conselho de Credenciamento é garantir a competência dos profissionais que prestam intervenção terapêutica para indivíduos com transtornos do espectro do autismo e outras deficiências 5 QABA - Sigla em inglês para Qualified Applied Behavior Analysis Credentialing Board® 195 (QABA, 2022). Por meio do credenciamento, o Conselho de Credenciamento de Análise de Comportamento Aplicada Qualificado se esforça para ser o porta-estandarte para fornecedores em todos os níveis de análise de comportamento aplicada. Além disso, tem como objetivo melhorar a coordenação entre provedores, famílias e seguradoras para estabelecer uma entrega perfeita de serviços terapêuticos eficazes. Os mais altos padrões de intervenções comportamentais fazem parte dos valores do QABA e para que isso aconteça o conselho ressalta a importância do trabalho com espírito de cooperação e colaboração, valorizando a diversidade entre todas as partes interessadas, o agir de forma ética e honesta com nossos certificados, colegas e comunidade, zelando pela qualidade e excelência no atendimento aos nossos profissionais e por fim, visando melhorar a vida de indivíduos com TEA e deficiências relacionadas, aumentando a disponibilidade de analistas comportamentais qualificados. Com base nessas diretrizes, essa certificação conta com um código de ética próprio, no qual são definidas diretrizes éticas que os credenciados necessitam ter para garantia de uma prática de qualidade em análise do comportamento (QABA, 2021). As credenciais do QABA fornecem 3 níveis de suporte analítico de comportamento. Os 3 níveis incluem: O Técnico de Análise do Comportamento Aplicada (ABAT6) é um aplicador de nível básico que normalmente atua como instrutores individuais de atendimento direto. O supervisor qualificado de profissionais de serviços de autismo (QASP-S7) é um profissional de nível intermediário que atua como instrutor experiente e também pode fornecer treinamento para funcionários/famílias, monitorar o progresso de metas e objetivos e fornecer supervisão para funcionários iniciantes. Os analistas do comportamento 6 ABAT - Sigla em inglês para Applied Behavior Analysis Technician® 7 QASP-S - Sigla em inglês para Qualified Autism Services Practitioner Supervisor® 196 qualificados (QBA8) são profissionais em nível de mestrado que fornecem supervisão, avaliação, análise de dados, desenvolvimento de metas e outros aspectos de tratamento e integridade ética do programa ABA. Os requisitos para se tornar um ABAT são de acordo com o QABA (2021): ter pelo menos 18 anos, possuir no mínimo um diploma do ensino médio ou equivalente nacional, ter completado 40 horas de curso aprovado (um mínimo de 3 horas deve ser em ética e um mínimo de 5 horas em tratamento específico para autismo e estratégias de apoio), sendo que o treinamento deve ser concluído dentro de 5 anos da aplicação e ser desenvolvido por profissional credenciado ou licenciado no âmbito da área. Além disso, é necessário atestar o trabalho de campo supervisionado de 15 horas preenchidopor um supervisor, apresentar uma verificação de antecedentes criminais por meio de formulário de atestado de um empregador ou de um terceiro se o empregador não fornecer o formulário de atestado, passar no exame, e por fim, enviar um contrato de atestado on-line para cronograma de renovação, código de ética e taxas. O nível de QASP-S requer que o candidato, de acordo com o QABA (2022), tenha pelo menos 18 anos, possuir no mínimo um diploma de bacharel de uma universidade credenciada, ter completado 180 horas ou 12 horas de unidade de crédito semestral de curso ABA aprovado (um mínimo de 5 horas deve ser em ética e um mínimo de 15 horas em conhecimento básico de autism), ter completado 8 horas de curso de supervisão, sendo que o treinamento deve ser concluído dentro de 5 anos da aplicação e o treinamento deve ser desenvolvido por um profissional credenciado ou licenciado no âmbito da ABA e autismo. Após isso, é necessário enviar on-line o formulário de atestado de trabalho de campo supervisionado de 1000 horas preenchido por um supervisor, enviar online o formulário de recomendação preenchido por um supervisor, apresentar uma 8 QBA - Sigla em inglês para Qualified Behavior Analyst® 197 verificação de antecedentes criminais por meio de formulário de atestado preenchido por um empregador ou de terceiros se o empregador não fornecer o formulário de atestado, passar no exame e, por fim, enviar o contrato de atestado on-line para o cronograma de renovação, código de ética e taxas. O último nível de certificação descrito pelo QABA (2022) demanda que o candidato QBA para se tornar um supervisor de nível avançado ele precisa pagar a taxa de inscrição e exame não reembolsável de US$ 350 (US$ 225 para a taxa de repetição), possuir no mínimo um mestrado de uma instituição credenciada em um campo relacionado, completar 270 horas de cursos aprovados (18 créditos semestrais), incluindo 8 horas de cursos de supervisão (mestrado em ABA, Psicologia, Educação Especial ou áreas afins), 5 horas de curso deve ser em ética e 20 horas no conhecimento básico do autismo. Além disso, é necessário ter 1500 horas de trabalho de campo supervisionado com um mínimo de 900 horas na função de supervisão ou supervisão (FBA, revisão de dados, treinamento de funcionários ou pais, etc.), ter uma recomendação do supervisor e preencher o formulário de Atestado de Verificação de Antecedentes preenchido pelo empregador do candidato indicando que não houve alterações nos antecedentes do candidato. Por fim, o candidato deve ser aprovado no exame e concordar com o Código de Ética e os requisitos de renovação. 198 Tabela 2. Síntese da certificação disponível pelo QABA Credencial Nível da credencial Nível educacional Horas práticas supervisionadas Horas de supervisão Horas de curso teórico Código de ética QABA QBA Mestrado 1500 horas 5% das horas práticas 270 horas Sim QABA-S Graduação 1000 horas 5% das horas práticas 180 horas Sim ABAT Nível médio 15 horas 5% das horas práticas 40 horas Sim Fonte: As próprias autoras Uma terceira opção é a Organização Internacional de Análise do Comportamento (IBAO)9, que é uma certificação para garantir práticas éticas, proteger consumidores e manter padrões educacionais adequados no campo da ABA em todo o mundo. Essa organização também conta com um código de ética, inclusive com versão em língua portuguesa, no qual são definidas as regulamentações pertinentes a práticas éticas para seus credenciados (IBAO, 2021). Para a certificação do nível de supervisor é possível seguir duas vias diferentes, de acordo com o IBAO (2021), nas duas é necessário que o candidato possua uma graduação completa, porém a primeira via é a partir do mestrado ou pós graduação. Já a segunda via é pela experiência, garantindo uma série de possibilidades para auxiliar analistas do comportamento de todo mundo a se tornar um supervisor analista do comportamento internacional (IBA)10. O supervisor 9 IBAO - Sigla em inglês para International Behavior Analysis Organization® 10 IBA - Sigla em inglês para International Behavior Analyst® 199 IBA é essencial para o campo da análise do comportamento aplicada e na percepção do que significa praticar ABA. Para se tornar um supervisor IBA é necessário assinar um acordo de supervisão, completar os objetivos educacionais requeridos, ter um diploma de mestrado/pós graduação ou realizar o projeto do candidato caso seja por via da experiência, completar 1000 horas de prática supervisionada, as quais 50 horas precisam ser supervisionadas, completar 12 horas de educação contínua e realizar um teste de habilidades do candidato. Outra certificação via IBAO é de terapeuta comportamental internacional (IBT11). Esse nível é voltado para os aplicadores que implementam os serviços comportamentais, suportes e serviços projetados pelo analista do comportamento. Para se tornar um IBT é necessário ter um diploma de ensino médio, completar o treinamento teórico e passar por prática supervisionada. Essa certificação demanda do candidato IBT completar um curso de 40 horas, escolher um supervisor e assinar o contrato de supervisão, completar o teste de habilidade do candidato, completar 4 horas de educação continuada, completar 300 horas de prática supervisionada, sendo que 10 horas precisa ser de supervisão direta. Tabela 3> Síntese da certificação disponível pelo IBAO Credencial Nível da credencial Nível educacional Horas práticas supervisionadas Horas de supervisão Horas de curso teórico Código de ética IBAO IBA Mestrado/ prática 1000 horas 50 horas não especificado Sim IBT Ensino médio 300 horas 10 horas 40 horas Sim Fonte: As próprias autoras 11 IBT - Sigla em inglês para International Behavior Therapist® 200 Uma maneira das certificações monitorarem a qualidade e ética dos serviços analíticos comportamentais prestados é através dos processos de renovação. O QBA exige que todos os candidatos devem cumprir créditos de educação continuada (CEUs), sendo 12 CEUs para o ABAT, 20 CEUs para o QASP-S e 32 CEUs para o QBA devido ao prazo de renovação de 2 anos. Um mínimo de 25% das horas deve ser ao vivo (3 de 12 para ABAT, 5 para QASP-S e QBA). Além disso, um mínimo de 1 hora de ética para o ABAT, 2 horas para o QASP-S e 3 horas de ética para o QBA. Além disso, é necessária uma carga horária para supervisão contínua. O ABAT necessita a cada 90 dias, o QASP-S são obrigados a se reunir com seu supervisor por 5% do tempo em que prestam serviços diretos a um cliente. A supervisão de 5% pode ser feita remotamente, usando um programa de videoconferência compatível com HIPAA; no entanto, um dos contatos deve ser presencial por um mínimo de 1 hora. O QASP-S requer um supervisor (nível de mestre ou superior) para preencher o formulário de atestado de supervisor online. Os candidatos devem completar as 8 horas de curso de supervisão. Eles são obrigados a ter 5% das horas de atendimento direto supervisionado, no entanto, uma vez que o QASP-S tenha completado 1.000 horas, ele pode reduzir a supervisão para 2%, a critério do supervisor, com pelo menos um contato presencial a cada 180 dias. Em relação ao IBAO, a organização ressalta que um dos aspectos mais importantes da certificação IBA é continuar o desenvolvimento e aprendizado profissional. Portanto, no primeiro ciclo de 2 anos é necessário 24 horas de CEUs são necessárias antes da certificação, sendo que 4 horas são de ética, 4 horas de supervisão, 4 horas de diversidade cultural e conscientização,12 horas de tópicos em ABA e 1 ano de mentoria profissional. Em relação ao IBT, é necessário que o terapeuta cumpra 8 CEUs, sendo 2 horas de ética, 2 horas de diversidade cultural e conscientização, 4 horas de tópicos em ABA e receba supervisão contínua da prática em ABA. 201 Além disso, ambos os casos precisam documentar que obteve CEUs. Essa documentação requer um documento físico que mostre claramente o conteúdo e a duração do evento de treinamento, quando o treinamento ocorreu e quem o forneceu. O IBAO aceita as seguintes horas: participação em seminários, workshops e/ou treinamentos online ou presenciais sobre ABA ou informações relacionadas à análise do comportamento; apresentação de seminário, workshop ou treinamento sobre ABA ou informações relacionadas à análise do comportamento. Com o objetivo de apresentar as possíveis certificações profissionais existentes no território brasileiro, a presente discussão visa estabelecer uma reflexão pertinente a oferta de serviços analíticos-comportamentais com base em práticas consolidadas cientificamente e pautadas em valores éticos, uma vez que no cenário nacional, a ausência da regulamentação da profissão de analista do comportamento pode vir a dificultar o acesso a prestações de serviços de qualidade. Nesta perspectiva, as certificações podem ser uma forma de direcionar a comunidade do autismo a profissionais com qualificações profissionais condizentes com a hierarquia que representam na assistência destas pessoas. A qualificação profissional é um subsídio importante na garantia da qualidade dos atendimentos prestados, que irá possibilitar à pessoa com TEA o acesso a práticas consolidadas que visem a aquisição de habilidades socialmente relevantes concomitantemente com a redução de comportamentos que possam estar prejudicando o cotidiano do sujeito e de sua família. Em contrapartida, más práticas podem causar danos no desenvolvimento da pessoa com TEA, comprometendo sua qualidade de vida. Esse aspecto pode ser verificado mediante estudos como o de Howard (2005), que demonstrou como intervenções ecléticas e em grupo são menos eficientes do que os moldes indicados pela da literatura especializada, com a recomendação de práticas baseadas exclusivamente em ABA, realizada de forma individualizada. 202 Conforme mencionado por Gomes e Silveira (2016) a ABA não se trata de um método, mas sim de uma ciência, na qual o analista do comportamento deve ser eficiente em realizar uma avaliação detalhada do repertório do indivíduo para elaboração de um plano de ensino satisfatório, para isso, é necessário o conhecimento e domínio dos princípios analíticos comportamentais. Para além do domínio técnico e científico, aspectos condizentes com práticas pautadas na ética são essenciais para um atendimento qualitativo. Apesar da análise do comportamento estar presente no Brasil desde a década de 1960 (TODOROV & HANNA, 2010) a busca por atendimentos pautados em ABA junto aos planos de saúde aumentou entre os anos de 2016 e 2020, conforme verificação nos registros do Tribunal Superior de Justiça (STJ), no qual familiares têm cada vez mais buscado por liminares judiciais para obrigar os planos de saúde a cobrirem os custos da intervenção. Concomitantemente com esse fato, houve um aumento de cursos de especialização Lato Sensu em Análise do Comportamento Aplicada ao TEA no território nacional (FREITAS, 2022). Mizael e Ridi (2022) destacam que apesar da oferta de cursos de especialização em ABA no Brasil, os aspectos pertinentes às questões éticas na profissão ainda são um desafio, visto a não regulamentação da profissão no país, o que dificulta a identificação e fiscalização de prestadores de serviço que realizam atendimentos a pessoas com TEA. A partir desta problematização, entidades e instituições vinculadas a análise do comportamento visaram a criação de certificações de profissionais que atendessem os critérios pertinentes ao domínio técnico e científico da ABA, bem como experienciam práticas pautadas em valores éticos. A princípio, majoritariamente essas certificações são em sua maioria estrangeiras, não estando vinculadas às legislações brasileiras, de forma que não são requisitos obrigatórios para o exercício da análise do comportamento no Brasil. Apesar disso, elas podem vir a ser uma forma da garantia da qualidade da prestação de 203 serviços nos moldes analíticos comportamentais destinados para a população com TEA. A comparação das certificações suscitadas neste capítulo demonstrou que a iniciativa de criação de uma certificação nacional ainda é algo recente, sendo que apenas a ABPMC se encontra como uma alternativa estritamente brasileira, tendo seu documento com as exigências específicas acreditação apresentada no ano de 2020, enquanto as certificações do QABA e IBAO são iniciativas internacionais presentes no território nacional. Além disso, tendo em vista a necessidade de direcionamento da população com autismo a profissionais qualificados para a prestação de serviço em ABA, as certificações aqui mencionadas delinearam critérios pertinentes aos requisitos mínimos para que um determinado profissional possa se credenciar em diferentes níveis hierárquicos de acordo com suas qualificações. A ABPMC e o QABA apresentam três níveis possíveis de credenciamento e exigem escolaridade mínima de mestrado e/ou doutorado para o candidato a supervisor, enquanto o IBAO apresenta dois níveis de suporte, necessitando que o candidato a supervisor tenha pelo menos o título de pós-graduação Lato Sensu ou comprovação de horas práticas (1000 horas). Em relação às horas de experiência, o QABA exige a comprovação de pelo menos 1500 horas para o analista do comportamento supervisor de nível avançado (QBA) e 1000 horas para o supervisor de nível intermediário (QASP-S), enquanto a ABPMC descreve que o supervisor deve ter pelo menos 32 horas de supervisão por 18 meses, enquanto o analista do comportamento coordenador deve 48 horas supervisão por 12 meses. Desta forma, percebe-se que a ABPMC não especifica a quantidade total de horas trabalhadas necessárias para que seja realizado o credenciamento, bem como apresenta menor volume de horas exigidas em comparação às demais certificações. Para além do âmbito das qualificações necessárias para que um determinado prestador de serviço possa ter sua certificação aceita, existe também a necessidade da continuidade da oferta de 204 serviços analíticos-comportamentais de qualidade, sendo um fator primordial para garantia de um atendimento pautado em ABA nos moldes indicados pela literatura especializada. Para isso, a fiscalização destes profissionais deve ser constante, uma vez que existe a necessidade de adesão a valores éticos e aplicações de práticas baseadas em evidências nos atendimentos de pessoas com TEA. Nesta perspectiva, ao comparar as certificações verifica-se que tanto o QABA quanto o IBAO dispõem de um código de ética com informações quanto à conduta profissional, enquanto na ABMPC o mesmo não é apresentado até o determinado momento. Tendo em vista o papel do código de ética em deliberar quais são as práticas que devem ser seguidas pelos credenciados, a ausência deste documento pode acarretar em uma dificuldade na fiscalização de práticas duvidosas que possam estar sendo oferecidas por determinados prestadores de serviço. Para além deste paradigma, pelo fato da profissão de Analista do Comportamento não ser reconhecida e regulamentada no cenário brasileiro, as questões pertinentes a fiscalização se tornam mais dificultosas, mesmo com a criação de certificações, visto que as mesmas não são uma exigência para e exercício profissional, de forma que medidas punitivas como a perda da certificação não significaram uma proibição em exercer a função de analistado comportamento para o público de pessoas com TEA, o que pode colocar em risco a integridade e qualidade do serviço ofertado. Segundo Freitas (2022) a fiscalização dos profissionais do Brasil se dá por meio dos conselhos de classe, entretanto, é importante destacar que cada um dos mesmos apresenta códigos de ética distintos, no qual podem ser levantados questionamentos quanto à viabilidade e suficiência de vários documentos e conselhos para a regularização das práticas pautadas em ABA no território nacional. Desta forma, também é possível expor a necessidade da propagação de informações relevantes quanto ao trabalho ético em análise do comportamento para a população geral, para que pais e familiares possam distinguir profissionais 205 capacitados e condizentes com as diretrizes éticas daqueles que possam estar atuando com práticas duvidosas. As práticas baseadas na Análise do Comportamento Aplicada (ABA) vêm apresentando evidências empíricas pertinentes a sua utilização no ensino e atendimento das pessoas com TEA, no qual é visto um crescimento da oferta destes serviços no Brasil. Entretanto, apesar do aumento dos serviços pautados em ABA, a ausência da regulamentação da profissão de Analista do Comportamento tem dificultado a garantia de que tais serviços sejam realmente pautados em valores éticos e práticas cientificamente comprovadas. As certificações presentes no território nacional podem ser uma alternativa para distinção de profissionais qualificados, todavia, devido à ausência de uma regulamentação profissional para o analista do comportamento, somente medidas punitivas pertinentes a perda da certificação são insuficientes para garantir a qualidade dos serviços ofertados no Brasil. Desta forma, sugere-se mais discussões a respeito das certificações, em especial aquelas que levam em conta as especificidades brasileiras, como é o caso da ABPMC. Além disso, observa-se a necessidade de articulação com as demais áreas políticas para que sejam realizados debates acerca da regulamentação e fiscalização de profissionais da Análise do Comportamento no território brasileiro. Com isso, os padrões de acreditação expostos pelas instituições apresentadas podem servir de parâmetro para as discussões futuras quanto aos critérios necessários para que uma pessoa possa ser reconhecida e tenha o direito de exercer a profissão de analista do comportamento no Brasil. Referências AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION (APA). Diagnostic and statistical manual of mental disorders: DSM-5-TR, 2022. 206 ASSAZ, Daniel Afonso; MORAES, Patricia El Horr; REIS, Christian Silva. As funções do Boletim Contexto ao longo da história da Análise do Comportamento no Brasil. Revista Brasileira de Terapia Comportamental e Cognitiva, v. 24, p. 1-20, 2022. ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE CIÊNCIAS COMPORTAMENTAIS (ABPMC). 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Outro documento publicado que norteia e instituem determinações acerca desse público têm sido elaboradas e revistas nas últimas décadas. Outro documento ao qual podemos mencionar que tem relação com o público-alvo da Educação Especial, é a Resolução nº 2 de 11 de setembro de 2001, que instituiu as Diretrizes Nacionais para a Educação Especial na Educação Básica e, que estabeleceu em suas disposições gerais. Em seu Art. 1º, em seu artigo 1, a presente Resolução institui para a educação de alunos que apresentem necessidades educacionais especiais, nomenclatura utilizada na época, na Educação Básica, em todas as suas etapas e modalidades. O atendimento escolar desses alunos terá início na educação infantil, nas creches e pré- 210 escolas, assegurando-lhes os serviços de educação especial sempre que se evidencie, mediante avaliação e interação com a família e a comunidade, a necessidade de atendimento educacional especializado (BRASIL, 2001, p.1). Há muitas teorias sobre quem são as pessoas com altas AH/SD. A atual PNEEPEI (Brasil, 2008), que tem como objetivo garantir a inclusão dos alunos com deficiências dentro do ambiente escola, define que os alunos com AH/SD são aqueles que demonstram potencial elevado em qualquer uma das seguintes áreas, isoladas ou combinadas: intelectual, acadêmica, liderança, psicomotricidade e artes, além de apresentar grande criatividade, envolvimento na aprendizagem e na realização de tarefas em áreas de seu interesse. No Brasil, os primeiros registros e escritas sobre a temática da pessoa com superdotação e altas habilidades existem desde 1929, quando a educadora russa e psicóloga, Helena Antipoff, sensibilizou a toda população e buscou alternativas que pudessem favorecer o desenvolvimento pleno desses indivíduos. De acordo com Brasil (2001), o primeiro atendimento educacional especializado aos alunos que eram denominados de “bem-dotados” no Brasil, foi criado em 1945, por Helena Antipoff, na Sociedade Pestalozzi do Rio de Janeiro. Durante os anos de 1945 e 1970, poucas foram as menções realizadas com relação a esse público. Apenas no ano de 1971, aconteceu o I Seminário sobre Superdotação do país, em Brasília. Foi nesse mesmo ano que apareceu, pela primeira vez, a menção ao superdotado na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, enfatizando a necessidade da realização de um olhar diferenciado para esses alunos (ANTIPOFFE E CAMPOS, 2000). De acordo com Antipoffe e Campos (2000), entre as décadas de 1970 e 1990, diversos programas voltados às pessoas com superdotação surgiram em diferentes regiões do país. De forma especifica, foi no ano de 1973, quando criado o Centro Nacional de Educação Especial – CENESP, o órgão responsável pelo gerenciamento da Educação Especial no Brasil. 211 Percebe-se que, para Rezulli (1986), a superdotação não deve ser vista como algo estático, pré-determinado. Ele enfatiza a importância de se levar em conta a interação entre fatores individuais e ambientais. Na Constituição Federal de 1988, em seu artigo 208, inciso V, ficou estabelecido que o dever do Estado com a educação é efetivado mediante a garantia de: acesso aos níveis mais elevados do ensino; de pesquisa e de criação artística, segundo a capacidade de cada um, podendo, assim, ser interpretado como aplicável a todas as pessoas com altas habilidades ou superdotação (FREITAS, 2006) Ainda pensando em como caracterizar as pessoas com superdotação e altas habilidades, segundo Mettrau (2000), deve-se levar em consideração a complexidade dos conceitos relacionados à superdotação pois essa é uma tarefa difícil quando pensamos nos diferentes tipos de talentos, suas complexidades e multipluralidades. Na Constituição Federal de 1988, em seu artigo 208, inciso V, ficou estabelecido que o dever do Estado com a educação é efetivado mediante a garantia de: acesso aos níveis mais elevados do ensino; de pesquisa e de criação artística, segundo a capacidade de cada um, podendo, assim, ser interpretado como aplicável a todas as pessoas com altas habilidades ou superdotação (BRASIL, 1998) De acordo com Antipoffe e Campos (2000), apesar do aumento de interesse pela temática sobre o assunto abordado desse ensaio, as condições do sistema de ensino, a prática de atendimento a esse público, não tem acompanhado esse crescente interesse. A sociedade vive sob o prisma da deficiência e não sabe lidar com aqueles que apresentam uma capacidade acima da média. Fazendo uma apreciação aos trabalhos na área de Educação Especial, os de AH/SD totalizam um número bem reduzido se comparado às deficiências e ao TEA. Diante disso, este ensaio busca discorrer sobre os aspectos que podem ser impedimentos 212 ou barreiras para que os alunos com AH/SD tenham seu potencial visibilizado de modo que tenham uma trajetória escolar rica e suas demandas contempladas. Um dos grandes desafios ainda é identificar esses alunos dentro do ambiente escolar, diante dos desafios da educação em ofertar aos alunos oportunidades para o desenvolvimento pessoal e para a aprendizagem, em um contexto sociocultural (BRASIL, 2006). Para Brasil (2006), entendia-se por superdotação, as pessoas com padrões de desempenho superior que uma pessoa possa apresentar, quando comparada a um grupo de igual faixa etária e contexto social. Em geral, apresenta em conjunto com esse padrão de desempenho, algumas características que podem ser definidas e observáveis, notadas e acompanhadas em várias faixas etárias, e que apresentam necessidades educativas especiais e necessitem de procedimentos pedagógicos diferenciados para essa pessoa. Como apresentado anteriormente, no contexto brasileiro, pesquisas focadas na educação das pessoas com AH/SD ainda se apresentam relativamente escassas. Em relação às ações, Andrés (2010) afirma que ainda é dada mais prioridade ao atendimento específico para as deficiências e se desconsidera, na maior parte dos casos, os aspectos relativos aos alunos com AH/SD. É possível encontrar profissionais da educação com anos de atuação na educação básica, mas que dirão nunca ter visto ou atuado com um aluno com AH/SD, por exemplo, demonstrando que no atual cenário nacional as crianças com AH/SD ainda não são incluídas adequadamente no ambiente escolar. Dentre os impedimentos para que essa inclusão não seja feita de forma que se proporcione o desenvolvimento e aprendizagem da criança com AH/SD, pode-se considerar alguns pontos, sendo um deles o senso comum. Sob essa lente, os alunos com AH/SD são vistos como “alunos que sabem demais”, “alunos que não precisam de acompanhamento”, “alunos que não merecem atenção diferenciada” e acabam tornando-se invisíveis no contexto de sala de aula diante de seu potencial elevado. Tais posicionamentos precisam ser deixados no passado, pois temos dados que mostram quem é 213 esse aluno (perfis, tipos de inteligências), políticas que garantem atendimento à esse grupo, como identificar... sendo assim, se basear em senso comum é o mesmo que não querer enxergar o que está à sua frente e ao seu alcance. Os estereótipos e os mitos vinculados às crianças com AH/SD influenciam na aprendizagem e em suas interações, além de dificultar o processo de identificação e avaliação desses estudantes e o encaminhamentoSobre a disponibilidade da visitação com um mediador que possui especialização em áudio descrição para acompanhar a visita das pessoas com deficiência visual, é preciso agendar. Para essa exposição é disponibilizado o serviço de áudio descrição para 12 obras representativas de Palatnik. O museu possui um guia fixo que fica disponível no local, mas somente para visitas agendadas para grupos, para pessoas que não possuem deficiência. Para as visitas com o público específico de pessoas com deficiência, é preciso agendamento, no qual o CCBB-BH entra em contato com o CCBB Educativo para disponibilizar o profissional que atenda a demanda. Em uma das salas da exposição, além dos objetos e quadros do Palatnik, havia um vídeo com um curta-metragem dirigido pelo filho, Roni Palatnik, que registra o artista fazendo uma das obras da última fase intitulado “Disciplina do Caos” com duração de 22 minutos. O vídeo possuía áudio em português, legenda em inglês e um tradutor de libras, no entanto, a maior parte do vídeo era composta apenas de imagens e sons. Em outra sala havia imagens de luzes coloridas em uma das paredes, representando movimentos da série aparelho cinecromático e objeto cinético, no qual possuía apenas as imagens, sem sons. De acordo com a dimensão metodológica: sem barreira nos métodos e técnicas empregados nos sistemas sociais comuns, no qual Sassaki descreve como “uso de todos os estilos de aprendizagem” (SASSAKI, 2005, p. 23) foi algo que a pesquisa não conseguiu abarcar, pois seria necessário acompanhar a visitação das pessoas 25 com deficiência e a condução do profissional guia, para analisar a interação, mediação e os recursos utilizados por ele. Também do ponto de vista da dimensão programática: sem barreiras embutidas em políticas públicas, legislações, etc. O artigo em questão não tem esse viés, sendo necessário um aprofundamento específico, mas que pode vir a ser tema de novas pesquisas. Nessa pesquisa, houve apenas a observação de que, ao longo do processo histórico, ocorreram mudanças significativas sobre o conceito de museu e sua proposta de acessibilidade na legislação. Por fim, sobre a dimensão atitudinal: sem preconceitos, estereótipos, estigmas ou discriminação no comportamento da sociedade em relação às pessoas com deficiência. Vivemos em uma sociedade excludente que precisa se modificar. Para que esse processo ocorra é importante que as pessoas com deficiência estejam cada vez mais nos espaços públicos e exerçam os seus direitos de acesso. Pode-se inferir sobre essa questão quando Laura Martins do blog Cadeira Voadora conta a experiência inicial na visitação ao CCBB-BH na inauguração, relatando que não havia trancas no banheiro Isso é extremamente desagradável, particularmente no caso de o cadeirante estar sozinho. Na primeira vez em que visitei o espaço, um funcionário se prontificou a ficar vigiando a porta para mim, mas essa não é uma situação confortável, evidentemente. Na época, me deram a desculpa de sempre: a falta de trancas visa preservar a segurança da pessoa com deficiência. Ora, tal justificativa não é aceitável: não se pode retirar a autonomia de uma pessoa e deixá-la em uma situação de constrangimento em nome de sua segurança. Há sempre a possibilidade de se instalarem dispositivos que podem ser acionados em caso de quedas, e, afinal, cabe ao usuário decidir se corre algum risco e se é seguro ou não trancar a porta ou não. Felizmente, o CCBB se mostrou atento e também modificou essa situação. (MARTINS, 2016) Entretanto, Laura diz ainda que apesar da colocação das trancas, elas não são acessíveis, uma vez que o modelo colocado “requer força e habilidade nas mãos para abri-la”. Pode-se analisar que, de acordo com a experiência de Laura, é 26 imprescindível que as pessoas com deficiência estejam visíveis nos espaços públicos e possam experimentar e vivenciar os locais. Elas podem dizer com maior propriedade como se sentiram e como foi a acessibilidade. Conclusão Os resultados apontaram que é preciso refletir sobre a implementação de ambientes acessíveis, pois apesar de haver um avanço do ponto de vista legal, a acessibilidade das pessoas com deficiência aos museus é um processo que perpassa a mudança de paradigma de toda a sociedade. Pode-se concluir que o CCBB-BH tem se esforçado para colocar em prática o paradigma da inclusão, porém novas pesquisas mais aprofundadas se fazem necessárias para que possam investigar a visitação das pessoas com deficiência, com intuito de que possam relatar, assim como Laura do blog Cadeira Voadora, as impressões acerca dos levantamentos dessa pesquisa. Urge que todos os museus e espaços públicos trabalhem em prol da acessibilidade para que as pessoas tenham o direito humano de estarem presentes nesses espaços, usufruindo de forma plena todos os recursos educativos e culturais que eles possam oferecer para a sociedade, sem distinção. Sendo assim, há que se investir mais nas pesquisas sobre a temática com o intuito de aprofundar os debates sobre a acessibilidade a museus, compreendendo-os como espaços educativos, possibilitando uma educação não-formal ao longo da vida. Referências ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. ABNT NBR 9050:2015: estabelece critérios e parâmetros técnicos a serem observados quando do projeto, construção, instalação e adaptação de edificações, mobiliário, espaços e equipamentos urbanos às 27 condições de acessibilidade. Disponível em: . Acesso em: 20 ago. 2021. BRASIL. Lei n.11.904, de 14 de janeiro de 2009. Institui o Estatuto de Museus e dá outras providências. Disponível em: . 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Alguns mitos são: que o aluno com superdotação é um fenômeno raro, de que toda criança superdotada possui um QI excepcional, AH/SD como sinônimo de genialidade, que as crianças com AH/SD sempre se tornam adultos eminentes ou de que são adultos partidos ao meio, AH/SD como sinônimo de genialidade, da superdotação global, da boa dotação intelectual como garantia de alta produtividade na vida, de que é impossível reprimir o talento em algumas crianças e desenvolvê-lo em outras, de que são fisicamente fracos e emocionalmente instáveis e o que pressupõe que os estudantes com AH/SD conseguem se desenvolver sozinhos. De acordo com Reich e Freitas (2005), em função de concepções errôneas, muitos mitos que envolvem os alunos com AH/SD tornam-se mais presentes, prejudicando a educação desses alunos. Os mitos relacionados às AH/SD influenciam a prática docente, pois as concepções dos professores interferem nos processos de identificação, seleção e escolha de quem irá ou não ter atendimento específico em programas voltados para pessoas com AH/SD (BAHIENSE; ROSSETTI, 2014). Essas crenças podem e irão influenciar a prática do docente. Para Chagas e Fleith (2010), em função do papel do professor ser fundamental no desenvolvimento da habilidade/talento de seus alunos, acredita-se ser necessária uma formação adequada para que o professor saiba identificar o aluno com AH/SD de forma correta, sem pré concepções pautadas em mitos. Assim, o atendimento a esses estudantes poderá ser realizado da melhor forma, deixando para trás as dificuldades existentes entre eles e os professores. 214 A formação docente também pode ser considerada um impedimento para a inclusão adequada do aluno no ambiente escolar. De acordo com Barreto (2010) ainda são raros os cursos de licenciatura que oferecem ou disciplinas voltadas às especificidades de alunos Público-alvo da Educação Especial (PAEE). No geral, os cursos de licenciatura ofertam uma disciplina básica acerca da temática que versa políticas relacionadas à Educação Especial, o que é importante a nível de informação e formação, porém não poderia “estacionar” nessa introdução, é necessário falar sobre a prática, ações e posicionamentos. Infelizmente a realidade na qual nos encontramos é que na maioria dos cursos de formação de professores a temática de AH/SD nem sequer é lembrada. Segundo Winner (1998), é possível perceber antes de completar cinco anos, pelo menos alguns destes sinais: a) Atenção e memória de reconhecimento: reconhecem seus cuidadores, desde cedo, apresentam sinais de vigilância e duração de atenção longa; b) Preferência por novidades: preferir novos arranjos visuais em detrimento dos anteriores e perceber novidades; c) Desenvolvimento físico precoce: sentar, engatinhar e caminhar vários meses antes que o esperado; d) Linguagem oral: falar cedo, apresentar grande vocabulário e estoque de conhecimento verbal; e) Super-reatividade: reações intensas a ruído, dor e frustração Porém um fator importante durante a vida e o processo de escolarização desses alunos, desde os seus primeiros anos, é o despreparo dos professores que contrastam relação ao que versa a Declaração Universal dos Direitos Humanos, a Declaração de Salamanca e as políticas nacionais como a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional e a Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva. É necessário que os docentes em formação conheçam o grande leque de alunos que podem receber em suas salas e tenham direcionamentos adequados de como podem impactá-los positivamente apesar dos inúmeros desafios encontrados no dia a dia de uma escola. As experiências positivas vividas por esses 215 alunos terão um grande impacto em sua formação, já que crianças com AH/SD podem apresentar dificuldades na escola, muitas vezes, relacionadas à sua autoimagem. Para Lopes (2018), uma parcela dessas crianças sente-se diferentes, o que faz com que elas, normalmente, afastem-se dos colegas de turma e neguem suas habilidades, passando a desenvolver problemas comportamentais ou psicológicos, numa tentativa de se adaptarem melhor ao ambiente e às expectativas. Ainda sobre experiências positivas, é importante ressaltar que essas experiências definem a qualidade da participação e da aprendizagem dos estudantes. Para que seja possível contribuir para uma trajetória escolar mais adequada dos alunos com AH/SD, considerando e aproveitando seu potencial, é necessário focar no reconhecimento da existência desse grupo, em suas necessidades e na viabilização de propostas para atendê-lo. Frente a isso, é necessário entender os possíveis caminhos para uma prática positiva baseada em evidências científicas, erros e acertos, trocas de experiências, espaços de fala para os professores, utilização de atividades de enriquecimento intracurricular, formação acadêmica e docente adequada (e esta última também contínua). O processo de identificação é outro ponto que se torna impedimento para o aproveitamento do aluno com AH/SD na escola. Sabe-se que o professor tem papel importantíssimo nessa identificação do aluno, já que é ele que diariamente participa da vida do aluno e, assim, com seu olhar atento pode perceber possíveis potenciais acima da média. Com a observação de detalhes percebidos pode-se acontecer a primeira identificação do indivíduo. Em contrapartida, Winner (1998) afirma que muitos professores não estão preparados para identificar alunos com AH/SD e o que acaba acontecendo é que essas crianças são classificadas como alunos problemas. Esse olhar atento mencionado anteriormente não se fará presente se o docente tiver concepções errôneas enraizadas acerca do aluno, então a observação e a possível identificação não acontecerão e o aluno seguirá invisibilizado em sala de aula. Os professores 216 precisam ser orientados e formados para que isso não siga acontecendo. De acordo com Martins e Alencar (2011), para que a escola se transforme em um espaço de promoção de talentos, é importante que os professores desliguem de antigos paradigmas, apresentando atitudes e utilizando estratégias pedagógicas que atendam às necessidades dos alunos com AH/SD. Esse grupo não deveria ter que estar se adequando ao invés de terem seu potencial maximizado, não deveria ser invisibilizado ao invés de ter suas necessidades atendidas de maneira ideal. Temos alunos tentando se encaixar no tempo de atividade proposto pelo professor e demandado pela turma para a realização de uma atividade, enquanto aquilo não faz sentido para eles (tendo que lidar com a angústia da espera entre as atividades). Temos alunos agindo como se não tivessem uma capacidade acima da média, talento, AH/SD... a fim de serem aceitos pelos colegas de turma e por seus professores. Fica a reflexão para que nós, enquanto profissionais da educação, sigamos inquietos e ocupando os lugares dando voz a questões invisibilizadas. O caminho para uma inclusão escolar efetiva pode ser delicado e cheio de barreiras, pode precisar de muitos envolvidos para dar pequenos passos, porém quando todos sabem e reconhecem seus papeis enquanto formadores e conhecem os direitos de seus alunos, a caminhada para garantir o desenvolvimento de práticas pedagógicas adequadas faz sentido e tem um propósito que vai além. Referências ANTIPOFF, C. A.; FLEITH, D. S. Superdotados e seus mitos. Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional, SP. Volume 14, Número 2, Julho/Dezembro de 2010: 301-309. ANDRÉS, A. Educação de alunos superdotados/altas habilidades: legislação e normas nacionais: legislação 217 internacional, América do Norte (EUA e Canadá), América Latina (Argentina, Chile e Peru), União Européia (Alemanha, Espanha, Finlândia e França). Brasília,teoria, método e criatividade. Rio de Janeiro: Editora Vozes, 1993. MUSEU NACIONAL. Museu nacional UFRJ. Disponível em: . Acesso em: 17 jul. 2021. SASSAKI, Romeu Kazumi. Inclusão: o paradigma do séc. 21. Revista Inclusão. ano I, n.1, p. 19-23, out., 2005. 29 Atendimento Pedagógico Domiciliar: Desafios e Possibilidades Pedagogical Home Care: Challenges and Possibilities Karina Leite Rentz Introdução O contexto educacional nacional, sobretudo na Educação Básica, vem atendendo gradativamente a necessidade por medidas que viabilizem um meio escolar inclusivo, onde metodologias estratégicas sejam reunidas em prol de um processo educacional de qualidade para todos os estudantes, nesse âmbito encontra-se a urgência de se repensar as abordagens e a escolarização dos alunos com deficiência aquém do espaço escolar e de seu formato convencional, uma vez que é possível observar atualmente um cenário educacional inclusivo assegurado por políticas públicas que norteiam os processos de ensino bem como seus métodos pedagógicos. A Educação Especial, segundo a Política de Educação Inclusiva (BRASIL, 2008) exonerou-se de seu caráter substitutivo ao ensino regular, tornando-se uma modalidade complementar ou suplementar, nesse cenário a Educação Especial passa a ter como foco o suporte pedagógico especializado para os educadores da Educação Básica e para os estudantes com deficiência, no entanto, por conta de problemas de saúde graves pertinentes, em muitos casos, a própria deficiência, diversos estudantes precisam dar continuidade aos seus estudos em regime hospitalar ou domiciliar através do Atendimento Pedagógico Domiciliar – APD – onde o educador idealiza o processo educacional regular no hospital onde o estudante encontra-se em tratamento ou em sua residência. 30 O APD consiste na metodologia de oferta do ensino escolar através da figura do educador para os alunos que encontram-se impossibilitados de frequentar o espaço escolar. Embora tenha respaldo legislativo através de políticas públicas este atendimento ainda é pouco conhecido no país. O público alvo que se beneficia desta modalidade de atendimento tende a ser diversificado uma vez que contempla estudantes com e sem deficiência que estão afastados da instituição escolar por um período superior a seis meses por questões de saúde ou jurídicas. Dentre os indivíduos atendidos por esta modalidade encontram-se aqueles com deficiência múltipla, como é o caso da estudante Ana, foco deste estudo de caso. Ana é uma estudante do 6º ano do Ensino Fundamental II, com deficiência múltipla cujo acompanhamento do atendimento educacional especializado (AEE) em domicílio é realizado por esta que escreve através do Centro de Formação e Atendimento a Inclusão – CEFAI – localizado em Itaquera. O processo inclusivo de estudantes com deficiência múltipla ainda é recente no cenário nacional, nos dias atuais é possível observar que os responsáveis sentem-se apreendidos ao passo que educadores não se encontram preparados para o mesmo. Aqui cabe destaque a importância da educação continuada, os profissionais da educação devem compreender que ao se trabalhar com o processo de ensino aprendizagem do público fica sujeito a lidar com diferentes casos, sendo de suma importância a especialização e a continuidade de seus estudos visando compreender a diversidade, aprender novos conceitos e desenvolver metodologias próprias que venham a promover a inclusão. A educação, de modo geral, e um direito fundamental assegurado na Constituição Federal de 1988, ela é instituída no Art. 06 onde os direitos sociais de todo cidadão são estabelecidos: “São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.” Mediante este artigo entende-se que a educação é direito de todos, 31 independente de qualquer obstáculo, e que como tal deve ser respeitado e efetivado, aqui entra o APD como propulsor educacional fundamental que pode auxiliar os processos educacionais e até mesmo minimizar os prejuízos escolares do estudante que recebe este atendimento através da flexibilização e acessibilidade curricular, idealizada pelo educador responsável, para o formato pertinente a cada caso, nesse sentido, cabe o seguinte questionamento: Sendo a educação especial e a inclusão asseguradas por lei e o APD tão importante para os processos de ensino aprendizagem dos estudantes que encontram-se em regime hospitalar ou residencial, quais são os desafios e os benefícios desta modalidade de atendimento? Essa modalidade educacional é garantida pela lei, ela pode resignificar os espaços através da didática do educador que deve propor metodologias inclusivas através de atividades colaborativas em conjunto com familiares e profissionais da saúde, nesse sentido traçou-se como hipótese deste estudo a ausência de profissionais, orientadores e de políticas públicas como a principal responsável pela baixa adesão a esta modalidade de atendimento, além disso, acredita-se que profissionais especializados, adeptos da educação continuada e pesquisadores acadêmicos que promovem estudos pertinentes a esta temática constituem juntos um meio para o desenvolvimento de abordagens e metodologias que podem vir a assegurar os direitos dos estudantes em regime hospitalar ou domiciliar, lhes possibilitando o acesso a uma educação de qualidade. O presente estudo tem como objetivo geral apontar os desafios e as possibilidades na modalidade do Atendimento Pedagógico Domiciliar, com foco no atendimento educacional especializado (AEE). Em termos específicos este estudo objetiva: Esclarecer como ocorre o Atendimento Pedagógico Domiciliar na modalidade de AEE; Apontar o contexto legislativo e normativo desta modalidade de atendimento; Apresentar as características da Deficiência Múltipla; Analisar os relatórios realizados por esta autora sobre o trabalho em campo no Atendimento Pedagógico 32 Domiciliar do AEE com a paciente denominada “Ana”; Compreender os desafios e os benefícios da prática deste atendimento através do estudo de caso realizado e da análise documental legislativa. A educação é de grande importância para a formação cidadã dos educandos, ela promove a transformação social em prol do bem comum, ensina como agir pessoalmente ou coletivamente, desenvolve a autonomia dos estudantes, a responsabilidade, resiliência e flexibilidade, dá subsídios para a tomada de decisões e ajuda na construção dos princípios democráticos, éticos, sustentáveis, solidários e inclusivos dos sujeitos, desta forma justifica-se a elaboração deste estudo com base na necessidade pela efetivação dos direitos estabelecidos na legislação de acesso a uma educação de qualidade para os estudantes em regime hospitalar ou domiciliar. Para tal, este trabalho fará uso de um estudo de caso realizado por esta autora no âmbito do Atendimento Pedagógico Domiciliar na modalidade de AEE, valendo-se da legislação vigente e do contexto histórico documental normativo que resguarda estes direitos através de uma análise qualitativa. A temática selecionada para este estudo é de grande importância para o contexto da educação especial, sendo importante analisar o assunto dentro das perspectivas propostas para o alcance de um resultado assertivo, desta forma optou-se por dividir este estudo em cinco momentos: O primeiro momento buscará esclarecer as características do Atendimento Pedagógico Domiciliar. O segundo momento apontará o contexto histórico e legislativo da educação especial com foco no Atendimento Pedagógico Domiciliar. O terceiro momento dissertará brevemente acerca das características da Deficiência Múltipla, sendoessa correspondente ao caso de Ana, estudo de caso central deste trabalho. O quarto momento discorrerá pelos relatórios realizados por esta que escreve no trabalho realizado pelo CEFAI no atendimento em campo com a paciente denominada Ana. O quinto e último momento buscará compreender os desafios e os 33 benefícios da prática deste atendimento através do estudo de caso realizado e da análise documental legislativa. O quinto momento será seguido das Considerações Finais e das devidas Referências Bibliográficas. Discussão O Atendimento Pedagógico Domiciliar – APD – consiste em uma modalidade de atendimento de caráter educacional situado em ambiente domiciliar, ele ocorre com base em problemas de saúde que venham a impossibilitar um estudante de frequentar o ambiente escolar ou que se encontre em casas de apoio, de passagem, casas-lar ou demais estruturas ligadas à rede de apoio da sociedade. Cabe ao APD a fundamentação de orientações e estratégias que viabilizem o acompanhamento pedagógico das metodologias de desenvolvimento e elaboração do conhecimento para estudantes que podem estar matriculados, ou não, na rede regular de ensino1 e que estejam impossibilitados de frequentar o ambiente escolar de forma temporária ou permanente, esta fundamentação deve garantir a linearidade e a manutenção do vínculo do estudante com a instituição escolar por meio de um currículo adaptado ou flexível, facilitando o reingresso adequado do estudante em seu grupo escolar (BRASIL, 2002). Tanto o atendimento educacional hospitalar – AEH – quanto o APD devem vincular-se aos processos educacionais na qualidade de unidade de trabalho pedagógico através das Secretarias Municipais de Educação, Estaduais, do Distrito Federal e também aos direcionamentos clínicos dos sistemas de saúde da região em que se encontram. É função das Secretarias de Educação responder à solicitação das unidades de saúde para o 1 O público alunado correspondente a esta modalidade de atendimento é composto, em maior parte, por alunos regularmente matriculados na educação básica onde sua condição clínica abarque critérios psicossociais que interfiram na construção do seu conhecimento ou influenciem na permanência do estudante no espaço escolar de forma temporária ou permanente e do mesmo. 34 AEH e o APD, contratar e capacitar os profissionais da educação que idealizarão o atendimento, prover recursos financeiros e fornecer os materiais para os atendimentos (BRASIL, 2002). No ano de 2002 foi elaborado pelo Ministério da Educação e Cultura – MEC – um manual com orientações e estratégias para esta modalidade de atendimento, o mesmo aponta fatores que guiam a atuação do APD e norteia órgãos de saúde, educação, familiares e profissionais educadores que encontram-se neste cenário, seu texto aborda aspectos relevantes como os recursos físicos e recursos para os educadores atuantes, a adaptação do ambiente domiciliar, dos recursos didático-pedagógicos e do ambiente escolar, aponta questões pedagógicas e esclarece o processo de integração com a escola e com o sistema de saúde, conforme apresenta-se a seguir (BRASIL, 2002): Os recursos para a realização do APD necessários para o educador atuante são denominados aspectos físicos, por meio destes é possível a realização de adaptação na residência do estudante bem como em seu espaço escolar para a garantia de um reingresso futuro adequado à unidade escolar na qual encontra-se matriculado. Estes instrumentos de apoio didático-pedagógicos e a devidas adaptações que consistem na busca pela erradicação de barreiras físicas ou arquitetônicas, para acessibilidade ao currículo, dentre outras, devem proporcionar a equidade nas condições de acesso ao conhecimento e à escola. É importante que se providencie a adaptação do ambiente domiciliar junto ao assistente social e ao serviço de saúde, o estudante deve ter acesso a equipamentos adaptados ou mobiliários que estejam de acordo com as suas necessidades tais como: cadeira e mesa adaptadas, cama especial e cadeira de rodas, dentre outros, além disso, é importante idealizar a remoção de barreiras visando facilitar a circulação entre ambientes da residência, viabilizando o acesso às áreas internas e externas. A adaptação de recursos e o uso de instrumentos didático-pedagógicos podem ocorrer través de materiais de apoio como jogos, por exemplo, disponíveis para os estudantes, estes precisam 35 ser levados pelo educador e por isso devem ser transportados com facilidade. Outro método de adaptação de recursos pode se dar por meio de pranchas com presilhas para facilitar a escrita no espaço, suportes para papel e lápis, teclados e mouses adaptados ou configurados de forma propícia. Já no ensejo de instrumentos didático-pedagógicos é possível mencionar, além dos jogos físicos, softwares educacionais, vídeos educativos, pesquisas orientadas, dentre outros. Sobre a adaptação do ambiente escolar o documento elaborado pelo MEC (2002) aponta a importância na eliminação das barreiras arquitetônicas nos espaços escolares, a fim de possibilitar o amplo acesso dos estudantes a todos os ambientes da instituição, além disso, recomenda a mudança e a adaptação das mobílias, a revisão dos recursos pedagógicos disponíveis, a atenção sobre a alimentação e sobre como o espaço é configurado e chama a atenção para os cuidados de higiene dos estudantes, identificando quais mudanças físicas são necessárias para que estes sejam efetivados. Sobre os aspectos pedagógicos o documento ressalta que o atendimento deverá ser orientado pelas metodologias de construção de conhecimentos pertinentes à educação básica através de uma ação conjunta com os serviços de saúde, o mesmo segue informando que a oferta curricular deve ser flexível em prol da contribuição para a saúde do estudante, viabilizando um retorno ao ambiente escolar dentro dos moldes necessários com foco na continuidade dos estudos pautados em um ensino de qualidade. Já o processo de socialização escolar para os estudantes que ficaram temporariamente impossibilitados de frequentar o ambiente por questões de saúde deve considerar a acessibilidade e a adaptabilidade, é necessário que o vínculo deste estudante com a escola receba constante manutenção durante o período de afastamento mediante a participação de estudantes e familiares nos espaços de convivência escolar (através de um planejamento prévio sempre que houver meios para o deslocamento), que o mesmo tenha contato com os membros da comunidade escolar com a visita 36 de professores ou colegas (sempre que possível, mesmo que esporadicamente), que ocorra a garantia do estabelecimento de espaços de acolhimento e interlocução com os familiares no período em questão, que os educadores sejam preparados junto a demais funcionários e alunos, visando um retorno gradativo sensível e efetivo do estudante aos espaços de estudo. Ocorrem casos, no entanto, onde o processo de socialização ocorre com o sistema de saúde. Quando o quadro clínico exige a educação hospitalar ou um atendimento pedagógico a maior dificuldade encontra-se na locomoção, na imobilização do estudante (total ou parcial), na rotina de administração de medicação, nos efeitos colaterais que estes geram sobre os pacientes, procedimentos invasivos, restrição alimentar, dores e indisposição de modo geral. Tais condições implicam em um atendimento limitado considerando que em muitos casos o estudante encontra-se acamado, em uso de equipamentos de suporte à vida ou mesmo necessitam de repouso absoluto. Considerando estas especificidades o documento estabelece que compete ao sistema educacional junto ao serviço de saúde ofertar uma assessoria permanente ao educador, executar a inserção deste profissional na equipe de saúde, ele deve ter acesso aos prontuários médicos,às ações e serviços de saúde visando a elaboração de um planejamento educacional com vistas na adaptação do currículo nos moldes das necessidades do estudante. Já a CLT, Lei nº 5.452 de 1943 (título II, cap. V, seção XIII), prevê o direito do professor atuante em espaço hospitalar ao adicional de periculosidade e insalubridade, tal como se é para os profissionais de saúde. A educação é prevista como direito fundamental normatizado pela Constituição Federal de 1988, ela é estabelecida em seu Art. 6 que assegura: “São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição” (BRASIL, 1988). O documento segue afirmando em 37 seu Art. 206 que o ensino deve pautar-se em princípios, sendo o primeiro princípio o direito de todos a ter “igualdade de condições para acesso e permanência na escola (...)” (BRASIL, 1988). Ainda, em seu Art. 208, a normativa estabelece que deve acontecer o atendimento especializado educacional para as pessoas com deficiência, com preferência na rede de ensino regular. Sobre a definição da educação especial, bem como a forma como o atendimento a este público deve acontecer, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (BRASIL, 1996), em seu Cap. V, Art. 58, nos parágrafos 1º e 2º aponta: Art. 58. Entende-se por educação especial, para os efeitos desta Lei, a modalidade de educação escolar oferecida preferencialmente na rede regular de ensino, para educandos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades ou superdotação.(Redação dada pela Lei nº 12.796, de 2013) § 1º Haverá, quando necessário, serviços de apoio especializado, na escola regular, para atender às peculiaridades da clientela de educação especial. § 2º O atendimento educacional será feito em classes, escolas ou serviços especializados, sempre que, em função das condições específicas dos alunos, não for possível a sua integração nas classes comuns de ensino regular (BRASIL, 1996). Tratando-se de alunos com deficiência compreende-se que muitas podem ser as necessidades especiais educacionais que podem influenciar sobre o acesso ou a permanência dos mesmos no espaço escolar, no seu desenvolvimento e em seu processo de ensino-aprendizagem, desta forma a Constituição Federal lança luz com seu Art. 214 ou estabelecer que cabe ao Poder Público promover estratégicas e ações que tornem o atendimento escolar universal: A lei estabelecerá o plano nacional de educação, de duração decenal, com o objetivo de articular o sistema nacional de educação em regime de colaboração e definir diretrizes, objetivos, metas e estratégias de implementação para assegurar a manutenção e desenvolvimento do ensino em seus diversos níveis, etapas e modalidades por meio de ações 38 integradas dos poderes públicos das diferentes esferas federativas que conduzam a:(Redação dada pela Emenda Constitucional nº 59, de 2009) I - erradicação do analfabetismo; II - universalização do atendimento escolar; III - melhoria da qualidade do ensino; IV - formação para o trabalho; V - promoção humanística, científica e tecnológica do País. VI - estabelecimento de meta de aplicação de recursos públicos em educação como proporção do produto interno bruto (BRASIL, 1988). A Câmara de Educação Básica do Conselho Nacional de Educação homologou, no ano de 2001, a Resolução nº 02, onde as Diretrizes Nacionais para a Educação Especial na Educação Básica são instituídas, estas, junto ao Parecer CNE/CBE de nº 17/2001 onde encontram-se as orientações para os sistemas de ensino, esclarecem os espaços e as responsabilidades acerca do desenvolvimento dos serviços de educação especial. O parecer aponta que, com base nos princípios de uma escola inclusiva, a educação especial deve se dar em todos os ambientes escolares, sejam públicos ou privados, de toda rede de ensino regular, desta forma, além de assegurar a matrícula, estas instituições deverão gerar condições para a manutenção escolar de todos os estudantes, o documento também prevê que em casos extraordinários devem ser ofertados os serviços de educação especial em classes especiais, classes hospitalares e em ambiente domiciliar (BRASIL, 2001). Desta forma fica claro que este Parecer estabelece que o atendimento educacional especializado por ocorrer, em dadas circunstâncias, em ambientes domiciliares ou hospitalares. Sobre o ambiente domiciliar este aponta: Ambiente domiciliar: serviço destinado a viabilizar, mediante atendimento especializado, a educação escolar de alunos que estejam impossibilitados de frequentar as aulas em razão de tratamento de saúde que implique permanência prolongada em domicílio (BRASIL, 2001). Dando seguimento a esta linha temporal crescente surge no ano de 2002 o documento mencionado anteriormente “Classe Hospitalar e Atendimento Pedagógico Domiciliar: estratégias e 39 orientações” elaborado pelo Ministério da Educação, o documento tem o objetivo de promover e estruturar o atendimento pedagógico nos espaços domiciliares e hospitalares com foco na garantia do acesso à educação em conformidade com as necessidades educacionais de cada sujeito. O documento também presta orientações sobre a organização administrativa destes atendimentos com ênfase nas articulações entre a educação municipal, estadual e federal (BRASIL, 2002). Independente das condições sensoriais, físicas, emocionais ou cognitivas, as crianças com qualquer deficiência têm a necessidade e a chance de interagir, aprender, brincar, conviver e ser feliz, embora em alguns casos tais oportunidades ocorram de forma diferente, é essa forma diferente que as tornar pessoas únicas. Estas diferenças não devem ser vistas defeito ou incapacidade, mas sim como dificuldades que podem ser minimizadas ou mesmo superadas. No caso das crianças com deficiência múltipla é importante compreender que sua inclusão escolar não depende do seu nível de desempenho intelectual ou de severidade da deficiência, mas sim da interação e do acolhimento proporcionado pela socialização e da adaptação do sujeito a diferentes grupos, mas para tal, é importante que a instituição escolar realize modificações no ambiente, adapte os espaços para atender a criança e, principalmente, estabeleça uma parceria entre profissionais da saúde, educadores e familiares que venha a atuar sobre os interesses da criança (BRASIL, 2006). Através da perspectiva de Kassar (1999) entende-se que a educação e o aprendizado escolar de pessoas com múltipla deficiência no país consistem em um novo tipo de aprendizagem para o sujeito, esta educação, quando planejada possibilita o desenvolvimento do estudante, ao passo que no sentido oposto, não traz benefícios concretos para o mesmo, que acaba por ficar desassistido pela instituição escolar, logo, essa aprendizagem deve ser devidamente planejada e acompanhada, conforme pontua a autora (KASSAR, 1999, p. 80): “pode ser um tipo de aprendizado novo na vida do sujeito, por ser acompanhado e 40 sistematizado. Quando bem planejado, propicia o desenvolvimento do sujeito, possibilitando seu acesso sistematizado à cultura produzida historicamente”. Desta forma é importante que estes estudantes participem da vida cultural através de métodos adequados de comunicação, em meio a diferentes trocas sociais e vivenciando situações desafiadoras de aprendizagem na tomada de decisões, na formulação de pensamentos, resolução de problemáticas, na escolha de expressões e na autonomia para iniciativas. No que concerne à adaptação a situações novas sabe-se que as crianças com deficiência múltipla podem precisar de mais tempo, nesse contexto torna-se fundamental a mediação entre professores efamiliares que podem, juntos, estabelecer estratégias e ações que venham a auxiliar este processo, resultando assim no desenvolvimento da autonomia do estudante em questão. Essas crianças geralmente também apresentam dificuldade em expressar seus pensamentos e desejos, grande parte não apresenta linguagem verbal, mas comunicam-se por meio de movimentos corporais mínimos, gestos, objetos ou sinais, por conta disso precisam de pessoas interativas que ofertem apoio a ajudem no processo de comunicação não verbal, aqui cabe destaque a observação de Brodin (1991) que explica que as crianças com pouca iniciativa comunicacional tende a ter esta postura por serem superprotegidas pela figura adulta que, para poupar-lhes esforços, adianta-se à suas necessidades, por exemplo, respondendo aos questionamentos direcionados a essas crianças. Os estudantes com múltipla deficiência demonstram grande dificuldade no processo de aprendizagem e acabam não desenvolvendo-se no mesmo ritmo que as demais crianças, estes precisam de intervenções educacionais que tenham foco na qualidade de ensino e na igualdade, estas intervenções só ocorrem através de estratégias de comunicação e de suporte profissional e tecnológico capazes de minimizar as desvantagens por meio de metodologias diferenciadas para avaliação e ensino. Nessa abordagem a mediação e o planejamento tornam-se fundamentais 41 para o processo de aprendizagem, mas este trabalho não é individual, é transdisciplinar, atuam juntos os familiares ou responsáveis, o professor do ensino regular, o educador especialista de apoio e a equipe de saúde (terapeuta, fisioterapeuta, fonoaudiólogo, psicólogo, dentre outros) avaliando as necessidades da pessoa em questão, sugerindo novas abordagens, adaptando os processos e construindo recursos que viabilizem o processo de aprendizagem, comunicação e interação (BRASIL, 2006). Um documento do Ministério da Educação, elaborado pela Secretaria de Educação Especial em 2006, aponta as atribuições e o papel do professor especializado de apoio, a saber: Mediar as relações presentes no programa de intervenção antecipada; Acolhimento de interesses e necessidades, priorizando os desejos do estudante, dos responsáveis e da instituição escolar; Efetivar uma avaliação pautada na transdisciplinaridade e na interdisciplinaridade mediante a troca de informações com demais profissionais; Verificar nos espaços (escola, família, casa e comunidade) as necessidades e os potenciais do estudante; Construir um programa de intervenção junto dos demais profissionais envolvidos; Prestar apoio e instruir os responsáveis com relação aos cuidados básicos de higiene e alimentação do estudante; Realizar regularmente a visita domiciliar, não deixando de fomentar a inclusão do estudante com a comunidade; Acompanhar o processo de inclusão do estudante nos centros educacionais ou na instituição escolar; Apoiar o estabelecimento de uma rede de apoio comunitário; Desenvolver, junto aos responsáveis e demais profissionais, um plano de atendimento educacional especializado que contemple as necessidades educacionais do estudante. Dentre os estudantes com deficiência múltipla que recebem APD encontra-se Ana, foco deste estudo de caso. Ana tem 12 anos completos, é uma estudante do 6º ano do Ensino Fundamental II com deficiência múltipla cujo acompanhamento é realizado por esta que escreve através do Centro de Formação e Atendimento a 42 Inclusão – CEFAI – localizado no bairro Itaquera, na Cidade de São Paulo, este centro corrobora com a legislação que aborda o atendimento de pessoas com necessidades especiais na rede municipal de ensino. A unidade de Itaquera, regulamentada pela Portaria nº 4.610 de 12 de junho de 2005 objetiva ampliar as estratégias de inclusão escolar, conforme esclarece a nota da Prefeitura de São Paulo (São Paulo, 2006): 1) apoiar o processo de inclusão social e escolar das crianças com deficiências na rede escolar de Itaquera; 2) facilitar o desenvolvimento das potencialidades do educando com deficiência favorecendo sua efetiva inclusão na rede municipal de ensino; 3) orientar e instrumentalizar a família com vistas à inclusão social; 4) articular ações que facilitem a conjugação de esforços dos diferentes níveis de governo e da sociedade civil, abrangendo as áreas sociais da educação e saúde na interface com assistência social, cultura, lazer e esportes, transporte e justiça; e 5) incentivar a participação da comunidade nas ações de inclusão social e escolar, com a constituição efetiva de uma rede de apoio social (São Paulo, 2006). O processo de inclusão e inserção de crianças com deficiência no meio escolar exige a organização e esforços conjuntos e ações que proporcionem condições para uma inclusão propícia, logo, não basta inserir a criança na escola, deve-se estabelecer ações prévias e constantes que resultem no acolhimento correto e não excludente desta criança. A fim de preservar a identidade da criança cujo termo de acompanhamento será analisado optou-se por chama-la de Ana. O atendimento domiciliar na modalidade do AEE , em questão foi realizado por uma profissional de apoio, junto a esta autora na qualidade de representante do CEFAI, o material estudado compreende o período entre 07 de março de 2022 e 24 de junho de 2022, somando assim 03 meses e 17 dias. A unidade escolar na qual Ana encontra-se matriculada é o CEU EMEF Conceição Aparecida de Jesus, escola com a qual são articuladas as ações de apoio para o APD. 43 A estudante Ana, segundo sua genitora, frequentou a unidade escolar na educação infantil de 3 a 4 anos, residia no Estado da Bahia e mudou-se para o Estado de São Paulo após o agravamento de seu quadro clínico, buscando especialidades clínicas para o melhor prognóstico. O APD em questão contou com a genitora de Ana, a auxiliar de enfermagem designada, a fonoaudióloga da equipe multidisciplinar da Associação Paulista para o Desenvolvimento da Medicina – SPDM – e esta que escreve, Professora de Apoio e Acompanhamento à Inclusão – PAAI. O processo, nesta primeira visita, teve início através de uma avaliação pedagógica pautada na abordagem sociointeracionista de Vigotsky, que analisa os reflexos do meio sobre o sujeito, estes reflexos ocorrem através da interação dos mesmos com a realidade, logo, aponta a dimensão sociocultural da criança considerando seu contexto social, histórico e cultural. Mediante a interação foi possível compreender parte da dinâmica familiar de Ana, dando subsídios desta forma para o início das atividades pertinentes ao atendimento, importante ressaltar que neste primeiro momento o objetivo do atendimento encontra-se na introdução à comunicação alternativa e na formulação de estratégias para o desenvolvimento das funções mentais superiores. As atividades do atendimento educacional especializado contemplam, conforme Art. 22 da Portaria nº 8.764 de 2016: Art. 22 - As atividades próprias do Atendimento Educacional Especializado - AEE, de acordo com as necessidades educacionais específicas do público-alvo da educação especial serão: I - ensino do sistema Braille, do uso do soroban e das técnicas para a orientação e mobilidade; II - estratégias para o desenvolvimento da autonomia e independência; III - estratégias para o desenvolvimento de processos mentais; IV - ensino da Língua Brasileira de Sinais - Libras, como primeira língua, para educandos e educandas com surdez; V - ensino de Língua Portuguesa na modalidade escrita, como segunda língua, para educandos e educandas com surdez; VI - ensino do uso da Comunicação Alternativa e Aumentativa (CAA); 44 VII - ensino da informática acessível e do uso dos recursos de Tecnologia Assistiva – TA; VIII - orientação de atividades de enriquecimento curricular para as altas habilidades
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